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Josmar Jozino

José Paulo de Andrade foi vigiado pela ditadura por críticas em telejornal

José Paulo de Andrade, jornalista da Rádio Bandeirantes - Reprodução
José Paulo de Andrade, jornalista da Rádio Bandeirantes Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/07/2020 04h03

O jornalista José Paulo de Andrade, 78, foi investigado e vigiado em 1976 pela ditadura militar por causa das críticas feitas no telejornal Titulares da Notícia, exibido na TV Bandeirantes, contra: o racismo; perseguições aos estudantes e operários; situação econômica na América Latina e uma ação desastrosa da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), da PM (Polícia Militar) paulista.

José Paulo faleceu na última sexta-feira (17). Ele e outros profissionais do telejornal tiveram a vida devassada a mando de militares do Comando do 2º Exército, como mostram documentos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão da ditadura.

A ordem para investigar José Paulo de Andrade e os jornalistas Odair Redondo, Gabriel Romeiro, Sérgio Sister, Branca Ribeiro, Fernando Garcia e Newton Carlos, foi autorizada pelo Ministério do Exército.

A equipe foi incumbida de manter em constante observação o programa em pauta, levantar os dados dos jornalistas do telejornal e, principalmente, acompanhar as atividades de todos eles. Veja a documentação aqui.

As informações sobre os profissionais foram repassadas ao delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, titular do Dops e apontado por entidades de Direitos Humanos como um dos maiores torturadores da história do Brasil.

O ministério expediu o Pedido de Busca 340, em setembro de 1976, determinando informações detalhadas sobre a vida dos jornalistas do Grupo Bandeirantes de Rádio e Televisão. No documento é mencionada a organização e estrutura do telejornal.

Consta na documentação que Odair Redondo era o editor-chefe; Gabriel Romeiro editor-responsável; Sérgio Sister chefe de reportagem; José Paulo, Branca Ribeiro e Fernando Garcia apresentadores, e Newton Carlos comentarista de assuntos internacionais.

Band faz especial para homenagear José Paulo de Andrade

Band Notí­cias

Profissional da Band por 57 anos

José Paulo, dono de uma voz inconfundível, trabalhou durante 57 anos na Rede Bandeirantes. Ele era portador de enfisema pulmonar, mas morreu devido à covid-19.

O jornalista era uma pessoa querida e generosa na redação. Ajudava e incentivava os colegas em início de carreira.

Em 2018, quando soube que eu havia sido diagnosticado com enfisema pulmonar, Zé Paulo, gentil e carinhosamente ligou para me tranquilizar. O jornalismo já sente a ausência, a dedicação, a ética, o profissionalismo e a competência dele.

Ligações com o sindicalismo

No relatório reservado de informações repassadas ao delegado Fleury é mencionado que José Paulo de Andrade foi associado ao Sindicato dos Jornalistas e fez parte do departamento de propaganda do Diretório Acadêmico 13 de Setembro, da Faculdade de Direito da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas).

Também é citado no relatório que o apresentador foi candidato pela chapa Azul ao cargo de tesoureiro do Sindicato dos Jornalistas em abril de 1975.

Os investigadores informaram que Gabriel Romeiro era debatedor do Sindicato dos Jornalistas. Sérgio Sister foi chamado de terrorista. No relatório vê-se ainda que ele pertencia ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) e que fora indiciado em IPM (Inquérito Policial Militar) por subversão.

Em relação à jornalista Branca Ribeiro foi informado que ela já havia passado pelo Dops para depor em inquérito que apurava a apreensão de três mil exemplares do livro "Vigarista Jorge", do cantor, compositor, escritor e cineasta Jorge Mautner.

Vladimir Herzog em foto dos anos 1970. A imagem faz parte da coleção pessoal de Ivo Herzog no Acervo Vladimir Herzog - Acervo Vladimir Herzog - Acervo Vladimir Herzog
O jornalista Vladimir Herzog em foto dos anos 1970
Imagem: Acervo Vladimir Herzog
Manifesto após morte de Herzog é citado pelo Dops

Newton Carlos foi acusado de fazer comentários irônicos sobre notícias internacionais e sobre uma reportagem nacional cujo tema era mordomia no Brasil. No relatório tinham citações de vários artigos escritos pelo jornalista e informações sobre inquéritos arquivados que ele respondeu na Justiça Militar.

O relatório apontou que Odair Redondo havia assinado com outros profissionais de imprensa, inclusive Sérgio Sister, um manifesto publicado na edição de 3 de fevereiro de 1976, do jornal "O Estado de S.Paulo", solicitando a completa elucidação do caso Herzog.

Esse trecho do documento se refere à morte do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado nas dependências do Doi-Codi, no quartel-general do 2º Exército em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Os militares alegaram que Herzog havia cometido suicídio.

E foi também justamente o Comando do 2º Exército quem determinou as investigações e a severa vigilância aos jornalistas do telejornal Titulares da Notícia. Para os militares "a programação jornalística adotava com frequência atitudes opinativas em vez de informativas".