Alckmin é muito certinho e Azeredo é um ingênuo, diz FHC

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

  • Carine Wallauer/UOL

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no seu escritório, em São Paulo, durante entrevista ao UOL

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no seu escritório, em São Paulo, durante entrevista ao UOL

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso saiu em defesa dos ex-governadores Geraldo Alckmin (SP) e Eduardo Azeredo (MG), seus companheiros de PSDB, na entrevista que concedeu ao UOL no início da noite de terça-feira (22), na sede da fundação que leva o seu nome, no centro antigo de São Paulo.

Sobre o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo, que se entregou à polícia nesta quarta-feira (23) após ter a prisão decretada pela Justiça no caso que ficou conhecido como mensalão tucano, FHC disse que ele "é um ingênuo". "Eduardo não é nenhum corrupto, ladrão, nada disso." 

De todo modo, o ex-presidente do Brasil entre 1995 e 2002 disse aceitar a decisão da Justiça, que condenou Azeredo a 20 anos e um mês de prisão por participar de esquema que supostamente desviava verbas públicas de empresas estatais mineiras para abastecer o caixa dois da sua campanha à reeleição ao governo de Minas, em 1998. Azeredo nega irregularidades.

Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à Presidência da República, também tem o respaldo de FHC contra denúncias de recebimento de dinheiro de caixa dois para campanhas eleitorais, conforme apontam colaborações premiadas de dirigentes da construtora Odebrecht e investigações do Ministério Público e da Polícia Federal.

"Eu duvido de que o Geraldo tenha feito qualquer coisa [de errado], porque ele é muito certinho. As pessoas que são mordômicas [que gostam de mordomias] são mais complicadas. O Geraldo não é assim, é simples."

Também nesta quarta-feira, o próprio Alckmin rebateu as acusações de beneficiário de corrupção, em sabatina realizada pelo UOL, "Folha de S.Paulo" e SBT.

"Moro no mesmo apartamento. Então eu me sinto indignado, porque há uma tendência agora no Brasil de defenestrar a política, dizer que é todo mundo igual. Não, não é. Quem enricar com política é ladrão. L-a-d-r-ã-o", afirmou Alckmin, soletrando a última palavra e frisando em seguida que suas campanhas "foram feitas rigorosamente dentro da lei".

Ao se sentar na poltrona para a entrevista a seguir, no escritório amplo e claro, Fernando Henrique espia o celular: "Ué, ninguém me ligou hoje?". A chefe de gabinete acode: "O senhor trocou o número do celular". "Ah...", ele sorri.

Leia a seguir trechos da conversa com o ex-presidente:

Lava Jato, crime e castigo

A [Operação] Lava Jato era necessária. Ou põe um freio ou o quê? Não vejo que a turma da Lava Jato esteja fazendo isso ou aquilo por razão [política ou seletiva]... Podem ter motivação de todo tipo, eu não os conheço, posso gostar de uns e não de outros, mas não acho que no conjunto... Tem dados. Abusaram no Brasil. O que a elite fez no Brasil não era aceitável. Passou de qualquer limite.

E nós estamos julgando o passado com o olhar do presente, isso é discutível. Você se lembra de que o Lula, quando foi no mensalão [denúncia de compra de votos de parlamentares que veio à luz em 2005], aquela coisa de dizer em Paris, [tipo] "Ah, isso não é nada, é só caixa dois" [em entrevista ao programa "Fantástico", da TV Globo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em viagem à capital francesa: "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente"]. O caixa dois, que no passado era "só", hoje é crime. Eu sei que tem defasagem nisso aí, mas [os integrantes da força-tarefa da Lava Jato] foram além de tudo o que é pensável. Quando você vê as cifras [da corrupção] do Brasil, não dá. Tem que coibir. E como você coíbe? Não é com a virtude só, é crime e castigo.

Com o PSDB aplica-se a mesma regra, o que posso fazer? Eu gosto? Não gosto. Se provar, quem vai dizer [o contrário]? Não serei eu.

"Alckmin é muito certinho"; "Azeredo é um ingênuo"

Este [Eduardo Azeredo] é uma vítima disso aí. Eduardo não é nenhum corrupto, ladrão, nada disso. Ele é um ingênuo, do que me lembre do Eduardo. Mas ele, na campanha [de reeleição], se beneficiou. Eu lamento muito.

Alckmin não tem nada. Alckmin é conversa. Alckmin é outra coisa, é outro estilo. Como o Eduardo é também. Eduardo também não é de meter a mão, nada. Mas ali [na campanha] houve uma base diferente, eles pegaram um dinheiro público, é o que dizem. Na campanha, o [empresário e publicitário Marcos] Valério, não sei quê. Naquela época, talvez fosse aceitável, hoje não é mais. A história é assim, ela é cruel, ela te julga por um olhar diferente.

Eu duvido de que o Geraldo tenha feito qualquer coisa, porque ele é muito certinho. As pessoas que são mordômicas são mais complicadas. Gostam de ser servidas e então vão indo. O Geraldo não é assim, é simples. [Integrantes do governo] Podem ter feito [atos de corrupção]? Como eu digo: você acha que não roubavam no meu governo? Certamente roubavam, mas não fui eu, nem eu sabia. Quando sei, sou contra. Tento evitar.

Vou me manter na posição: "Tem prova? Não fui eu quem armou? Está bem. A Justiça julgou, eu aceito".

Carine Wallauer/UOL
Para FHC, Lula caiu na Ficha Limpa e não pode se candidatar

"Com ou sem Lula, eleição não vai parar"

Você acha que o PT vai ficar até o fim nessa posição [de manter a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e, no caso do impedimento dela, questionar a legitimidade das eleições]? Hoje o PT não tem muita alternativa senão manter o Lula.

Numa certa altura, o PT vai ter de ver: "Como elejo meus deputados? Como mantenho meus governadores?". O PT não é um [partido] revolucionário. Não está na luta armada, contra as instituições. O PT está nas instituições. Vai querer ocupar espaço nelas. Então, ou o PT arranja um candidato próprio, que não seja o Lula; ou consegue que o tribunal libere o Lula, e isso não tem como no momento; ou vai apoiar um terceiro. Mas uma dessas coisas vai ocorrer.

A eleição não vai parar, a sociedade vai querer eleição. Por mais que se diga que vai ter abstenção [alta], pode ser. Mas sempre teve. E isso não tornou ilegítima a eleição. Acho muito ruim o caminho de ilegitimar a eleição, porque a consequência é o esfacelamento das instituições.

"Lula é candidato? Não pode ser, a Ficha Limpa proíbe"

Eu lamento que Lula esteja na cadeia, do ponto de vista humano. Mas, do ponto de vista jurídico, que é o que conta, não vou opinar. Não sou juiz. Acho que a responsabilidade moral é maior e é outra, não é de que ele fez isso e aquilo. É o sistema que foi montado. Sobre isso posso opinar contra. Agora nunca vou para o lado: "Você roubou". Se roubou, não sei, não sou eu que vai ver, não sou polícia. Isso vale para o Lula também. Mas o pessoal me cobra. A raiva é grande, então querem que você malhe. Não é o meu estilo, não vou, não vou, não vou.

Mas também acho que tem de respeitar a Justiça. O Lula é candidato? Não pode ser, a Lei da Ficha Limpa proíbe. De quem é essa lei? Não é minha, é deles [lei aprovada em 2010 no Congresso Nacional e sancionada por Lula no mesmo ano]. Não pode ser candidato. Seria melhor que ele fosse? Seria, se não tivesse incorrido na Lei da Ficha Limpa. É bom para o Brasil? Não sei, talvez não. Mas também não é bom para o Brasil ter feito o que ele fez.

"Vamos precisar de uma nova coesão"

A situação brasileira requer liderança. É preciso ter uma e tomara a gente tenha sorte de eleger um presidente que seja capaz de governar. Com o voto direto, é mais fácil. Para a pessoa. O [Michel] Temer [MDB, que assumiu como presidente após impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016] teve voto, mas para vice. É uma situação sempre delicada, vi com o Itamar [Franco, do MDB, era vice-presidente de Fernando Collor de Mello e assumiu a Presidência com o impeachment, em 1992]. Ele foi bastante hábil, fez uma coesão, botou todo mundo, até o PT, chamou a [Luiza] Erundina [que assumiu como ministra da Administração Federal, em 1993]. O PT não topou, mas ela topou. É simbólico.

Não é já, mas daqui a pouco vamos precisar de novo de uma coesão. Quem pode fazer isso? O presidente eleito

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

Quem tem força hoje no Brasil para dizer: "Para a briga, fica só a extremidade dela e nós vamos ter aqui um canal sem tanta confusão, cuidando do conjunto"? Quem tem força para fazer isso hoje? Não sei se tem. Um novo presidente eleito pode fazer isso. Se não fizer e continuar nesse acirramento, não será bom para o país.

Carine Wallauer/UOL
Meirelles não tem o cacife de um Plano Real, diz Fernando Henrique

"Meirelles não tem o mesmo cacife que tive"

O Plano Real [lançado quando FHC era ministro da Fazenda de Itamar e que impulsionou a primeira candidatura dele à Presidência] deu resultado imediato para o bem-estar das pessoas. Não foi feito para isso, foi feito para salvar as finanças, mas deu resultado para o bem-estar.

O Temer resolveu muitos problemas importantes econômicos, mas as pessoas não sentem de imediato. O Real deu. A inflação era de 3.000% ao ano. Você sai de 3.000% e vai para 10%.

[Henrique] Meirelles [ex-ministro da Fazenda de Temer e agora lançado pré-candidato à Presidência pelo MDB] não tem esse cacife, mas fez coisas. Ele e o Temer fizeram. Caiu o juro, caiu a inflação, isso é meritório, a história vai reconhecer. Agora, o povo não pensa desse jeito porque o povo só sente quando pega nele.

Naquela época do Real, não só a inflação baixou como também eu falava. Tem que verbalizar. Falava, explicava, convocava vocês [da imprensa] o tempo todo. Eu gostava. Que vou fazer? Política precisa disso.

Está difícil de prever qualquer coisa aqui. Porque as mudanças são muitas, simultâneas. Difícil saber quem vai encarnar alguma coisa que a população aceite. Um caminho, um rumo

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

"Povo precisa eleger alguém capaz de governar"

Não sei se o povo vai ter este bom senso, que é [eleger] a pessoa capaz de governar. O povo tem de olhar e refletir: "Mas governa?". "Eu quero fazer do Brasil um paraíso." Está bom. Mas você pode fazer? Com que roupa? Com quem? Isso tem de ser discutido na campanha. Não é só ter ideia, é poder fazer.

Eu tenho dito sempre e sofro muito: quero ser rei da Inglaterra [risos]. Posso ser rei da Inglaterra? Não posso. Quer ser presidente do Brasil? Como? Tem muitos que não podem ser presidente do Brasil. E, se forem, por acaso, não vão governar. O país tem que aprender um pouco isso aí. É difícil governar.

Carine Wallauer/UOL
Ex-presidente defende eleição de alguém capaz efetivamente de governar

"Alguém vai ter que mostrar como é que sai do buraco"

A população tem que sentir que vai ganhar com a pessoa. E ganhar concretamente. Isso é na campanha. Quando fui reeleito [em 1998], era muito difícil, foi na crise mundial, econômica, crise aqui. Eu dizia: "Quem controlou a inflação controla a crise". E tive muita dificuldade de dizer isso, porque não é a mesma coisa. É mais fácil controlar uma inflação do que uma crise. Era o [problema do] desemprego, e o desemprego naquele tempo [olhando] hoje é ridículo, era de 7%. Ganhei porque disse: "Olha, eu tenho cacife no mundo". E botava lá [na campanha] eu falando com Fulano, com Beltrano. Para a população sentir que tinha como sair [da crise].

Alguém vai ter que mostrar como é que sai do buraco. Não basta falar, tem que ter cacife para isso, para falar com credibilidade

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

"Nunca topei um terceiro mandato"

Por quê? Porque acho que não dá mais. Sou favorável realmente a que haja certa renovação até de geração. Não quer dizer que o novo seja melhor que o velho. Depende. Às vezes a cabeça do moço é velha e vice-versa. Para dirigir o Brasil, tem que ter uma energia que eu não tenho mais. E já não tenho há muito tempo. Agora, [aos 86 anos] não tenho mesmo. Não sou maluco. Nem egoísta a esse ponto. Nem vaidoso a esse ponto. Deus me livre. Nunca entrei nessa conversa. Nunca. Em outras épocas era mais possível, porque era mais moço. Agora, então... Não. Deixa eu falar minhas besteiras sozinho [risos].

"Rico já tem segurança, quem não tem são os pobres"

A questão da segurança no Brasil é uma questão do povo. As pessoas têm medo de andar na rua. Eu tenho a experiência do Rio: você ouve fuzilaria [tiros de fuzil] da sua casa. Então, hoje, tocar na questão da segurança é necessária. Se estiver no campo, você vai ver que tem assalto no campo. Você tem que tocar nessa questão e, se mostrar que não está dando atenção a isso, não vai ter apoio. E não pode deixar isso nas mãos da "direita" com aspas. Não é uma questão dos ricos, é das pessoas, porque o rico se defende. O rico já tem segurança, quem não tem são os que não são ricos.

Não pode deixar a segurança nas mãos da 'direita'. Não é uma questão dos ricos, é das pessoas

Fernando Henrique Cardoso

Isso tem de ser enfrentado. Não pode deixar que a violência tome conta das instituições do Estado. Isso tem de ser dito e mostrado, independentemente de qualquer posição fechada. Não é "mata e morre", não, mas tem que ter uma posição firme. Não pode deixar esse negócio se desmilinguir.

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos