TSE ainda não julgou R$ 301 milhões de campanhas a presidente de 2014

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

  • Sergio Lima/ FolhaPress

    Dilma ao ser diplomada pelo TSE: das campanhas presidenciais de 2014, a da petista foi a única a ter as contas analisadas

    Dilma ao ser diplomada pelo TSE: das campanhas presidenciais de 2014, a da petista foi a única a ter as contas analisadas

A pouco mais de quatro meses de uma nova eleição para escolher o futuro presidente do Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda não terminou de julgar as contas de campanha dos presidenciáveis da última eleição, realizada há quatro anos, em outubro de 2014. O valor total de gastos ainda pendentes de análise é de R$ 301 milhões.

Apenas as contas da chapa vencedora naquela disputa, a da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), já foram analisadas pelo tribunal, sendo aprovadas com ressalvas. A legislação manda que as contas do eleito sejam julgadas antes da diplomação, que costuma ocorrer a menos de um mês da posse.

A campanha de Dilma também foi alvo de uma ação de cassação do mandato movida pelo PSDB, mas o TSE decidiu absolver a chapa eleita das acusações de uso de caixa dois. A decisão, tomada depois do impeachment da ex-presidente, na prática manteve o presidente Michel Temer (MDB) no cargo, ao decidir não aplicar a pena de cassação do mandato. 

Nenhum dos outros onze processos de prestação de contas chegou a ser julgado pelo tribunal eleitoral.

Juntas, essas contas de campanha somam R$ 301.650.622,90 em gastos eleitorais. A campanha de Dilma, sozinha, declarou ter gasto R$ 350.232.163,64.

As eleições de 2014 foram as últimas em que foram permitidas doações de empresas aos candidatos, prática vedada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em setembro de 2015. 

O TSE informa que não é possível falar em "atraso", já que o prazo para punição de eventuais irregularidades encontradas vence apenas em novembro do próximo ano.

"Não há que se falar em demora no julgamento das contas dos presidenciáveis da última campanha. Todos esses processos seguem o trâmite regular de análise no TSE, devendo ser julgados até o fim do prazo prescricional (novembro de 2019)", afirmou o tribunal em nota enviada à reportagem do UOL.

Demora atrapalha fiscalização de eleitores, dizem especialistas

Especialistas em direito eleitoral apontam que a demora em analisar as contas de campanha compromete o poder do eleitor de fiscalizar os candidatos.

Dos 11 partidos que tiveram candidato a presidente naquela eleição, 7 deverão apresentar novamente um concorrente ao cargo mais importante do país na disputa deste ano.

Em 2014 disputaram o Planalto Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (PSB), Luciana Genro (PSOL), pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV), Levy Fidélix (PRTB), Zé Maria (PSTU), Eymael (PSDC), Mauro Iasi (PCB) e Rui Costa Pimenta (PCO).

O PSB lançou inicialmente como candidato Eduardo Campos, morto num acidente aéreo durante a campanha. Campos foi substituído por Marina, que era sua vice na chapa. A legislação eleitoral, no entanto, exige que sejam apresentadas duas prestações de contas, uma para o período em que Campos estava à frente da chapa e outro quando Marina assumiu o posto. Por isso há no total 12 prestações de contas na campanha de 2014 a presidente.

A professora da FGV Direito Rio e procuradora regional da República Silvana Batini afirma que a demora em analisar as contas de campanha compromete a transparência do processo eleitoral.

"Obviamente que isso é uma perda muito grande da credibilidade do sistema, porque contas de partido e contas de candidatura devem seguir o princípio da transparência absoluta", diz.

"É lamentável que a Justiça não consiga dar essas respostas, especialmente em candidaturas presidenciais, num tempo hábil", afirma Batini.

Para a professora de direito eleitoral do IDP (Instituto de Direito Público) em São Paulo Marilda Silveira, a demora em julgar as contas prejudica o controle social sobre os candidatos.

"A prestação de contas é uma forma de as pessoas poderem fiscalizar os candidatos e os partidos", ela diz. "Quanto mais distante das eleições, menor o interesse das pessoas a respeito daquele processo eleitoral que aconteceu", afirma Silveira.

O prazo de cinco anos para que as contas de campanha sejam julgadas é um marco a partir do qual não podem mais ser aplicadas punições às irregularidades encontradas.

Silveira afirma que do ponto de vista jurídico, se as contas forem julgadas dentro deste prazo, não haveria prejuízo à Justiça Eleitoral, que ainda poderia aplicar penalidades.

A análise das contas de campanha pode ajudar a identificar, por exemplo, casos de caixa dois, em que doações eleitorais não são declaradas à Justiça Eleitoral, ou ainda eventual aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, verba pública destinada por lei aos partidos.

No julgamento, a Justiça Eleitoral pode considerar as contas aprovadas, aprovadas com ressalvas, desaprovadas ou não prestadas.

Nos três primeiros casos não há punição imediata ao candidato aplicada pela Justiça Eleitoral, mas irregularidades encontradas são encaminhadas ao Ministério Público, que pode então processar criminalmente os envolvidos.

Já se as contas forem consideradas não prestadas, caso não sejam apresentadas ou sejam entregues sem cumprir critérios mínimos exigidos, o candidato fica impedido de conseguir um certificado de quitação eleitoral, o que o impede de disputar uma nova eleição.

Os partidos também devem prestar contas a cada campanha. Nesse caso, se forem encontradas irregularidades, as legendas podem ter suspensos temporariamente os repasses do Fundo Partidário.

Batini diz acreditar que a demora na análise dos processos se deve à sobrecarga do TSE, responsável por julgar recursos eleitorais de todo o país, além de exercer atividades administrativas, como organizar a realização das eleições e a expedição de documentos eleitorais.

"A gente discutiu muito no Brasil a legitimidade das fontes de financiamento e discutiu-se muito pouco os mecanismos de controle e fiscalização, e eles precisam ser aprimorados", afirma a professora da FGV.

À frente da atuação eleitoral do Ministério Público, o vice-procurador-geral eleitoral Humberto Jacques de Medeiros afirma que a demora nos julgamentos das contas retira o caráter "pedagógico" da Justiça.

"O que é sabidamente ruim nessa história toda é que quando você fica sabendo agora que cometeu uma coisa errada lá atrás, e de lá pra cá você já fez outras campanhas, o efeito pedagógico é reduzido", diz.

"Então, quem se comportou de maneira duvidosa, no limite da norma, quatro anos atrás, talvez repita exatamente o mesmo comportamento agora. Porque não houve sobre aquele comportamento nenhum juízo", ele afirma.

Para o procurador, o TSE está sobrecarregado de processos eleitorais, o que ajuda a explicar o tempo para que contas de campanha sejam analisadas.

Jacques defende que a sociedade também possa exercer poder fiscalizatório, por meio da consulta aos dados públicos das prestações de contas, disponíveis no site da Justiça Eleitoral.

"Existe uma confiança absoluta de que quem zela pela qualidade das contas é o Estado, encarnado na Justiça Eleitoral", diz.

"Isso é uma confiança da qual a Justiça Eleitoral muito se orgulha, mas isso de certo modo acomoda a sociedade, que poderia estar mexendo nessas contas e levantando coisas: quanto mais pessoas olharem, melhor", ele afirma.

"Esse modelo sobrecarrega a Justiça. É muita conta para ser examinada e aí ou você examina muito rápido, ou muito lento e mais profundamente. Encontrar esse ponto ótimo é onde a gente está trabalhando hoje", conclui o procurador.

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