Desde 1989, nenhum presidenciável foi eleito sem alianças partidárias

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

  • Jorge Araújo/Folhapress - 14.12.1989

    Em 1989, Collor tinha apoio dos nanicos PSC, PTR e PST

    Em 1989, Collor tinha apoio dos nanicos PSC, PTR e PST

Apesar de ocuparem os dois primeiros lugares nas pesquisas de intenções de voto para presidente da República, nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) têm conseguido aglutinar em torno das suas candidaturas o apoio de outros partidos políticos. Cientistas políticos têm defendido, com base nas eleições ocorridas desde a redemocratização, que, quanto maior a coligação, mais chances o candidato a presidente tem de chegar ao segundo turno, e vencer as eleições. De fato, desde as eleições de 1989 nenhum candidato à Presidência da República conseguiu se eleger sem ter fechado qualquer aliança com outros partidos políticos.

Mesmo com 21 candidatos e quase sem coligações, a eleição de 89 teve o PRN do então jovem e desconhecido político Fernando Collor de Mello e o PT do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva como os únicos partidos a estabelecer alianças no primeiro pleito após duas décadas de ditadura militar.

O PRN se uniu ao PSC e aos antigos PTR e PST -- que, em 1993, se fundiriam e formariam o atual PP --, colocando à disposição de Collor tempo de televisão e rádio e toda a sua estrutura partidária. Do outro lado, PT, PSB e PCdoB deram a Lula recursos que dispunham.

Ainda que sejam consideradas alianças inexpressivas por se tratarem de partidos pequenos, esses foram os dois candidatos que chegaram ao segundo turno naquele ano. Collor saiu vitorioso. "Em 1994, os derrotados [de 1989] se aglutinaram em torno dos vencedores e é assim desde então", explica Fernando Guarnieri, cientista político e professor do Iesp da Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, as coligações partidárias costumam ser decisivas para o sucesso e o fracasso de um candidato porque são elas que dão mais tempo na propaganda eleitoral na TV e no rádio ao candidato e colocam à disposição dele toda a sua estrutura partidária para que o nome do candidato chegue aos mais de 5.000 municípios brasileiros.

"Se a gente for pensar no caso do PSDB na eleição do Fernando Henrique Cardoso [em 1994], ele era partido bem organizado no Sudeste, mas não no Nordeste. A importância da aliança com o PFL [atual DEM] foi ter uma estrutura no Nordeste atuando para essa campanha eleitoral", exemplifica Lara Mesquita, cientista política e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas). FHC venceu as eleições daquele ano.

Por que Bolsonaro não consegue apoio?

Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
O tamanho do PSL, de Bolsonaro, é principal entrave para alianças
Com uma bancada de apenas oito deputados federais, o tamanho do PSL é um dos principais problemas enfrentados por Bolsonaro para estabelecer alianças com outros partidos, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL.

Na busca de um vice para a sua chapa, o ex-militar tentou coligar com o PR do deputado federal Magno Malta, com o nanico PRP do general da reserva Augusto Heleno, mas as tentativas foram frustradas. Hoje ele tenta convencer o PRTB a se aliar. Se conseguir, podeá ter como vice o general Hamilton Mourão, mas a convenção do partido acontecerá no prazo limite de 5 de agosto, ou seja, até lá não deve haver definições. 

"Embora Bolsonaro esteja no sétimo mandato na Câmara, ele sai [como candidato à Presidência] por um partido pequeno que não tem capilaridade em nível nacional, isso atrapalha a ter palanques estaduais e, em uma federação como o Brasil, é fundamental ter apoios nos estados", diz Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política e professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Mesquita afirma que, além da falta de capilaridade do partido de Bolsonaro, existe uma desconfiança dos demais partidos com relação ao sucesso da candidatura dele. "Os partidos ainda não sabem quem que é esse candidato de um partido muito pequeno, que não tem nenhuma estrutura partidária. Qualquer partido que entre em uma coligação com o Bolsonaro, salvo raríssimas exceções, é maior que o Bolsonaro. Esse partido teria mais a perder, em termos de candidaturas estaduais", diz.

Para Fernando Guarnieri, a falta de apoio não tem a ver necessariamente com uma rejeição à figura dele. "Partidos como PSDB, PT, PDT têm como oferecer apoio regional a candidaturas que os apoiam. Bolsonaro não. Ele não tem nada para oferecer", diz.

Braga acredita ainda que as bandeiras levantadas por ele também são responsáveis pelo isolamento. "Ele se coloca na extrema-direita com uma visão mais conservadora em relação a várias questões, isso acaba deixando ele muito isolado. A gente tem uma tradição no Brasil de ir mais para o centro no espectro político ideológico", diz.

Por que Lula não consegue apoio?

Leonardo Benassatto/Reuters
Instabilidade em torno da candidatura de Lula afasta partidos
Apesar de ser o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais, inclusive do próprio Bolsonaro, a instabilidade em torno da candidatura de Lula, preso e provavelmente inelegível, tem afastado os partidos, "inclusive partidos do próprio espectro político ideológico, como o PCdoB, PSB", como pontuou Braga, da UFSCar.

Até agora, apesar de conversas com os dois partidos citados por Braga e outras legendas, apenas o Pros sinalizou que pode vir a coligar com o PT. A cientista política acredita que esse quadro tende a mudar caso Lula permaneça na disputa. "Por mais que a gente esteja vendo esse cenário tão complicado para o PT, ele ainda é um candidato que mostra que tem condições de vencer a eleição", diz.

Para Mesquita, alguns partidos talvez até tivessem interessados em coligar com o PT caso o partido, ou o próprio Lula, já tivesse definido outro nome para disputar o pleito. "Alguns partidos talvez tivessem interesse em fazer uma coligação com o candidato Lula, mas a incerteza da possibilidade de ele de fato ser o candidato está gerando essa dificuldade", diz.

Guarnieri acredita que mesmo um candidato apoiado por Lula teria grandes chances de chegar ao segundo turno e vencer as eleições.

"Eu acho mais provável o cenário de aglutinar em torno de alguém que o Lula decida. Ele tem uma liderança ainda incontestável dentro do partido dele, é um grande líder da esquerda, principalmente no Nordeste. Ele tem como balancear, focar, reger essa orquestra que está um pouco bagunçada, desafinada. Ainda tem recurso para isso", afirma.

Chapa pura pode vencer eleição para presidente?

Os especialistas ouvidos pelo UOL se dividiram quanto à possibilidade de uma chapa pura -- de um só partido -- vencer as eleições.

Para Guarnieri e Braga, a falta de tempo de TV e rádio e a falta de capilaridade nos estados tendem a desidratar a candidatura de Bolsonaro. "O fato de ele ter pouquíssimo tempo de televisão por ter uma chapa pura, ter decidido que não vai participar de debates e contar só com rede social, isso aí me parece que não se sustenta. Ele vai com certeza desidratar. Então eu não acredito que ele consiga realmente chegar ao segundo turno", acredita Guarnieri.

"Dificilmente ele consegue, ainda mais com esse número pequeno de apoios", diz a professora da UFSCar, comparando-o a Ciro Gomes (PDT), que também está tendo dificuldades de atrair alianças, após negociações com PSB e com o "centrão" --bloco formado pelo DEM, PP, PR, SD e PRB, que oficializou apoio a Geraldo Alckmin (PSDB) nessa quinta (26). "Ele tentou ser o candidato que vai fazer a mediação entre os vários grupos, mas não conseguiu. Mas ainda assim é uma candidatura que pode crescer até mais do que a do próprio Bolsonaro, a depender também do cenário da esquerda", acredita.

Já Lara Mesquita, da FGV, afirma que um candidato chapa-pura pode chegar ao segundo turno e eventualmente vencer as eleições. "Isso depende não só da coligação eleitoral que se forma, mas do que vai ser o fator fundamental que vai levar o eleitor a decidir seu voto. Se esse fator fundamental for, por exemplo, o antilulismo, que é o principal discurso hoje do Bolsonaro, isso poderia levar o Bolsonaro para o segundo turno", afirma.

A terceira colocada nas pesquisas no cenário com Lula, Marina Silva (Rede), também não estabeleceu alianças com nenhum partido no nível nacional. A Rede liberou os diretórios estaduais para tocarem suas próprias alianças, visando eleger um número suficiente de deputados federais para garantir que a legenda sobreviva.

Por que o "centrão" fechou com Alckmin?

Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Alckmin aglutina partidos de centro-direita, apesar de estar atrás nas pesquisas
O pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, tem 6% de intenções de voto no cenário que leva em consideração Lula como candidato, ocupando o quarto lugar na última pesquisa do Datafolha em empate técnico com Ciro Gomes (PDT). Apesar disso, é o pré-candidato que mais tem aglutinado partidos em torno da sua candidatura, até agora PTB, PSD e "centrão".

"Alckmin está atraindo os partidos por quê? Não é pelo desempenho dele nas pesquisas, mas sim porque o PSDB tem muito a oferecer a esses partidos todos", Fernando Guarnieri.

Para Mesquita, na conta dos partidos, a estrutura partidária dos partidos maiores está somada à capacidade que eles têm de ajudar os menores a superar a "cláusula de desempenho" estabelecida pela minirreforma política do ano passado. "Os partidos precisam eleger deputados federais para ter acesso aos recursos públicos", diz.

Nessa perspectiva, para o professor da Uerj, é só "questão de tempo" para que a candidatura de Alckmin decole. "A tendência é que ele suba. Ele tem muito tempo de TV, muito mais tempo do que os outros. A tendência é que suba e os políticos sabem disso", acredita.

Para Braga, os partidos de centro-direita estão apostando "todas as fichas" em Alckmin porque é um candidato viável do ponto de vista do mercado financeiro. "Esse é um setor que está sendo chamado de centro, mas na verdade são as forças econômicas, possivelmente as mais importantes do país, nos vários estados e regiões que estão apoiando esse candidato. É uma aposta pesada desses setores que, diante do quadro de candidaturas que a gente tem hoje, pensam 'vamos investir tudo o que a gente pode para que ela seja a nossa candidatura'", diz.

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