Na TV, Bolsonaro elogia Exército, mas Alto Comando prega neutralidade

Luís Kawaguti

Do UOL, no Rio

  • Ronaldo Silva30.jul.2018/Estadão Conteúdo

    Jair Bolsonaro participou do programa Roda Viva na última segunda-feira

    Jair Bolsonaro participou do programa Roda Viva na última segunda-feira

Em entrevista à GloboNews na noite de sexta-feira (3), o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, citou o Exército ao menos oito vezes -- defendendo, elogiando e tentando apontar laços com a instituição. Embora muitos militares simpatizem individualmente com Bolsonaro, o comandante Eduardo Villas Boas e seus generais do Alto Comando vêm fazendo esforços para destacar a neutralidade político-partidária da instituição, segundo fontes ligadas à cúpula do Exército.

"A opinião oficial do Exército é prerrogativa do seu comandante. Qualquer opinião pessoal dos candidatos não retrata o pensamento da instituição", disse anonimamente um oficial ligado ao Alto Comando ao ser questionado pela reportagem sobre as declarações que Bolsonaro fez nesta semana na GloboNews e no programa Roda Viva, da TV Cultura.

O comandante Villas Boas chegou a receber pré-candidatos para audiências privadas, mas nunca falou abertamente sobre política partidária.

Segundo o oficial ouvido pelo UOL, os únicos assuntos defendidos oficialmente pelo Exército junto aos candidatos são ligados à valorização da carreira, ao orçamento da instituição e aos vencimentos dos militares. A instituição entende que esses pontos são necessários para o cumprimento de sua missão.

Nas entrevistas televisionadas nesta semana, Bolsonaro tocou pelo menos uma vez na questão das aposentadorias dos militares, ao debater a reforma da Previdência.

Ele defendeu que os militares tenham um sistema de aposentadoria diferenciado, a menos que recebam benefícios que outras categorias têm, tais como direito de fazer greve e de ter um regime de trabalho no qual não sejam acionados a qualquer momento, sem data para voltar para casa.

Bolsonaro se identificou ao menos duas vezes como capitão do Exército. Ele argumentava que não era economista e por isso não poderia entrar em detalhes específicos de questionamentos de política econômica feitos pelos entrevistadores da GloboNews.

O candidato estudou na Academia Militar de Agulhas Negras, no interior do Rio de Janeiro, chegou ao posto de capitão do Exército e passou para a reserva no fim da década de 1980 ao ser eleito vereador. Atualmente, ele é militar reformado e político.

Bolsonaro minimizou efeitos negativos de políticas econômicas adotadas durante o regime militar. Ele também enalteceu o Exército — afirmando que os militares "estão sempre prontos para cumprir qualquer missão", como a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e a crise de deslocados venezuelanos em Roraima. Ele também defendeu que índios sejam treinados pelo Exército para defender a Amazônia de ameaças internacionais.

Na última segunda-feira (30), na TV Cultura, Bolsonaro havia defendido ainda o golpe de 1964 e dito que os crimes praticados por extremistas de esquerda durante o regime nunca seriam mencionados pela mídia. Ele também classificou a Comissão da Verdade - que investigou abusos ocorridos durante a ditadura -- como "tendenciosa".

Villas Boas fala sobre eleições

E Bolsonaro não é o único candidato a tentar vincular sua imagem a militares.

Em junho, Geraldo Alckmin (PSDB) apresentou como seu assessor especial o general João Camilo Pires de Campos, que meses antes havia deixado o Alto Comando do Exército.

No mesmo dia, ele visitou o interventor federal no Comando Militar do Leste, causando certo desconforto na equipe de intervenção - que não queria se ver em meio à disputa eleitoral, segundo uma fonte ligada ao general interventor Walter Braga Netto.

Além disso, um grupo de 115 militares da ativa e da reserva das Forças Armadas estão se lançando candidatos por diversos partidos. A maioria deles é articulada pelo general da reserva Antônio Hamilton Mourão (PRTB), também recém-saído do Alto Comando e atualmente presidente do Clube Militar.

Proibição de campanha nos quartéis

Em maio, o Exército lançou uma campanha institucional com vídeos no YouTube com o objetivo de retratar a imagem da força como uma instituição de estado, sem vínculo com a política partidária.

No mesmo mês, a instituição enviou para todas as suas unidades diretrizes proibindo "manifestações de cunho político-partidárias" dentro de todos os quartéis.

Além disso, o comandante Villas Boas criou regras para regular possíveis visitas de candidatos a unidades militares.

Ele não proibiu que as visitas aconteçam, mas definiu que não pode haver campanha nem panfletagem dentro dos quartéis.

O comandante recomendou ainda que toda a visita seja gravada em vídeo, para "comprovação futura de veracidade" e que todos os candidatos sejam convidados para solenidades públicas, sem que nenhum seja privilegiado.

Villas Boas dedicou atenção especial para descrever como os candidatos militares devem ser tratados. Eles não podem divulgar sua imagem fardados nas campanhas eleitorais e quando entrarem nos quartéis para tratar de assuntos pessoais não poderão fazer política.

Ele estabeleceu ainda que, dos candidatos militares, apenas generais e oficiais superiores da ativa terão direito a receber continência dos militares da instituição durante a visita.

Opiniões divididas

Embora não vincule sua imagem institucional à campanha, o comando do Exército estimula que seus subordinados acompanhem individualmente o processo eleitoral, como cidadãos, segundo afirmou uma fonte da cúpula da força.

Oficiais de carreira que estão em seus domicílios eleitorais têm direito a votar. Apenas os conscritos do serviço militar obrigatório não podem ir às urnas.

O UOL ouviu quatro oficiais de alto escalão do Exército que se mostraram divididos sobre o desempenho de Bolsonaro nas primeiras entrevistas televisivas após a oficialização de sua candidatura.

Todos os quatro disseram apoiar Bolsonaro, mas divergiram sobre a atitude que ele adotou nas entrevistas.

Ao menos dois deles disseram achar que o candidato estava certo, mas teria sido injustiçado pelos entrevistadores.

"Faltou respeito com um candidato forte e respeitado pelo povo. Se ele for eleito, vai tratar a mídia mal como o [presidente americano Donald] Trump faz nos Estados Unidos", disse um general que pediu para não ter o nome revelado

Outro alto oficial da ativa disse que Bolsonaro errou ao adotar um discurso de extrema direita.

"Ele deveria ter caminhado mais para o centro e tentado angariar mais votos. As pessoas não serão ingênuas de votar nele só porque é um militar."

˜Em vez de fazer um discurso polarizado, ele tem que tentar unificar e integrar a nação˜, afirmou o militar que disse ser simpático a Bolsonaro, mas não sabe se votará nele.

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