Militares monitoraram Ciro Gomes durante e após o fim da ditadura

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

  • Diego Padgurschi / Folhapress

    Ciro Gomes foi monitorado por órgãos de inteligência antes e depois da ditadura militar

    Ciro Gomes foi monitorado por órgãos de inteligência antes e depois da ditadura militar

O candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) foi monitorado por órgãos de inteligência das Forças Armadas durante a ditadura e após o fim do regime militar. Fichas armazenadas pelo extinto SNI (Serviço Nacional de Informações, criado em 1964 e extinto em 1990) contêm relatos feitos por militares sobre a vida política de Ciro Gomes, como a sua prisão em 1979 durante uma greve em Fortaleza, e contam detalhes de um encontro estudantil em que ele se posicionou contra o julgamento de torturadores que atuaram durante a repressão.

Até a última atualização desta reportagem, Ciro Gomes não respondeu aos questionamentos enviados à sua assessoria de imprensa. 

Os documentos obtidos pelo UOL estão armazenados no Arquivo Nacional e foram produzidos entre 1979 e 1988. Eles compreendem o período em que Ciro foi militante estudantil, deputado estadual e concorreu ao cargo de prefeito de Fortaleza (CE). Mesmo com o fim da ditadura, o SNI continuou a funcionar até ser extinto pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo, hoje no PTC, em 1990.

Em um documento de 7 de agosto de 1979, militares da agência do SNI em Fortaleza fizeram um relato sobre a greve de motoristas e trocadores de ônibus da capital cearense ocorrida em junho daquele ano. 

O arquivo, classificado à época como "confidencial", conta que "movimentos esquerdistas" se manifestaram a favor da greve e fizeram a distribuição de panfletos, e que foi nessa ação que Ciro Gomes e outros 11 estudantes foram detidos pela Polícia Militar.

O documento não fornece mais detalhes sobre a prisão do então estudante de Direito na UFC (Universidade Federal do Ceará). 

O arquivo que oferece mais informações sobre a atuação de Ciro Gomes como militante estudantil foi produzido pelo Cisa-RJ (Centro de Informações da Aeronáutica do Rio de Janeiro) em setembro de 1979. O documento também foi classificado à época como "confidencial". 

Três meses depois de ter sido detido em Fortaleza, Ciro foi a São Paulo para participar do 1º Encontro Nacional dos Estudantes Não-Alinhados, que reunia estudantes críticos às lideranças de esquerda que, à época, dominavam o movimento estudantil no Brasil, em especial o comando da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Nesse mesmo ano, Ciro fez parte de uma chapa para disputar o comando da entidade, mas seu grupo perdeu as eleições. 

O documento produzido pelo Cisa-RJ faz um relato das propostas apresentadas por Ciro e outros estudantes durante o encontro. 

 

No momento em que os participantes debatiam a Lei da Anistia, sancionada na semana anterior pelo então presidente João Baptista Figueiredo, Ciro mostrou-se favorável à anistia dada aos torturadores da ditadura militar.

"O estudante Ciro Ferreira Gomes considerou que deveria ser esquecida a ideia de julgamento de torturadores [...] uma vez que não há documentação legal que comprove os crimes da repressão", diz um trecho do documento.

Em outro trecho, o relatório do Cisa-RJ detalha a posição de Ciro Gomes sobre o assunto. Segundo os agentes que produziram o documento, Ciro parecia se preocupar com o fato de que a insistência na punição aos torturadores do regime militar pudesse endurecer a repressão.

"Que a expressão 'punição dos torturadores' era por julgamento sumário e não se pretendia isso, e sim o julgamento dos torturadores; mas que essa composição poderia dar à ditadura uma ideia de revanchismo, o que poderia endurecer ainda mais o regime", teria dito Ciro Gomes.

O trecho termina dizendo que a posição de Ciro era de que "para o caso, o certo era 'anistia ampla, geral e irrestrita'", como defendia a oposição ao governo militar na época. 

A lei sancionada por Figueiredo concedeu anistia a todos os agentes públicos ou privados que cometeram crimes políticos entre 1961 e 1979. Atualmente, a lei é criticada por impedir que militares que atuaram na repressão a grupos contrários ao regime militar sejam julgados por crimes como tortura, assassinatos ou desaparecimento de militantes naquele período.

Até hoje, a punição a torturadores da ditadura é um tema que desperta polêmica. Em 2010, o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou uma ação movida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que questionava a anistia a agentes do estado que haviam praticado crimes como tortura durante a ditadura. 

Em fevereiro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF que reabra um caso que discute a anistia a militares que atuaram na repressão. 

Em julho deste ano, o governo brasileiro foi condenado pela CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela morte do jornalista Vladimir Herzog, morto em uma cela do DOI/Codi em São Paulo, em 1975.

Também em julho, o MPF (Ministério Público Federal) determinou a reabertura de um caso que investigava as responsabilidades sobre a morte de Herzog.

Monitoramento em tempos democráticos

Os arquivos do SNI mostram que Ciro, assim como outras lideranças políticas, foi monitorado ao longo dos anos 1980, inclusive depois do fim do regime militar.

Um dos documentos faz uma análise sobre o cenário político em Fortaleza durante as eleições para a prefeitura da capital cearense. O arquivo relata que, à época, a tendência era de que a campanha se polarizasse entre os candidatos Edson Silva, então no PDT, e Ciro Gomes, então no PMDB.

Para os militares, o então governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB) não mediu esforços em "usar a máquina administrativa do estado e seu prestígio pessoal e político em favor" de Ciro Gomes. Jereissati é hoje senador pelo estado do Ceará. 

PDS, PMDB, PPS, PSB, PROS e PDT

Ciro Gomes se apresenta nas eleições deste ano como candidato do chamado "grupo progressista", que seria integrado por partidos de esquerda ou centro-esquerda como o PT, PCdoB e PSB. Os documentos do SNI mostram, no entanto, o início da trajetória política de Ciro Gomes quando ele ainda era ligado a setores da direita.

Eles mencionam sua passagem pelo PDS (Partido Democrático Social), legenda que, após a extinção da Arena (Aliança Renovadora Nacional), passou a dar sustentação ao governo militar.

As fichas também citam sua filiação ao antigo PMDB (hoje MDB), em 1988, e sua proximidade com políticos do PSDB, partido ao qual ficou filiado entre 1990 e 1996.

Desde então, ele já passou pelo PPS (Partido Popular Socialista), PSB (Partido Socialista Brasileiro), PROS (Partido Republicano da Ordem Social) e PDT. 

Outro lado

A reportagem do UOL fez contato por email, aplicativo de mensagem e por telefone com a assessoria de imprensa de Ciro Gomes e enviou questionamentos sobre o conteúdo dos documentos mencionados nesta reportagem entre os dias 1º e 2 de agosto. Até a última atualização desta reportagem, as questões enviadas pela reportagem não haviam sido respondidas. 

A reportagem também enviou questionamentos à assessoria do senador Tasso Jereissati, mas os questionamentos também não foram respondidos. 

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