Clube Militar atua em campanha eleitoral mesmo proibido por estatuto e lei

Hanrrikson de Andrade e Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

  • Pedro Ladeira/Folhapress

    Hamilton Mourão é vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) e presidente do Clube Militar

    Hamilton Mourão é vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) e presidente do Clube Militar

O Clube Militar tem divulgado informações favoráveis à candidatura a presidente de Jair Bolsonaro (PSL) apesar de ser vetada sua atuação em campanha eleitoral pelas regras da própria entidade e pela lei eleitoral. O presidente do clube, o general da reserva Hamilton Mourão, é candidato a vice na chapa do PSL. Ele nega favorecimento a qualquer partido.

A associação militar é uma entidade privada financiada pelo pagamento de mensalidades de seus sócios. O Ministério da Defesa repassa cerca de R$ 270 mil mensalmente para o clube em valores descontados da folha salarial de militares que decidem se tornar sócios. No total, são 7.819 militares que têm consignado o desconto em seus contracheques.

Pelo regulamento da associação em seu primeiro parágrafo, "o clube manter-se-à estranho à matéria de religião, de política partidária". Questionado sobre o apoio apenas a Bolsonaro em textos, Mourão negou qualquer irregularidade. "Na realidade, não estamos defendendo nem o partido A, nem o partido B. Se expressa a opinião do clube, mas sem favorecimento", disse após evento na sede da entidade na última segunda-feira (20).

Além do estatuto, a lei eleitoral também impede que uma entidade privada forneça infraestrutura para campanhas eleitorais como rede de contatos eletrônicos porque isso é considerado uma doação de serviços, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pela reportagem.

"A declaração ou não de serviços não importa. Entidade não pode prestar serviços nenhum", afirmou o advogado e ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Gilson Dipp.

De acordo com a legislação eleitoral, o apoio de uma instituição privada a uma campanha pode configurar crime de abuso de poder econômico. A pena para este tipo crime é a cassação do registro de candidatura.

Já o uso irregular de recursos pode ser punido com multas e/ou devolução de valores estimados. A análise quanto à materialidade e tipificação do crime eleitoral, no entanto, cabe ao Ministério Público Eleitoral e é feita caso a caso.

A Procuradoria-Geral da República, que comanda a atuação de procuradores eleitorais e atua para avaliar supostas irregularidades no pleito, informou que não comentaria o caso. O órgão se manifesta apenas sobre ações que já se transformaram em processo, segundo sua assessoria. 

Após ouvir o general Mourão, o UOL enviou à entidade, na última quarta-feira (22), perguntas sobre o uso da infraestrutura do Clube Militar em campanhas. Na quinta e na sexta, a reportagem pediu novamente um posicionamento mais detalhado da atuação do Clube Militar ao presidente da instituição, mas não houve resposta até a publicação da reportagem. O Ministério da Defesa também não comentou a atuação da instituição. 

Uso de mailing e palestra

Desde julho, o Clube Militar tem divulgado textos favoráveis à candidatura de Bolsonaro em seu site e no mailing de sócios, que têm 38 mil pessoas. Também promoveu uma palestra do candidato juntamente com o Clube Naval e o Clube da Aeronáutica, que cedeu seu salão para realização do evento em julho. Esse evento foi visto por 300 mil pessoas na página do candidato no YouTube.

Reprodução
Clubes Militar, da Marinha e da Aeronáutica promovem palestra de Bolsonaro

Em 25 de julho, Mourão publicou texto no site do clube em que ataca o PT: "O ápice desse processo ocorreu ao longo dos treze anos em que a dupla Lula-Dilma ocupou a Presidência da República, pois a partir daí criaram-se as condições para que, aliados ao que existe de mais fisiológico na política nacional, fossem impulsionadas a corrupção e a ocupação de postos relevantes nos três poderes."

Em 8 de agosto, o Clube Militar divulgou texto do general da reserva Augusto Heleno Pereira, que foi cotado para ser vice de Bolsonaro, em que ele afirma que o candidato do PSL "é a única opção" para receber o apoio dos sócios. Faz críticas aos outros candidatos Geraldo Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes. E conclui: "Jair Bolsonaro é a única chance de mudar o país. Votar em qualquer um dos outros é ter certeza do erro."

Reprodução
Artigo assinado pelo general Augusto Heleno é publicado no site do Clube Militar

No mesmo dia, o general Mourão anunciou que seria candidato a vice de Bolsonaro, mas que continuaria à frente do Clube Militar. No texto, divulgado no correio eletrônico da entidade, ele afirmou que o candidato do PSL tem "plenas condições de iniciar o processo de reformas que todos almejamos para o Brasil."

Esses textos foram publicados anteriormente ao período da campanha oficial --quando não é permitido fazer propaganda-- e, além disso, há o veto do estatuto à atuação partidária em qualquer tempo. O material continua disponível no site do Clube Militar durante o período eleitoral.

Reprodução
Mourão publicou nota no site do Clube Militar após aceitar convite de Bolsonaro

Houve candidatos que procuraram o Clube Militar para receber apoio em suas campanhas. Em seguida, a associação mandou um pedido para sócios que apresentem candidatos e disse que vai divulgar um conjunto de diretrizes a serem seguidas. O documento será chamado "Por um Brasil melhor".

"Se conhecer algum candidato que se enquadre nesse perfil, ofereça a ele a oportunidade fazer parte de nosso canal de comunicação e nos envie seguintes dados: nome completo, partido político, apelido para eleição, número de candidato e cargo para o qual está concorrendo."

Postulante do PRTB, partido de Mourão, ao governo do Rio, André Monteiro disse ter expectativa de ajuda do Clube Militar em sua campanha. Ele é ex-sargento do Exército e subtenente da ativa no Bope (Batalhão de Operações Especiais), a divisão de elite da Polícia Militar fluminense.

"Claro que eu conto e espero esse apoio do Clube Militar. Temos o mesmo ideal, que é resgatar o Brasil", disse

"Eu ainda não me reuni com o pessoal do Clube. Mas há um vídeo em que o Mourão apoia a nossa candidatura. Muito em breve eu devo ser convidado a participar. Estou aguardando a convocação", completou ele, referindo-se a vídeo gravado na convenção do PRTB, em 5 de agosto, e publicado em suas redes sociais.

Aspectos legais

A atuação eleitoral do Clube Militar começou com o general Gilberto Pimentel, presidente até julho, e se acentuou com o general Mourão. Em julho, ele deu uma entrevista ao UOL dizendo que a entidade daria instrumentos teóricos e práticos a campanhas de militares, e falou em fazer propaganda.

Questionado na segunda (20) sobre o uso do clube na campanha deste ano, o general recuou e disse que isso seria vetado. "Não defendo o uso do clube para candidato. Até porque o clube não pode se intrometer em política partidária. O que tenho feito é orientar os nossos candidatos sobre temas relevantes", disse Mourão.

O ex-ministro do TSE Gilson Dipp declarou que o uso do mailing [cadastro de sócios e familiares] não deveria ser permitido, sendo a cessão de espaço para palestra uma questão discutível. "Entidade privada (doar serviços) a lei é clara que só pode a pessoa física. Interpretação da lei não permite doação de empresa. Supremo foi muito drástico nisso a respeito e só se fosse pessoa física."

Outro ex-ministro do TSE que pediu para não se identificar teve opinião similar ao dizer que nenhuma entidade privada pode contribuir em campanha mesmo que indiretamente. Esse advogado defendeu que a doação (em forma de serviços) pode se configurar como abuso de poder econômico pela candidatura.

O advogado especialista em direito eleitoral Daniel Falcão também afirma que usar a rede de contatos do Clube Militar para propaganda é irregular. "Clube Militar não poderia fazer isso. A legislação não permite que se use o site para divulgar campanha. A cessão do espaço é mais discutível."

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