Ciro promete líderes de facções em prisões federais, mas decisão é judicial

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

"Todas as cabeças dessas facções criminosas, que comandam o crime de dentro da cadeia, com a anuência e acordo das autoridades de São Paulo e do Rio de Janeiro, no caso do PCC [Primeiro Comando da Capital] e Comando Vermelho, serão, imediatamente, eu tomando posse, transferidas para presídios federais."

A promessa foi feita pelo candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, em sabatina realizada pelo UOL, Folha de S.Paulo e SBT, na manhã desta segunda-feira (3). No entanto, especialistas em segurança e investigadores afirmam que a proposta não é tão simples de ser colocada em prática, uma vez que as transferências são feitas judicialmente, e não a partir de uma decisão monocrática do presidente.

Ciro Gomes disse que, se eleito, pretende transformar a segurança pública em federal, desde a investigação até a prisão. "Pretendo dar efetividade ao Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e reforçar, muito pesadamente, o orçamento na Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública)", afirmou.

Para ele, a grande "tarefa" é unificar as cabeças da inteligência policial entre as forças estaduais e federais. "A ação será cirúrgica. Ao invés de aparatosa, nós vamos mapear, infiltrar e cortar a cabeça do crime organizado, uma, duas, três vezes", disse.

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro informou ao UOL que não comentará declarações de candidatos durante a campanha. A reportagem procurou o ex-governador e o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), respectivamente, mas nenhuma das campanhas dos candidatos (à Presidência e governo paulista) se posicionou até esta publicação.

"SP, possivelmente, não vai mandar ninguém"

Segundo o cientista político Guaracy Mingardi, que planeja o programa de segurança do governo de Ciro, há quatro etapas para que uma pessoa seja transferida a um presídio federal:

  1. O governo federal ceder as vagas
  2. O governo do estado aceitar
  3. O judiciário local aceitar
  4. O juiz federal do local do presídio federal aceitar

Arquivo pessoal
Guaracy Mingardi

"A parte do governo federal é disponibilizar essas vagas e estabelecer critérios. Normalmente, são caras que geram problema, brigões etc. Atualmente, pelo menos 45% das vagas em presídios federais estão desocupadas. São 200 vagas e pouco mais de 100 presos em cada presídio", disse o cientista político.

Segundo Mingardi, como tem que ter anuência do estado, "cada um vai ter que julgar se vale a pena ou não, se aguenta o tranco, porque vai ter reação". "Tem estados que teria, outros que não. São Paulo, possivelmente, não vai mandar ninguém, porque tem um acordão, sendo que essa informação é público e notório", afirmou.

"Se [São Paulo] mandar, vai ser um ou outro. Tudo indica que no Paraná também. Já em estados onde a coisa está pegando, com mais de uma facção, é mais provável que mandem mais presos", complementou.

Para o cientista político, é "evidente" que a transferência não encerraria o problema: "é só a primeira parte". Ele aponta que, no plano de segurança do candidato, há um conjunto de prioridades, como evitar tiroteios nas favelas e de forças armadas nas ruas, além da criação da polícia de fronteiras, para diminuir o fluxo de armas e criar uma força-tarefa para cada uma das organizações criminosas.

O que fazer para combater o crime?

Filipe Redondo/Folhapress
Procurador Márcio Sérgio Christino

Marcio Sergio Christino, procurador do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) que participou das primeiras investigações sobre o PCC no estado, afirmou que a transferência de líderes de facções para presídios federais pode ser positiva, mesmo que o presidente não tenha esse poder.

"Já houve pedidos nesse sentido e os considero corretos. Não se pode definir a partir dele, mas ele [presidente] pode dar início a esse movimento", disse. Caso essas transferências ocorram, o procurador diz "não ser impossível", que represálias da facção ocorram.

"Mas você não pode tomar uma decisão com base na reação do crime. Ou estará subordinando o estado ao crime, o que não se pode admitir", disse.

Divulgação
Renato Sérgio de Lima

Renato Sergio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que, de fato, uma grande coalização de esforços entre poder executivo federal, MP, judiciário e governos estaduais é necessária para combater a força do crime organizado.

No entanto, para ele, "transferir presos é uma decisão do judiciário e é preciso construir uma ação conjunta que leve em consideração esse fato. O presidente, sozinho, não tem força para determinar transferências. Mas ele pode ser o indutor de uma mudança da forma de enfrentarmos o problema", disse.

Temos que ir atrás do dinheiro e da força que este traz para as facções. Isso, sim, pode ser uma medida imediata de que for eleito para 1 de janeiro de 2019."

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Arquivo pessoal
Rafael Alcadipani

Já Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), que estuda a atuação dos policiais em SP, diz que a afirmação de que há "anuência, de forma declarada e aberta" entre o crime e governos merece maior reflexão: "não é tão simples assim".

Sobre a transferência, o especialista afirma que a moeda tem dois lados: os presídios federais têm mais condições de controlar, de fato, o que entra e o que sai, assim como as comunicações dentro da cadeia; mas a medida colocaria as lideranças do PCC em contato com lideranças de outros estados. "E aí poderia gerar novas articulações do crime organizado", disse.

O correto para combater o crime organizado é um enfrentamento, a partir de forças-tarefas. Quase como se fosse uma Lava Jato do crime organizado."

Rafael Alcadipani, professor da FGV

A reportagem entrevistou outros dois promotores e duas especialistas, que pediram para não se posicionar sobre o assunto, uma vez que, por ser um assunto político, poderia haver más interpretações. No entanto, três deles apontam como negativa a proposta de transferência e temem que uma decisão considerada "abrupta" possa gerar retaliações do crime organizado contra a sociedade.

Sabatinas e debate

A ordem das sabatinas foi definida por sorteio. As próximas serão:

4/9 – Marina Silva (Rede)
5/9 – Luiz Inácio Lula da Silva (PT)*
6/9 – Guilherme Boulos (PSOL)
10/9 – Alvaro Dias (Podemos)
11/9 – Geraldo Alckmin (PSDB)
12/9 – Cabo Daciolo (Patriota)
13/9 – Henrique Meirelles (MDB)
14/9 – Jair Bolsonaro (PSL)

* A princípio, quando das tratativas para as sabatinas, UOL, Folha e SBT convidaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato do PT a presidente e líder nas principais pesquisas de intenção de voto para o Planalto, e entraram com recurso na Justiça Eleitoral para poder entrevistá-lo. No entanto, preso desde abril em Curitiba na Superintendência da Polícia Federal, ele foi impossibilitado de dar entrevistas por decisão judicial. Além disso, na madrugada de sábado (1º), a candidatura de Lula foi barrada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O PT ainda hesita em indicar o nome do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad para assumir cabeça de chapa, mas, caso a legenda formalize a troca, o novo candidato petista poderá participar da sabatina.

A parceria UOL, Folha e SBT também realizará um debate entre os candidatos no dia 26 de setembro e, em um eventual segundo turno, no dia 17 de outubro. Dividido em três blocos, o debate terá transmissão ao vivo pela TV aberta e nos sites do UOL e da Folha. Três jornalistas de cada veículo, assim como nas sabatinas, entrevistarão os candidatos. Foram convidados os candidatos dos partidos com representatividade no Congresso (com ao menos cinco parlamentares), conforme determina a legislação eleitoral.

Veja a íntegra da sabatina UOL, Folha e SBT com Ciro Gomes

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