Partidos privilegiam nomes à reeleição no uso do fundo público eleitoral

Hanrrikson de Andrade e Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

  • Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Com acesso à verba pública extra, os partidos têm privilegiado campanhas de candidatos à reeleição na distribuição do fundo eleitoral criado para o pleito deste ano. É o que mostra levantamento feito pelo UOL com base nos dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) referentes aos postulantes ao Congresso --candidatos a deputado federal e senador.

Até a última sexta-feira (31 de agosto), as cinco legendas (MDB, PT, PSDB, PP e PSB) com maiores fatias do FEEF (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) haviam concentrado 65% do total de repasses em políticos que buscam se manter no cargo. Eles receberam R$ 189,8 milhões dos mais de R$ 293 milhões distribuídos até então a 381 nomes.

O grupo dos que tentam a continuidade do mandato parlamentar --o que inclui caciques partidários como Renan Calheiros (MDB-AL), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Benedito de Lira (PP-PA), entre outros-- é formado, no total, por 179 pleiteantes. Em um momento de pressão social, em que partidos e candidatos atacam a "velha política" e exaltam valores como "renovação" e "mudança", eles receberam, em média, repasses de pouco mais de R$ 1 milhão.

O valor é quase a metade do teto de gastos dos candidatos a deputado (R$ 2,5 milhões) e quase o dobro da média destinada a postulantes que não ocupam cadeiras no Congresso (R$ 510 mil).

É importante ressaltar que, mesmo entre os "novatos", há caciques como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), candidata ao Senado em Minas, e Jarbas Vasconcelos (MDB), em Pernambuco. Ambos são pontos fora da curva de repasses aos que não estão em situação de reeleição. A petista recebeu R$ 1,3 milhão, e o emedebista, R$ 2 milhões.

Os escândalos de corrupção e caixa dois na eleição de 2014, objeto de investigação da Operação Lava Jato, levaram a mudanças nas regras de financiamento de campanhas eleitorais. Doações de empresas (como Odebrecht e JBS) foram vetadas. Aos candidatos, só é permitido receber dinheiro diretamente de pessoas físicas ou por meio de vaquinhas virtuais (financiamento coletivo pela internet).

Em 2017, a fim de compensar o fim das doações privadas, o Congresso aprovou a criação de um fundo eleitoral para financiar as campanhas com dinheiro público. São os próprios partidos que decidem como distribuir os recursos, assim como fazem em relação ao fundo partidário. Algumas regras foram impostas, como a destinação obrigatória de 30% para financiamento de candidaturas femininas.

Renovação x "oligarquia partidária"

Para o cientista político da PUC-RJ Ricardo Ismael, o modelo atual substituiu antigas distorções do sistema anterior por novas. Antes, havia a questão da corrupção pela contribuição de empresas privadas. Agora, haverá mais dificuldade de renovação do Congresso por uma campanha desigual que favorece quem disputa a reeleição.

"Já sabia quando se criou esse fundo eleitoral (que haveria concentração de verbas), não há uma regulamentação. O Supremo determinou que seria 30% para feminino. Fora isso, é decidido pela cúpula dos partidos. Isso apontaria para o viés de que haveria privilégio. Claro que além da questão da cúpula, a pressão vai ser maior dos deputados e senadores, ou seja, quem vai tentar a reeleição. Isso vai tender a reduzir a renovação na Câmara. Essa é correlação", disse.

O cientista político da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Geraldo Monteiro criticou a criação do fundo eleitoral e afirmou entender que a medida acabou por transferir às "oligarquias partidárias" a responsabilidade de distribuir os recursos. "Quando cria um fundo e se destina aos partidos, está entregando nas oligarquias partidárias. Já era de se prever que isso iria ocorrer. Cria-se o fundo partidário sem nenhum critério para que qualquer candidato pudesse acessar. Deveria ter uma regulamentação como foi feito com as mulheres."

As informações do TSE são parciais e foram coletadas até a última sexta-feira para que houvesse tempo hábil de filtragem e análise dos dados. As estatísticas são atualizadas três vezes por dia, segundo o Tribunal (manhã, tarde e noite). Os partidos e candidatos vão prestando contas à Justiça Eleitoral progressivamente. Apenas ao fim do pleito é que o TSE divulgará um relatório conclusivo.

MDB, o mais generoso

Com maior fatia de verba pública, o MDB é o partido com maior concentração de dinheiro em candidatos à reeleição. Dos R$ 103,8 milhões distribuídos a 67 nomes até a última sexta, fatia de 77% (R$ 80,2 milhões) foi para deputados e senadores que pleiteiam continuidade do mandato. 

Entre outros, caciques como Renan Calheiros (MDB-AL), Romero Jucá (MDB-RR), Edison Lobão (MDB-MA), Jader Barbalho (MDB-PA), Valdir Raupp (MDB-RO) e Roberto Requião (MDB-PR) levaram fatia de R$ 2 milhões cada para tentar se manter no Senado. O valor é o teto estabelecido pela sigla.

Procurada, a Executiva Nacional do MDB informou que a distribuição dos recursos foi regulamentada em resolução interna aprovada em julho e enviada ao TSE. O documento informa que a partilha "levará em consideração a prioridade de reeleição dos atuais mandatários, a probabilidade de êxito das candidaturas, bem como a estratégia política-eleitoral do partido em âmbito nacional, no tocante ao crescimento de suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal".

A resolução também determina que o fundo eleitoral não pode ser utilizado na campanha do candidato a presidente do partido, Henrique Meirelles, o que naturalmente reserva maior volume de recursos para os postulantes ao Congresso. Meirelles tem feito campanha na TV exaltando o fato de que ele seria o responsável por custear a própria candidatura. Até o momento, ele investiu R$ 20 milhões do próprio bolso.

Demais partidos

O PSDB informou que também segue diretrizes aprovadas internamente no uso do fundo público eleitoral. A resolução, no entanto, determina apenas o percentual destinado às candidaturas femininas (30%, por obediência às normas do TSE) e as frações destinadas à chapa presidencial (23,33%), aos concorrentes ao governo nos estados (23,33%) e aos postulantes ao Congresso (23,33%). Não há qualquer dispositivo que subscreva prioridade a políticos em busca de reeleição.

O PT, por sua vez, instituiu que o dinheiro seria partilhado de acordo com "a estratégia político-eleitoral do partido, as prioridades definidas pela direção nacional do partido e o potencial eleitoral das candidaturas". A legenda, no entanto, não explicitou os critérios de distribuição na resolução enviada ao TSE. Foram definidos apenas os percentuais mínimos: 30% para candidaturas femininas, 21,22% para a chapa presidencial, 15% para candidatos a governador, 12% para candidatos ao Senado e 40% para concorrentes a deputado, sendo 35% para os federais e 5%, estaduais.

O PP e o PSB também aprovaram resoluções internas que dão prioridade a deputados e senadores em busca da reeleição.

Segundo o documento entregue pelo PP à Justiça Eleitoral, os parlamentares federais que "tenham exercido o mandato por mais de 30 meses, de qualquer gênero, e que sejam candidatos à reeleição, serão destinados a cada um R$ 2 milhões". No caso dos pleiteantes ao Senado, o valor sobe para R$ 3 milhões.

Já no caso do PSB, a distribuição é feita de acordo com a "prioridade de reeleição dos atuais mandatários, a probabilidade de êxito das candidaturas, bem como a estratégia político-eleitoral do partido em âmbito nacional, no tocante ao crescimento de suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal".

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