Eleição mais difícil do Brasil tem concorrência maior que vestibular

Luiz Alberto Gomes e Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

  • Luciano Freire/Futura Press/Folha

    Sessão solene na Câmara Legislativa do Distrito Federal no dia 26 de junho

    Sessão solene na Câmara Legislativa do Distrito Federal no dia 26 de junho

Uma disputa que envolve 40 candidatos por vaga poderia ser estatística de um concorrido vestibular em uma universidade pública tradicional. Mas em ano de eleição, ele representa a briga por cada uma das 24 cadeiras na CLDF (Câmara Legislativa do Distrito Federal). Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o cargo de deputado distrital é o mais "desejado" das eleições de 2018.

O Distrito Federal contará com 973 candidatos para suas 24 vagas neste ano. Com isso, a concorrência é de 40,5 nomes para cada vaga em disputa. Em uma comparação com o vestibular de 2018 da UnB (Universidade de Brasília), principal instituição de ensino superior do DF, essa taxa só perde para o curso de medicina, que tem 179 estudantes para cada vaga.

A explicação para tamanha concorrência está numa particularidade da Câmara Legislativa em relação aos outros estados brasileiros. Como não possui legislativos municipais, o DF não tem vereadores, levando um deputado distrital a acumular as funções que geralmente são partilhadas entre o Legislativo municipal (Câmara) e o estadual (Assembleia). Isso significa que também não há eleição municipal, concentrando as disputas a cada quatro anos.

Para Ricardo Caldas, professor da UnB e mestre em ciência política, esta particularidade explica a concorrência. "A entrada das pessoas na área política começa na Câmara Distrital. Então muita gente que não tem perfil nenhum para ser deputado começa se lançando. A Câmara distrital acaba preenchendo a sensação de aprendizado, um primeiro passo na vida política."

Início da vida na política no DF, a CLDF teve uma concorrência ainda maior em 2014. Naquele ano, foram 1.027 nomes, ou seja, 42,79 candidatos/vaga. A porta de entrada para a política em outros estados tem números mais modestos.

  • Câmara Municipal de São Paulo (2016): 23,9 candidatos por vaga 
  • Câmara Municipal de Goiânia, (2016): 21 candidatos por vaga

Como comparação, em São Paulo, estado com maior colégio eleitoral do país, a briga por um lugar na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) terá neste ano 23 candidatos disputando uma das 94 vagas.

E, se em um vestibular muitos alunos se inscrevem, mas não se preparam para a prova, o cenário não é muito diferente no primeiro estágio de disputa para um cargo eletivo. "Brasília vive muito em função da política, então muita gente que não é da política aspira ser. As pessoas acham que da mesma forma que fazem concurso público, elas também concorrem a deputado", explica Caldas, que conta que já viu muitos candidatos iniciarem a campanha pouco antes do pleito e sem disposição para investir.

Quem disputa a eleição mais difícil do Brasil?

Segundo os dados do TSE, entre os candidatos que tentam uma vaga como deputado distrital em 2018, empresário é a principal carreira dos candidatos (103), seguida por servidor público estadual (81), servidor público federal (58) e advogado (56). Além disso, a maioria é homem, casado, com idade entre 30 e 49 anos, pardos e com ensino superior completo.

Reprodução/Facebook Pedro Ivo
Pedro Ivo, candidato a deputado distrital, e o senador José Reguffe

Candidato pela segunda vez à CLDF, Pedro Ivo (PPS) diz ser um aluno que se dedica a uma prova concorrida. Aos 26, o empresário brasiliense já fez parte do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UnB, é próximo do senador José Reguffe (sem partido-DF) e participa do RenovaBR, grupo suprapartidário que prepara candidatos. 

"É impossível o cidadão conhecer todos os candidatos e tomar uma decisão. Isso fortalece candidatos que têm muitos votos por afinidade. O eleitor acaba não considerando se ele tem os pré-requisitos para fazer propostas boas", diz ele. Para o político do PPS, o tempo menor de campanha em 2018, que passou para 45 dias, torna o cenário ainda mais complicado.

Para tentar se destacar em meio a tantos nomes, Pedro Ivo conta que tem buscado criar uma base de apoio na sociedade, utilizando o tempo de campanha de forma mais eficiente e tentando posicionar melhor o seu discurso para o eleitor.

Neste ano, 19 dos 24 deputados distritais tentam a reeleição. Um deles é Ricardo Vale (PT), 53, que se elegeu pela primeira vez em 2014 após uma longa trajetória no partido e ao lado do irmão Paulo Tadeu (PT-DF), que ocupou o mesmo cargo por três vezes.

Vale aponta dificuldades pela grande concorrência: "Por ter uma eleição só a cada quatro anos, aqui as eleições são sempre muito disputadas. Você acaba fazendo um papel que nos outros estados não tem." O deputado considera a campanha desigual até para quem já está na CLDF e reclama da força financeira de nomes ligados as igrejas evangélicas e empresários.

Reprodução/Facebook Ricardo Vale
Ricardo Vale é deputado distrital e candidato à reeleição em 2018

O petista indica, porém, que o posto alvo tem repercussão maior do que em geral alcança um representante no legislativo municipal. "O distrital tem mais poder e uma projeção muito maior que um vereador e até um deputado federal daqui [no DF]. Quem está na Câmara Distrital tem mais projeção política do que quem está no Congresso Nacional."

Eleição proporcional

O professor Ricardo Caldas destaca que políticos mais experientes lançam lideranças locais com pouca estrutura e que não têm chances de serem eleitos com o objetivo de ajudar no quociente partidário. Como para o Legislativo a eleição é proporcional, não são eleitos os mais votados, mas é determinado o total de cadeiras que cada sigla ou coligação terá direito em cima dos votos que a legenda ou a coligação somaram, dividido pelo quociente eleitoral da região. "Como a liderança local não tem outra opção, ou ela aceita esse canto da sereia ou fica fora do sistema." 

Outro fator citado por Caldas é que o grande número de candidatos também pode ter uma ligação com a crise política nacional e o cenário conturbado no DF. Nos últimos 18 anos, governadores como Joaquim Roriz (MDB), José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT) tiveram seus nomes ligados a escândalos políticos. "As pessoas querem fazer diferente, querem um governador diferente. Aqui o eleitor é mais crítico."

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