Chapa pode ser cassada até depois da eleição; entenda o que anula um pleito

Leonardo Martins e Mirthyani Bezerra

Do UOL em São Paulo

  • Montagem UOL

O tom bélico das campanhas e as ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) podem levar a eleição presidencial de 2018 a se arrastar até os próximos anos. Tramitam na corte, atualmente, nove Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) contra os dois candidatos ao Planalto – oito contra Jair Bolsonaro (PSL) e uma contra Fernando Haddad (PT) –, e o julgamento dos processos pode ultrapassar a posse do novo presidente.

Essas ações, após análise e eventual julgamento, podem cassar a chapa que se eleger no próximo domingo, dia do segundo turno das eleições, caso sejam comprovadas irregularidades. Mas segundo especialistas ouvidos pelo UOL, é praticamente impossível que as investigações abertas tenham um desfecho ainda neste ano.

Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e administrativo e professora do IDP-São Paulo, acredita que pode levar até dois anos para a apreciação dos ministros do TSE. Já Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do estado pela USP e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, diz que o caso deverá ter um desfecho em 2019.

Anular as eleições ainda este ano? A possibilidade é nula. Se comparar com outra Justiça, que demora uns 10 anos para julgar um caso, a Justiça Eleitoral é muito mais rápida. Mas ela não é instantânea
Renato Ribeiro de Almeida, da Abradep

Caso a futura chapa eleita seja julgada nos próximos anos, repetirá fato ocorrido em 2017, quando o TSE julgou processo unificado com quatro ações diferentes impetradas contra a chapa eleita em 2014. Na época do julgamento, Dilma Rousseff (PT) já não era mais sequer presidente, tendo sofrido o impeachment no ano anterior. O tribunal não cassou a chapa, e Michel Temer pôde manter seu mandato.

Cassações de mandatos de chefes do Executivo pela Justiça Eleitoral não são incomuns no Brasil. Em junho deste ano, por exemplo, o Tocantins elegeu Mauro Carlesse (PHS) como governador para um mandato-tampão. No nível municipal, o TSE vai aproveitar as eleições majoritárias deste ano para que os eleitores de 19 cidades também escolham seus prefeitos, já que os eleitos em 2016 tiveram os mandatos cassados.

A professora Marilda Silveira, porém, destaca que o TSE tem critérios rigorosos para cassar chapas e mandatos.

"Cassar um mandato de um presidente da República é muitíssimo grave. Qualquer cassação mesmo de prefeito tem sido considerada no próprio TSE como algo que depende de prova robusta", diz a especialista.

Caso uma chapa seja cassada, antes ou depois da posse, novas eleições devem ser convocadas. Se ocorrer antes da posse ou na primeira metade do mandato, quem escolhe o novo presidente é o povo. Em caso de cassação na segunda metade, a eleição é indireta, feita pelo Congresso.

O que pode cancelar uma eleição?

A legislação prevê cinco situações que podem levar uma eleição a ser anulada:

  • Compra de votos;
  • Abuso de poder econômico, abuso de poder político ou uso abusivo dos meios de comunicação;
  • Captação ou gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral;
  • Uso da máquina pública em favor da campanha;
  • Corrupção e fraude.

Com exceção da compra de voto, todos os demais pontos não precisam que o candidato saiba dos atos ilícitos para que a ação seja aberta e ele, eventualmente punido.

"[Abuso de poder econômico] sempre vai acontecer quando o candidato usar dinheiro para desequilibrar o pleito de forma irregular", explica Marilda Silveira.

Captação ilícita pode envolver uso de caixa dois – dinheiro utilizado na campanha e não declarado ao TSE – e recursos empresariais, proibidos desde decisão de 2015 do STF (Supremo Tribunal Federal).

Uma das ações contra Jair Bolsonaro refere-se a dois dos cinco tópicos que podem valer anulação de eleição: abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos. Reportagem da Folha de S. Paulo denunciou que a campanha do candidato do PSL estaria sendo beneficiada pela compra, por parte de empresas, de pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp

"O caixa dois nada mais é que o caixa que não foi contabilizado. A apuração da Folha sobre a campanha de Bolsonaro é muito mais grave, porque [além de caixa dois] enquadra o Bolsonaro também com suspeita de financiamento empresarial, o que é vedado pela legislação", explica Renato Ribeiro de Almeida.

Marilda Silveira diz que pode parecer injusta a possibilidade de impugnar uma chapa mesmo que seus membros não tenham conhecimento dos atos ilícitos, mas que nesses casos a lei foca na legitimidade do processo eleitoral e não no candidato.

A legitimidade das eleições é muito mais importante do que o próprio candidato. É como se esse candidato sofresse o efeito colateral do restabelecimento dessa legitimidade. Então ele vai perder o mandato para que novas eleições legítimas sejam feitas
Marilda Silveira

Renato Ribeiro de Almeida salienta que caso fique comprovado que o candidato eleito sabia das irregularidades pelas quais sua chapa foi julgada, além de ter o mandato cassado, ele pode ficar inelegível por oito anos. "Se ele não teve conhecimento, anula-se a eleição, mas ele não fica inelegível", esclarece.

Reuters

Fake news podem anular eleições?

Se houver a comprovação que as fake news tiveram influência direta na maneira como os eleitores votaram, o pleito em questão pode ser analisado, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL. Mas por não dominar todos os tipos de tecnologia, a Justiça Eleitoral terá dificuldade em apontar as provas necessárias.

Para Almeida seria necessário provar que o eleitor foi induzido a erro. "Isso é muito difícil, você tem que comprovar que de fato existiam arranjos de fake news. O problema maior é que o direito não consegue ter acesso as coisas que acontecem no meio das redes sociais, muito menos ter acesso às novidades da internet", afirma Almeida.

Silveira concorda com essa premissa. Para ela, as fake news não são um problema apenas para a Justiça Eleitoral brasileira, mas para todo o mundo. "A gente tem um problema de pulverização da informação. Não existe um centro de divulgação e isso atinge a todas a campanhas. Então não é que seja difícil só para a Justiça Eleitoral, é um desafio do mundo moderno", diz.

Segundo Rafael Morgental, ex-chefe de gabinete da Presidência do TRE-RS (Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul), a Justiça Eleitoral está "desistrumentalizada" quando o assunto é a tecnologia das fake news.

Ele explica que, desde 1990, o TSE tem condições de caçar e julgar rapidamente uma chapa por abuso de poder econômico e pelos outros motivos que levam à cassação explicados acima, mas que a situação muda de figura quando se trata de um caso virtual. 

"Eu descarto a hipótese de uma decisão do TSE ou TRE tão rápida. À essa altura a Justiça não tem instrumentos capazes de julgar isso em pouco tempo. O tribunal nunca se debruçou sobre uma suposta declaração ofensiva de notícias, principalmente no WhatsApp, plataforma que é tratada pela Justiça e pelo Facebook, seu dono, como canal de comunicação privado. É um negócio imaterial e, a princípio, está blindado à Justiça Eleitoral", afirma Morgental.

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