Bolsonaro será desconstruído no poder, mas a preço incalculável, diz Freixo

Pauline Almeida

Colaboração para o UOL, no Rio

  • JOSE LUCENA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

    03.ou.2018 - Marcelo Freixo participa de comício na Cinelândia, centro do Rio

    03.ou.2018 - Marcelo Freixo participa de comício na Cinelândia, centro do Rio

Marcelo Freixo (PSOL), deputado federal eleito com a segunda maior votação do Rio de Janeiro e a nona do país, já pensa em como articular a oposição em um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL). No entanto, às vésperas do segundo turno, seu foco é tentar eleger Fernando Haddad (PT), de quem se tornou um dos coordenadores de campanha no Rio ao lado dos deputados federais reeleitos Alessandro Molon (PSB) e Jandira Feghalli (PCdoB).

"Eu não tenho dúvida que a melhor maneira de derrotar o bolsonarismo, essa onda de atraso, de retrocesso tão forte, é ele [Bolsonaro] no governo", diz. "Ali ele será exposto a algo que nunca foi. O problema é o preço que a gente vai pagar, esse preço pode ser muito alto, é incalculável", prevê.

O psolista recebeu a reportagem do UOL no gabinete que ocupa na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), onde finaliza o terceiro mandato, para uma análise do cenário eleitoral.

"Nós vamos ter retrocessos em todas as áreas, eu não tenho a menor dúvida disso. Nós vamos ter retrocesso no SUS [Sistema Único de Saúde], no MEC [Ministério da Educação e Cultura], na previdência, na política de segurança. Qual o tamanho desse retrocesso, em que medida ele vai impactar na vida das pessoas? Nós vamos saber durante o governo", pondera.

O PSOL decidiu apoiar formalmente Haddad por considerar o candidato do PSL um risco à democracia. Apesar disso, Freixo destaca que se trata de um apoio crítico. "Eu tenho muitas [críticas]. Mas a hora é de derrotar o fascismo, a esquerda precisa ter noção do que é prioridade", defendeu.

Entre os presidenciáveis do primeiro turno, Guilherme Boulos se engajou na campanha de Haddad e Marina Silva declarou "voto crítico" ao petista. Ciro Gomes, ex-ministro de Lula, viajou para a Europa logo após o resultado do primeiro turno e seu irmão, Cid Gomes, causou saia justa ao criticar o PT em um evento pró-Haddad em Fortaleza no último dia 15.

As críticas feitas ao PT por Ciro, durante a primeira etapa da corrida eleitoral, são consideradas justas por Freixo, que também não vê com bons olhos o hegemonismo petista. No entanto, o deputado faz um chamado às forças progressistas. "Eu acho que é hora de todo mundo que tem compromisso com a democracia enfrentar a barbárie que está do lado de lá", disse ele, convocando Ciro Gomes.

Para o deputado psolista, discursos de Bolsonaro sobre defesa da tortura, ditadura militar e homofobia fazem aflorar em seus eleitores atos de violência. "Para mim, o mais grave não é o que ele vai fazer, mas o que ele não vai fazer, o quanto ele não vai deter o que está provocando."

Esquerda tem que dialogar com evangélicos, diz Freixo

Em meio à onda conservadora que marca as eleições, Freixo é um dos dois nomes da esquerda que aparecem entre os dez deputados federais mais votados do país.

Ele faz parte dos 48% de renovação do Legislativo federal, em uma configuração em que a esquerda manteve o número de cadeiras e o centro sofreu uma acentuada redução, com o avanço da direita.

O deputado avalia esse cenário como um refluxo das marchas de 2013, em uma onda de negação da política que enxerga, de acordo com ele, o setor conservador como fora do sistema. "O que é um erro na minha opinião", pontua, lembrando que Bolsonaro se apresenta como uma opção de fora do sistema, mesmo tendo estado na Câmara nos últimos 28 anos.

Uma nova configuração também foi observada na forma de fazer campanha, com o tempo de TV escanteado e o WhatsApp, como principal arma. Para ele, as eleições municipais de 2016 foram um prelúdio, com fake news influenciando na perda da Prefeitura do Rio para Marcelo Crivella, juntamente com a rejeição da esquerda.

"Eram cinco [fake news] por dia desde o primeiro dia do segundo turno. A gente não sabia como responder aquilo, isso está se repetindo agora em larguíssima escala." Passados dois anos, ele ainda não vê uma maneira clara de atuar contra as fakes news e propõe um estudo do tema junto a outros países que passaram por isso.

Enquanto a democracia brasileira descobre como lidar com isso, uma coisa é certa: as fake news estão por toda a parte. E por que convencem, mesmo quando apresentam falsas verdades bastante aparentes?

Para Freixo, uma das causas está na manipulação do medo e do discurso religioso. Por isso, ele defende a necessidade de a esquerda disputar espaço dentro dos campos da segurança pública e dos grupos religiosos, especialmente o evangélico, que vem crescendo e ampliando sua bancada.

"Se a esquerda não entender que tem que dialogar com esses setores evangélicos, nunca mais vai ter projeto popular. Eu já venho fazendo isso há muito tempo, existem muitos pastores evangélicos, correntes evangélicas que são progressistas", relatou.

Reprodução/Facebook
O deputado Marcelo Freixo e Marielle Franco

Primeiro projeto será a Lei Marielle Franco

Na sua chegada à Câmara dos Deputados, Freixo definiu duas pautas prioritárias que já vinham pontuando, segundo ele, sua atuação na Alerj e são interligadas: direitos humanos e segurança pública. O primeiro projeto será a Lei Marielle Franco, de combate à violência de gênero dentro da política. Um segundo já em estudo é a reestruturação das polícias.

"Eu acho que a esquerda tem que avançar nesse debate da segurança pública. O Bolsonaro abertamente defende que violência se combate com violência. Se isso fosse solução, a gente já tinha virado Noruega, que a gente não fez outra coisa a não ser matar e morrer. Eu aconselhei o Haddad: 'entre no debate da segurança pública, chame o Bolsonaro para um debate, mostre que o que ele está propondo é ruim para a polícia, é ruim para a sociedade'", defendeu.

Questionado sobre como vencer a rejeição que os agentes de segurança têm com a esquerda, já que a chamada "bancada da bala" está alinhada à direita, com a defesa da política de confronto, ele diz acreditar que essa é uma barreira a ser vencida

"Nós queremos a modernização da polícia. Nós queremos que a polícia tenha um ciclo completo e uma formação única. Nós não queremos que um policial entre chefe do outro por um concurso público, a gente quer que tenha carreira", pontuou.

Antes de ir para a Câmara dos Deputados, Freixo articula na Alerj, onde o PSOL conseguiu ampliar as cadeiras de quatro para cinco, sendo três de ex-assessoras de Marielle.

O deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL), o mais votado e que em ato de campanha exibiu placa de homenagem a Marielle destruída, já afirmou que terá o PSOL como inimigo e pode tentar a presidência da Casa. Amorim também disse que seu partido vai buscar espaço na Comissão de Direitos Humanos, há anos sob o comando de Freixo.

"A gente vai brigar para que a Comissão de Direitos Humanos fique com quem tem compromisso com os direitos humanos, não com quem viola. Eu estou me esforçando muito aqui para que um campo democrático seja formado, unindo partidos que nunca tiveram unidos em outras pautas", disse Freixo.

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