Eleições 2018: Estratégia 'kamikaze' do PT terá no 2º turno teste decisivo

Lucas Ferraz - De Roma para a BBC News Brasil

  • Daniel Ramalho/AFP

    Imagem de Lula e autocrítica do PT são questões da candidatura de Haddad

    Imagem de Lula e autocrítica do PT são questões da candidatura de Haddad

Confirmado como o nome do PT para disputar a Presidência da República a menos de um mês do primeiro turno, Fernando Haddad encampou uma ousada estratégia eleitoral no momento mais delicado da história do partido.

A partir de agora, no segundo turno, sua tarefa não será menos complexa: contra a enorme onda antipetista que cresce desde 2014, tentará ser eleito explorando exatamente a rejeição de seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), tão alta quanto a sua, além de lançar um apelo pela formação de uma frente democrática para, como diz, barrar o que considera a "barbárie".

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Bem-sucedida até o momento, apesar de uma estagnação dos votos na fase final do primeiro turno, a estratégia petista - que vinha até então poupando o capitão reformado do Exército de ataques - é questionada por muitos, inclusive aliados de Haddad, e terá de lidar com um novo problema: o derretimento do voto petista em redutos históricos do lulismo, como o Nordeste.

Isso se refletiu nas intenções de voto: pesquisas indicavam que 39% dos eleitores no País votariam com certeza num indicado por Lula, mas Haddad terminou com 28,85%.

Um dos apelos que alguns dos aliados fazem ao candidato é para que Haddad seja mais "ele mesmo", deixando de lado - ou ao menos minimizando - a imagem do PT. Há, ainda, quem defenda a necessidade de uma autocrítica sobre os erros de Lula e do partido, acenos ao centro - o que parece inevitável -, além de um afastamento da imagem de Lula (condição que é reforçada nas críticas dos adversários).

Os ataques a Bolsonaro, a partir de agora, devem vir com intensidade. Na avaliação do ensaísta Bruno Carvalho, professor da Universidade Harvard, a decisão de poupar o capitão pode até fazer algum sentido como cálculo eleitoral, mas, segundo ele, o "PT irresponsavelmente ajudou a chocar o ovo da serpente".

Lula e outros petistas já declararam que Bolsonaro era o adversário dos sonhos num segundo turno. Mas a alta polarização e a adesão - já vistas no primeiro turno - de políticos e partidos do centro, além de empresários, à candidatura de Bolsonaro mostram que a tarefa do PT não será fácil.

"Mesmo que Haddad ganhe no segundo turno, ele não governará sem uma ampla frente democrática que o sustente. E para isso não será suficiente a habilidade - notável - do Lula em fazer arranjos e conchavos. Nem será mais possível governar com Renans, Jucás e Eunícios", afirma o historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"Teria sido melhor deslanchar essa frente já primeiro turno - com Ciro e Hadad", opina o professor, que considerou um erro a insistência do partido na candidatura própria.

A estratégia

Um dos maiores derrotados nas eleições municipais de 2016, desgastado pelos casos de corrupção revelados pela Lava Jato e ainda sob o impacto do impeachment de Dilma Rousseff, o PT traçou uma estratégia para muitos considerada "kamikaze".

Com o ex-presidente Lula preso desde abril, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o partido - encorajado pelas pesquisas de opinião, que o mostravam à frente - insistiu em lançá-lo novamente à Presidência, mesmo que as chances da candidatura ser aprovada pela Justiça fossem mínimas.

Ao se preparar para uma guerra de liminares, a sigla lançou na rede e entre seus militantes a campanha "eleição sem Lula é fraude". Não adiantou: o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura no início de setembro, enquadrando o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, que veta políticos condenados em duas instâncias do Judiciário, como é o seu caso.

Foi quando entrou em cena o ex-prefeito de São Paulo. Haddad, na verdade, acabou se tornando uma alternativa ao nome do ex-governador baiano Jaques Wagner, o preferido de Lula. Mas Wagner, defensor de uma aliança da centro-esquerda, propondo inclusive o nome de Ciro Gomes na cabeça de chapa, rejeitou o desafio.

Uma possível dobradinha Ciro-Haddad começou a ser aventada ainda no ano passado, mas foi descartada pela própria cúpula petista - sob a bênção de Lula. Desde a primeira eleição presidencial de que participou, em 1989, o PT nunca aceitou uma aliança em que estivesse em posição subordinada.

Ciro, ex-ministro de Lula, vem há meses fazendo críticas ao PT e não mostrou disposição para se tornar um defensor do "Lula livre", papel que Haddad endossou a ponto de dizer na campanha que lutaria, dentro do que fosse "juridicamente possível", para tirar o padrinho político da cadeia.

Professor universitário e ex-ministro da Educação no governo Lula (2003-2010), Haddad mostrou habilidade ao se consolidar - diante das resistências internas - como candidato. Fortemente criticado no PT desde a sua derrota no primeiro turno para João Doria (PSDB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 2016, ele precisou reconstruir a relação com lideranças partidárias.

Advogado, ele se tornou um dos nomes da defesa do ex-presidente, com acesso direto à carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Primeiro, foi apresentado como o vice de uma eventual candidatura Lula. Depois, ao ter seu nome confirmado, formou a chapa com Manuela D'Ávila, do PCdoB.

Com ou sem autocrítica?

"A esquerda só se une na cadeia", diz Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, próximo ao PT (embora frise que nunca foi filiado) e amigo de décadas do ex-presidente Lula.

"O partido fez bem em lançar candidato próprio. Ciro é distante do que o PT propõe em seus documentos. E Haddad só foi para o segundo turno, e com possibilidade de vencer, graças a Lula."

Betto afirma que, contra os seus prognósticos, a estratégia de manter a candidatura de Lula até o prazo final estipulado pela legislação eleitoral se mostrou correta. "Assim, o eleitorado ficou centrado em Lula, e Haddad apanhou menos ao despontar como candidato".

Apesar de candidato, Haddad ainda hoje é visto com desconfiança dentro do PT. Na campanha, protagonizou polêmicas como ao pregar a necessidade de uma nova Constituinte, depois descartada. E também contrariou o partido em temas econômicos, como ao falar sobre a reforma da Previdência. Ele tem se esforçado para evitar menções a Dilma Rousseff, a quem frequentemente é comparado como mais um "poste" de Lula - segundo o Datafolha, 49% dos eleitores não votam em candidato indicado pelo ex-presidente.

Muitos afirmam que, para ter chances reais de bater Bolsonaro num segundo turno, Haddad e o PT deveriam fazer uma autocrítica, ponto no qual Lula - e boa parte do partido - ainda é extremamente resistente.

Para Frei Betto, embora o PT esteja devendo a autocrítica, "o momento não é agora".

O historiador Daniel Aarão Reis acredita que, se houver esse reconhecimento agora, ele poderá ajudar na formação de uma frente democrática decisiva para a eleição de Haddad.

"Os petistas tornaram-se completamente acríticos em relação ao Lula, salvo as exceções que confirmam a regra. A boa notícia é que está se formando uma apreciável massa crítica aos desacertos do PT e do Lula", disse.

Um dos erros vistos, segundo o professor, foi superestimar a capacidade - "fantástica e provada" - de transferência de votos de Lula e subestimar a ira antipetista, o que, não há dúvidas, continuará a ser a tônica do segundo turno.

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