Fernando Haddad pode não ser o bicho-papão que o mercado teme

Mario Sergio Lima, Simone Iglesias e Vinícius Andrade

Da Bloomberg

  • Simon Plestenjak/UOL

    Fernando Haddad agora é o candidato do PT à Presidência

    Fernando Haddad agora é o candidato do PT à Presidência

O ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que assumiu nesta terça-feira a candidatura à Presidência pelo Partido dos Trabalhadores no lugar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem assustado o mercado financeiro, algo semelhante ao que ocorreu com seu mentor há 16 anos.

Em 2002, ao se eleger para o primeiro mandato como presidente do país, Lula escreveu a famosa "Carta ao Povo Brasileiro", que trazia compromissos para acalmar investidores. Adotou políticas favoráveis ao mercado e nomeou uma equipe econômica respeitada, tornando-se rapidamente um queridinho de Wall Street.

Ao ser oficializado substituto do ex-presidente, que teve a candidatura negada pelo Tribunal Superior Eleitoral por estar condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Haddad deverá trilhar um caminho semelhante. Só não será tão fácil.

Ministro da Educação no governo Lula, o intelectual de 55 anos não é tão conhecido nacionalmente e tem pouco menos de um mês para fazer campanha. Contudo, pesquisa do Datafolha desta segunda-feira mostrou crescimento de seu nome. A subida para um empate técnico entre quatro candidatos na segunda posição pode fazer com que chegue ao segundo turno contra Jair Bolsonaro, que lidera a corrida.

Esse cenário ajudou a alimentar uma venda de ativos brasileiros nas últimas semanas. "Haddad é mais pragmático e menos ideológico", disse James Gulbrandsen, gestor da NCH Capital. "Há uma chance razoável de reformas mínimas que mantenham o Brasil fora da zona de default sob uma gestão Haddad."

Discurso de campanha

A julgar pela retórica da campanha de Haddad e o programa de governo apresentado pelo PT, o mercado tem razão em se preocupar, sob a ótica dos investidores. Bancos públicos devem ser usados para oferecer crédito a juros baixos, a reforma trabalhista e o teto de gastos aprovados na gestão Michel Temer seriam desfeitos e mecanismos de controles de capital seriam usados para ajudar a estabilizar o câmbio. Haddad frequentemente ataca o que ele chama de oligopólio dos bancos brasileiros. "Não temos mais paciência com esses caras, precisamos dar um choque nos bancos", disse recentemente.

Os aliados do ex-prefeito afirmam que é apenas discurso de campanha, argumentando que ele tem compromisso com políticas econômicas mais ortodoxas e é um pragmático capaz de fazer a travessia da retórica de campanha ao governo. Como prefeito de São Paulo, Haddad teve gestão fiscal responsável, promoveu um impopular aumento de tarifas de ônibus e obteve grau de investimento para a cidade.

"É uma injustiça do mercado financeiro acreditar que Haddad é algum tipo de gestor político irresponsável com a economia e com as contas públicas", disse o petista e prefeito de Franco da Rocha (SP), Kiko Celeguim.

Fantasma de Dilma

Com a defesa de Lula e a tentativa de transformá-lo em um preso político, o PT radicalizou seu discurso e se afastou de antigos aliados políticos, tornando mais difícil ao partido formar uma maioria no Congresso. As chances do PT de reviver uma aliança com seu antigo parceiro, o MDB, são muito pequenas, de acordo com um dirigente da cúpula emedebista.

Internamente no PT, Haddad enfrenta resistências. Há os que temem o "fantasma de Dilma", que, depois de eleita, passou aos poucos a ignorar algumas agendas partidárias. Como um intelectual de classe média com formação em economia, direito e filosofia, Haddad é visto como distante dos movimentos sociais que deram origem ao PT - não é um egresso da classe trabalhadora.

"Ele está longe de ser o nome de consenso dentro do partido", disse Mauricio Santoro, professor de política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. "Será um grande golpe para os eleitores de Haddad pensarem que conseguirão um salvador quando ele tiver que fazer uma série de concessões", disse, referindo-se a acordos pós-eleitorais.

Na sequência do impeachment de Dilma Rousseff, Haddad perdeu a reeleição à prefeitura em 2016 para o tucano e até então outsider João Doria. Seus piores resultados vieram nas áreas mais pobres da cidade. Doria teve uma vitória esmagadora no primeiro turno.

Haddad não foi a primeira escolha de Lula para ser seu sucessor este ano. Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e confidente de longa data de Lula, recusou o desafio por estar sendo investigado por recebimento de propina de empreiteiras, segundo relatou um dirigente petista sob condição de anonimato. Dois fatores acabaram pesando na definição por Haddad: um bom trabalho como ministro da Educação e a distância da Lava-Jato.

A gestão de Haddad no MEC foi considerada boa, ao aumentar o número de estudantes de baixa renda nas universidades através de programas de financiamento estudantil e universalizar o Enem como porta de entrada ao ensino superior.

Sem marionete

O controle total de Lula sobre o PT e a campanha presidencial levantam a questão de quem realmente estará governando o país numa eventual vitória de Haddad: ele ou o ex-presidente. Tarso Genro, um veterano do partido e que de alguma forma lançou a carreira política de Haddad ao indicá-lo seu braço direito quando foi ministro da Educação, descartou a ideia de que ele se preste ao papel de marionete.

"É um sucessor com talento", disse Genro à Bloomberg. "É gestor testado e competente, tem uma enorme capacidade de argumentação, sabe ouvir e é respeitado por todos os políticos sérios. E tem uma visão programática renovadora, de esquerda, que extraiu de uma profunda e complexa relação internacional, acadêmica e política."

Agora, ao contrário de 2002, quando Lula buscou acalmar os temores dos investidores, Haddad não pode se dar ao luxo de perder votos para rivalizar com candidatos de esquerda migrando para o centro.

Mas se ele quiser conquistar o mercado, terá que agir rápido e usar mais do que palavras, disse Marcos Buscaglia, sócio-fundador da Alberdi Partners, em entrevista à Bloomberg. "Os investidores pedirão provas de seus compromissos com o mercado", disse Buscaglia. "Em 2002, o real entrou em colapso até que Lula mostrou que ele não seria um extremista. O mesmo é necessário agora, só que a urgência fiscal é muito maior."

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