Lula travará nos tribunais batalha para disputar Presidência pela 6ª vez

Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Carismático e maior liderança popular da história do país para uns, símbolo maior da corrupção que assolou o Brasil nos últimos anos para outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva travará da cadeia uma luta nos tribunais para disputar pela sexta vez a Presidência da República na eleição de outubro deste ano.

Desde a última vez que esteve preso, há 38 anos, quando foi detido por enfrentar a ditadura militar com uma grande greve de metalúrgicos, o tempo passou para Lula, mas a garra e o apreço pelo confronto permaneceram.

Em todas as suas manifestações feitas desde a prisão em abril --seja por meio de advogados, cartas ou artigos publicados na imprensa -- tem insistido na candidatura ao Planalto, mesmo diante da alta probabilidade de ser barrado da eleição pela Lei da Ficha Limpa.

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"Querem me derrotar? Façam isso de forma limpa, nas urnas. Discutam propostas para o país e tenham responsabilidade, ainda mais neste momento em que as elites brasileiras namoram propostas autoritárias de gente que defende a céu aberto assassinato de seres humanos", disse o ex-presidente em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.

O petista também tem rejeitado, desde as vésperas de sua prisão, aceitar tornozeleira eletrônica ou prisão domiciliar. "Se é para ser preso, que seja de verdade", afirmou.

Presidente que deixou o cargo com os mais altos níveis de aprovação e popularidade, Lula enfrentou nos últimos anos um calvário de acusações que culminaram, por ora, na condenação a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido um apartamento tríplex no Guarujá (SP) da empreiteira OAS em troca de benefícios à empresa em contratos com a Petrobras.

Lula ainda é réu em outros cinco processos, dois deles --um sobre o sítio em Atibaia, outro que investiga a suposta doação de imóveis para o Instituto Lula pela Odebrecht -- estão em Curitiba, com o juiz Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância no caso do tríplex. Outros três na Justiça Federal de Brasília.

Em um dos processos que tramitavam em Brasília, em que era acusado de tentar obstruir as investigações da Lava Jato e se baseava na delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, Lula terminou absolvido.

O petista, no entanto, colecionou derrotas na Justiça em sua luta contra a condenação no caso do tríplex e para deixar a prisão e garantir vaga na disputa eleitoral antes do recesso de meados do ano, embora o caso ainda esteja longe de um desfecho judicial.

"Com tudo que aconteceu e está acontecendo, Lula se recuperou antes do PT. Lula sempre foi maior do que o PT, mas hoje ele é muito mais que o PT", disse à Reuters uma fonte de alto escalão do partido.

Mesmo abatido pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff e as seguidas derrotas judiciais, sem contar o lado pessoal com a perda da segunda mulher, Marisa Letícia, Lula, na prática, continua a comandar o PT. Fontes próximas ao ex-presidente ouvidas pela Reuters contam que ele acompanha cada passo do partido, as eleições estaduais, cada candidatura.

E justamente por ser maior que o partido que idealizou e fundou, Lula é parte central da estratégia do PT na eleição deste ano. A sigla irá concentrar esforços em eleger uma bancada de deputados federais numerosa e na disputa presidencial, insistindo na candidatura de Lula até quando for possível.

Buscam, desta maneira, maximizar a capacidade de transferência de votos do ex-presidente caso seja necessário substituí-lo no pleito.

Mais magro de quando estava na Presidência, Lula se gabava, antes de ser preso, de acordar todos os dias cedo para fazer ginástica.

"Estejam certos de que o Lula de hoje, embora mais velho está muito mais motivado. Levanto todo dia às 5h da manhã, faço duas horas de ginástica todo dia e estou cheio de energia",disse em discurso na cidade de Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, durante caravana no Sul do país.

De acordo com aliados, Lula tem mantido a rotina de exercícios mesmo no cárcere --conseguiu que a Justiça autorizasse a instalação de aparelhos de ginástica na Polícia Federal em Curitiba atendendo recomendações médicas para se exercitar. Além disso, de acordo com correligionários, Lula tem lido em escala industrial desde sua prisão em abril.

Rumo ao Palácio do Planalto

Nascido em Caetés, na época distrito de Garanhuns (PE), Lula tem uma biografia contada e recontada como parte do folclore político brasileiro. Aos 7 anos, acompanhado da mãe, Lindu, e de sete irmãos, enfrentou 13 dias em um pau-de-arara, caminhão de transporte precário e irregular, até chegar a São Paulo para a família tentar uma vida melhor.

Aos 14 anos vai trabalhar na antiga fábrica de parafusos Marte e surge a oportunidade de se inscrever num curso profissionalizante no Senai. De lá, foi trabalhar na Metalúrgica Independência, onde perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente de trabalho aos 18 anos.

Começou a carreira de líder sindical como suplente na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista.

Em plena ditadura militar, Lula comandou greves, negociou com patrões e com a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sendo preso pela primeira vez em 1980, por"incitação à desordem". Chegou a ser condenado a 2 anos de prisão, mas foi inocentado na segunda instância --ao contrário do que aconteceu agora.

O ex-presidente tentou a via eleitoral pela primeira vez em 1982, dois anos depois da criação do PT, ao concorrer para governador do Estado de São Paulo. Na ocasião, incorporou Lula ao Luiz Inácio da Silva.

Bem antes das urnas eletrônicas, as cédulas de votação em papel não traziam o nome dos candidatos. Muito conhecido pelo apelido, o petista queria que os votos que mencionassem apenas Lula fossem validados. Terminou em quarto lugar, obtendo cerca de 10 por cento dos votos.

Depois de uma ativa participação na campanha pelas eleições diretas para presidente da República, foi o deputado federal constituinte mais votado do país em 1986.

Por três vezes tentou e chegou apenas em segundo lugar antes de ser eleito presidente pela primeira vez em 2002, quando finalmente amainou o discurso radical de esquerda, afagou a elite econômica do país e aceitou alianças ao "centro".

O "Lulinha Paz e Amor" que surgiu naquela eleição perdurou durante todo o governo. A habilidade de negociar, surgida nas greves e nas rodadas de negociação com empresários, foi desenvolvida ao longo dos anos no comando do Partido dos Trabalhadores e usada com afinco em seus oito anos de governo, em que conseguiu juntar partidos como PP e PCdoB na mesma mesa.

Favorecendo o diálogo sobre o confronto --com sua voz grave rouca sendo compensada pelo abundante carisma --, ele persuadiu repetidas vezes opositores políticos, importantes empresários, líderes estrangeiros e os eleitores.

"Lula podia até não gostar da gente, mas a gente saía da sala tendo certeza que ele era nosso melhor amigo", disse certa vez o senador Romero Jucá (MDB-RR), líder do governo Temer no Senado e que ocupou a mesma posição no governo Lula. Jucá, no caso, comparava a ex-presidente Dilma Rousseff, tida como irascível, com a capacidade de Lula em agregar políticos de todos os matizes.

O presidente que saiu do poder com 87 por cento de aprovação-- um recorde no país -- e elegeu como sua sucessora uma mulher, petista, pouco afeita à política e que nunca havia concorrido a um cargo eletivo, hoje ainda detém o quase milagre de ter cerca de 30 por cento de intenções de voto em um país dividido, em que parte da população credita a ele, e ao PT, toda a corrupção revelada no país nos últimos anos.

"Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare, eu não pararei, porque eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia. Uma ideia misturada com a ideia de vocês", disse Lula a simpatizantes, pouco antes de se entregar à Polícia Federal, em abril.

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