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Toffoli acertou quando disse que mensalão não estava provado, diz Roberto Jefferson

Roberto Jefferson (quando era deputado pelo PTB-RJ) em seu apartamento funcional em Brasilia, durante entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo, quando ele revelou a existência do mensalão - Sergio Lima - 5.mai.2005/Arquivo Folha Imagem
Roberto Jefferson (quando era deputado pelo PTB-RJ) em seu apartamento funcional em Brasilia, durante entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo, quando ele revelou a existência do mensalão Imagem: Sergio Lima - 5.mai.2005/Arquivo Folha Imagem

Do UOL, em Brasília e em São Paulo*

02/08/2012 14h25

Um dos réus julgados a partir desta quinta-feira (2) no STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-deputado federal Roberto Jefferson escreveu em seu blog que o ministro da Corte José Antonio Dias Toffoli estava certo quando disse em 2006, quando ainda era advogado do PT, que o mensalão não estava provado.

Jefferson cita reportagem publicada hoje pela "Folha de S.Paulo", intitulada “STF começa julgamento com ministro sob pressão”,  na qual se diz que Toffoli, por ter advogado ao PT, estaria pressionado para julgar o caso.

“O jornal destaca manifestação de Toffoli, no distante ano de 2006, quando a denúncia do procurador-geral [Roberto Gurgel] havia acabado de ser elaborada. Lá, Toffoli afirmou em duas manifestações que o mensalão não estava provado. Manchetes à parte, juridicamente falando (e era assim que ele falava), não estava mesmo”, escreveu o ex-deputado em seu blog.

Na sequência, Jefferson diz que, por não estar provado a existência do escândalo em 2006, “que milhares de reais, centenas de pessoas e mais de meia dúzia de anos foram gastos com a ação penal”. “Letras garrafais à parte, a manifestação de Toffoli [em 2006], na verdade, mostra conhecimento das leis processuais e da Constituição, exatamente com a cadeira que só veio a ocupar anos depois exige”, opinou o ex-parlamentar.

Jefferson foi o delator que tornou público, em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, o escândalo do mensalão. Toffoli poderia ter se isentado de julgar o caso, mas não o fez. Agora, os ministros do STF podem votar o impedimento dele e de outros, caso considerem não haver isenção dos magistrados para julgar a matéria.

Maior julgamento da história do STF

Os 38 réus do caso do mensalão começaram a ser julgados na tarde desta quinta-feira (2) pelo STF 2.615 dias após o escândalo emergir, em uma entrevista do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à "Folha de S.Paulo", publicada no dia 6 de junho de 2005  (veja aqui a cronologia do caso).  As acusações sobre um esquema de compra de apoio ao governo federal deram início ao maior escândalo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu primeiro mandato.

Infográfico

  • Arte/UOL

    Relembre o escândalo do mensalão, veja quem são os acusados, como era o esquema (segundo o Ministério Público) e quais são as possíveis penas

O julgamento será o maior da história do Supremo, o órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil. O número de réus envolvidos é o maior de um processo já julgado pela Corte. Há ainda a expectativa de que o julgamento venha a ser o mais longo até hoje do STF. Também a complexidade do caso chama a atenção: foram ouvidas mais de 600 testemunhas de acusação e defesa em diversos Estados brasileiros e até no exterior. Os autos da Ação Penal 470 somam mais de 50 mil páginas.

Em 2007, a denúncia contra os 40 réus --incluindo Jefferson-- foi aceita pelo STF. O número caiu para 38 com a exclusão do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, que fez um acordo na Justiça e prestou serviços comunitários, e com a morte do ex-deputado José Janene (PP), em 2010.

No banco dos réus, aparecem importantes figurões petistas, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado José Genoino, e políticos de outros partidos que ajudaram os petistas a chegar ao poder. Também estão na lista o tesoureiro de campanha petista Delúbio Soares e o publicitário Duda Mendonça, além de Marcos Valério, apontado como operador do esquema.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

No seu relatório final, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pede a condenação de 36 dos 38 réus. Segundo ele, não haveria provas suficientes para condenar o ex-ministro de Comunicação de governo Luiz Gushiken e Antonio Lamas, irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal, Jacinto Lamas.

Entenda como será o julgamento

O julgamento do mensalão está dividido em duas fases. Na primeira, o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, lerá uma síntese do seu relatório, com os argumentos dos 38 réus e da acusação, a Procuradoria Geral da República. Em seguida, será a vez do procurador-geral, Roberto Gurgel, fazer a sua manifestação e apresentar provas da existência do esquema.

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Nos dias seguintes, os advogados dos 38 réus terão uma hora cada um para fazer a apresentação da defesa. A previsão é que a primeira fase aconteça nos dias 2, 3, 6, 7, 8, 9,10, 13 e 14 de agosto. Com duração de cinco horas, as sessões começarão sempre às 14h.

A última fase será destinada à leitura do voto de cada um dos 11 ministros do STF, que irão revelar se absolvem ou condenam os réus. Nesta etapa, as sessões devem ocorrer nos dias 15, 16, 20, 23, 27 e 30 de agosto, a partir das 14h, mas sem horário para terminar.

O primeiro a votar será o relator, seguido do revisor do processo, o ministro Ricardo Lewandowski. A partir daí, a votação segue por ordem inversa de antiguidade, da ministra Rosa Weber, a mais nova na Corte, até o ministro decano, Celso de Mello. O último a votar será o presidente do STF, ministro Ayres Britto. Depois disso, o resultado será anunciado.

Se o julgamento precisar se estender no setembro, as datas das novas sessões deverão ser publicadas no Diário da Justiça.

Segundo o Supremo, as pessoas que acompanharão o julgamento receberão 470 instruções sobre o comportamento indicado para o local. O objetivo das regras --adotadas pelo STF em todas as sessões de julgamento--é garantir o bom andamento dos trabalhos e preservar o ambiente de concentração necessário ao trabalho dos advogados e dos ministros da Corte. 

As orientações incluem a proibição de qualquer tipo de manifestação ou conversa e a utilização do telefone celular, que deve ser mantido no modo silencioso. Também não é permitido entrar com alimentos e bebidas. O plenário conta com 243 assentos, mas serão colocadas cadeiras extras. Cada um dos 38 réus tem direito a um lugar para ele e outros três para advogados

OUÇA TRECHO DA ENTREVISTA À FOLHA DE S.PAULO EM QUE ROBERTO JEFFERSON MENCIONOU A EXISTÊNCIA DO MENSALÃO PELA PRIMEIRA VEZ

Paradigma

“Esse julgamento será um paradigma, um marco no país. Se absolver em massa, o Judiciário corre o risco de ter a sua credibilidade manchada. Por outro lado, se condenar ex-funcionários do alto escalão do governo, o tribunal estará dando um recado histórico contra a impunidade”, analisa Paulo César Nascimento, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília).

O cientista político David Fleischer, também da UnB, concorda: “Esse julgamento será um divisor de águas. Independentemente do resultado, já mostra à sociedade que a corrupção não passa mais em branco. Não acredito que vá evitar que surjam novos casos, mas certamente servirá de exemplo para inibir a ação de corruptos.” 

Defesas devem questionar STF

As defesas de alguns acusados devem questionar a competência da Corte para julgar quem não tem foro privilegiado. O advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, que defende José Roberto Salgado (ex-executivo do Banco Rural), já adiantou que vai fazer o pedido no começo do julgamento. Os ministros terão de decidir a questão de ordem antes de dar continuidade aos trabalhos, o que poderá atrasar o cronograma.

Somente três acusados têm foro privilegiado: os deputados federais Pedro Henry (PP-MT), João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Em 2007, o STF já havia decidido em uma votação que o julgamento não seria desmembrado em duas partes para que os réus sem foro especial fossem julgados pela Justiça comum, mas ainda pode ser questionado novamente.

“A defesa pode insistir no desmembramento por entender que os réus sem foro especial saem prejudicados porque não terão como recorrer a uma instância superior já que o STF é o órgão máximo do Judiciário brasileiro”, explica Davi Tangerino, professor de direito penal da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas - São Paulo) e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Para contornar outra estratégia que pode ser usada pela defesa para atrasar o julgamento, a DPU (Defensoria Pública da União) destacou uma equipe de cinco defensores, além do defensor público-geral federal, Haman Córdova, para acompanhar o caso de perto e poder substituir advogados que eventualmente abandonem a causa em cima da hora. Um dos réus, o doleiro Carlos Alberto Quaglia, já é representado por um defensor.

Polêmicas

O julgamento ocorre em meio a críticas de governistas, que consideram que o tribunal deveria aguardar a realização das eleições municipais de outubro sob o risco de haver influência política na decisão dos ministros e vice-versa: o desenrolar do julgamento pode impactar no resultado dos pleitos municipais.

Seis advogados, três deles ligados ao PT, chegaram a entrar no dia 25 de julho com uma representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) solicitando à chefe da Corte, Cármen Lúcia, ministra no STF, que conversasse com seus pares sobre o adiamento do julgamento. O pedido foi negado.

Esse assunto já havia sido alvo de polêmica em maio passado. Na época, o ministro Gilmar Mendes acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de pressioná-lo para que a apreciação do mensalão fosse adiada para depois das eleições. Em troca, segundo Mendes, Lula teria oferecido blindagem na CPI do Cachoeira, caso Mendes fosse citado. O ex-presidente negou ter tratado disso com Mendes ou outros ministros.

A oposição também tem se manifestado. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse no último dia 17 de julho que as denúncias mais recentes contra o governador Marconi Perillo (GO) são uma tentativa do PT de usar a CPI do Cachoeira para desviar o foco do mensalão.

Outro ponto que tem sido foco de preocupação é a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, que completará a idade limite de 70 anos no começo de setembro, quando o julgamento ainda poderá estar em curso.

Diante disso, há a possibilidade de Peluso passar à frente de quatro ministros para proferir o seu voto. Os advogados dos réus, contrários a essa mudança, justificam que Peluso deixaria de ouvir os argumentos de sete colegas. No STF, como um ministro pode rever seu voto até o final, a defesa alega que o contraditório ficaria prejudicado.

Também há controvérsia em torno da participação do ministro José Antonio Dias Toffoli. Como ele foi advogado-geral da União e defendeu o PT e José Dirceu, críticos sustentam que há conflito de interesse em julgar o mensalão, no qual Dirceu é um dos réus. Caso o procurador-geral da República alegue a suspeição do ministro no julgamento, a defesa pretende recorrer, com base no Código de Processo Penal e na jurisprudência, afirmando que o prazo para fazer isso acabou nas alegações finais.

*Colaboraram Fabrício Calado e Fernanda Calgaro, em Brasília