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José Dirceu foi idealizador e protagonista do mensalão, diz procurador-geral

José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, é acusado pela Procuradoria de ser o "chefe do grupo" envolvido no suposto esquema do mensalão - Joel Silva/Folhapress
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, é acusado pela Procuradoria de ser o "chefe do grupo" envolvido no suposto esquema do mensalão Imagem: Joel Silva/Folhapress

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

03/08/2012 14h57Atualizada em 03/08/2012 16h17

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou nesta sexta-feira (3) que o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi o idealizador e protagonista do esquema. “José Dirceu foi a principal figura, o mentor, o grande protagonista do mensalão. Foi ele quem idealizou o sistema ilícito”, disse o chefe do Ministério Público Federal, no segundo dia de julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal).

Segundo o publicitário Marcos Valério, Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, dizia que Dirceu e o então secretário do partido, Silvio Pereira, tinham conhecimento dos empréstimos feitos por empresas de Valério ao partido --dinheiro que seria usado para comprar apoio de parlamentares. Valério seria o operador do mensalão, segundo a Procuradoria. O ex-deputado Roberto Jefferson, por sua vez, afirma que todos os acordos entre partidos necessitavam do aval da Casa Civil, sob Dirceu.

Dirceu pediu demissão da Casa Civil em meio ao escândalo e teve o mandato de deputado federal cassado em dezembro de 2005, por quebra de decoro parlamentar. Ele responde por formação de quadrilha e corrupção ativa.

Em sua defesa, o ex-ministro nega ter comprado apoio de parlamentares. Seus advogados dizem ainda que sequer há evidências que comprovem a existência do mensalão. Segundo a defesa de Dirceu, ele afirma que se desligou das atividades do PT após assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.

A defesa diz ainda que Delúbio Soares não agiu sob sua orientação, pois teria autonomia para atuar na legenda. Por fim, os advogados do ex-ministro afirmam que Dirceu não tinha proximidade com Marcos Valério nem interferência sobre as ações do publicitário.

Sobre a suposta falta de provas contra Dirceu, Gurgel alega que, "assim como um chefe de quadrilha", Dirceu não aparece com frequência durante os acordos do esquema. 

Para tentar convencer os ministros de que Dirceu centralizou o esquema, Gurgel afirmou que, em seu depoimento, o réu Valdemar Costa Neto, na época líder do PR disse que os encontros para tratar do mensalão ocorreram “sempre na residência de Dirceu”.

OS ACUSADOS

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O procurador-geral citou também o depoimento do Marcos Valério, no qual ele teria dito que "Dirceu sabia das operações feitas para financiar os acordos políticos" e que "nada, absolutamente nada, acontecia sem a prévia autorização de Dirceu."

Segundo o procurador-geral, o ex-ministro foi quem articulou uma viagem a Portugal para Marcos Valério se encontrar com Miguel Horta, ex-presidente-executivo da Portugal Telecom. O objetivo era negociar financiamento político, que seria usado para pagamento de parlamentares do PTB.

Gurgel também afirma que Marcos Valério teria intermediado encontros entre José Dirceu e dirigentes do Banco Rural.

Antes de acusar Dirceu, Gurgel citou depoimento de um integrante de uma corrente de oposição ao chamado Campo Majoritário --a resposável, segundo a denúncia, pelo mensalão-- no qual aponta que Marcos Valério se associou ao PT nas eleições de 2002.

"Sofisticada ação criminosa"

Infográfico

  • Arte/UOL

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O procurador também afirmou que "sem dúvida, [o mensalão] foi o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público registrado no Brasil". "Era uma sofisticada organização criminosa com o objetivo espúrio de comprar voto de parlamentares", completou.

O segundo dia de julgamento do mensalão foi retomado às 14h25 desta sexta-feira (3) com a acusação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, prevista para durar até cinco horas.

Gurgel, que é o chefe do Ministério Público Federal, já afirmou que vai pedir a condenação de 36 réus --a Procuradoria já pediu a absolvição dos réus Luiz Gushiken, ex-secretário de Comunicação do governo, e Antônio Lamas, ex-assessor da liderança do PL (hoje PR) na Câmara.

Primeiro dia

Na quinta-feira, o julgamento começou com uma questão de ordem que acabou levando ao atraso do cronograma -- inicialmente, a apresentação de Gurgel estava prevista para ontem. A questão de ordem para que o processo fosse desmembrado foi pedida pelo advogado Márcio Thomaz Bastos --que defende José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural. Os advogados Marcelo Leonardo e Sandra Maria Pires, que defendem, respectivamente, Marcos Valério e José Genoino, reiteraram o pedido, que acabou negado por nove votos a dois.

A questão gerou bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, relator do processo, e Lewandowski, o revisor da matéria. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo. Os votos dos ministros sobre a questão de ordem duraram cerca de três horas.

Impedimento de Toffoli

Além da acusação, existiria a possibilidade de o procurador-geral pedir o afastamento do ministro Dias Toffoli do julgamento, mas ontem Gurgel já se manifestou contra a ação. “Essa é uma questão do ministro. Da minha parte, a oportunidade que eu teria que suscitar a questão seria hoje [ontem] e, como disse, optei por não fazê-lo.”

Nomeado por Luiz Inácio Lula da Silva, Toffoli foi advogado do PT e também advogado-geral da União durante o governo de Lula, o que poderia prejudicar seu julgamento do caso. Amigos do ministro e até sua namorada, a advogada Roberta Rangel --que chegou a defender um dos réus--, o aconselharam a não votar no processo.

Roberto Gurgel afirmou que não pediu o impedimento de Tóffoli para não adiar o julgamento. “Foi precisamente isso. Na medida em que fizéssemos essa arguição, nós teríamos a imediata suspensão do julgamento e, dessa suspensão poderia decorrer a inviabilização que esse julgamento acontecesse num horizonte de tempo razoável. Não podemos esquecer que estamos em ano de eleições.”

Polêmica na CPI

De perfil discreto, Gurgel teve a sua atuação questionada por não ter acionado o STF após receber as conclusões da Operação Vegas, da Polícia Federal, em 2009, que investigava os negócios do Carlinhos Cachoeira e o envolvimento no esquema do então senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO).

A investigação antecedeu a Operação Monte Carlo, que, em fevereiro deste ano, resultou na prisão de Cachoeira, acusado de explorar jogos ilegais e de traficar influência.

Em resposta às críticas, Gurgel alegou que a primeira operação ainda não tinha elementos suficientes para incriminar os envolvidos. A decisão de suspender a Operação Vegas foi da subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, que informou a sua decisão ao marido.

A história veio à tona no depoimento de um delegado da Polícia Federal à CPI do Cachoeira em maio deste ano. Parlamentares passaram a defender a convocação de Gurgel e da mulher dele. Eles acabaram não prestando depoimento, mas Gurgel enviou suas respostas à CPI por escrito.

No auge da tensão entre integrantes da CPI e a Procuradoria Geral, Gurgel chegou a atribuir as críticas ao “medo do julgamento do mensalão”.

Quem é o procurador-geral

Gurgel, 57, assumiu a Procuradoria em 2009, quando foi indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele havia sido o mais votado de uma lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. O seu nome teve ainda que passar pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal e foi aprovado pela maioria do plenário daquela instituição.

Nomeado para o biênio 2009-2011, foi indicado novamente pela presidente Dilma Rousseff para continuar no cargo por mais dois anos. É ele quem pode promover ações penais para denunciar autoridades como deputados federais, senadores, ministros de Estado e o presidente e o vice-presidente da República.

Nascido em Fortaleza (CE), Gurgel graduou-se em direito na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ingressou na carreira de procurador em 1982 por meio de concurso público. Antes de ser nomeado procurador-geral, ele exercia o cargo de vice na gestão de Antonio Fernando de Souza.