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Banco Rural insinua que STF faz julgamento político do mensalão e cria site para se defender

Do UOL, em São Paulo

03/09/2012 13h27Atualizada em 03/09/2012 14h45

O Banco Rural, por meio de sua assessoria de imprensa, enviou nota na qual diz ter "esclarecimentos" sobre o voto do ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF).  A nota termina com um link para um site criado exclusivamente para a defesa do banco e de seus executivos, defesa.bancorural.com.br. No topo da página do banco, um texto insinua que o STF trata de maneira política o julgamento da ação penal do mensalão. 

"Um julgamento técnico, apartado das questões políticas, irá demonstrar que os executivos do Banco Rural atingidos pelo processo do Mensalão são inocentes, pois cumpriram a legislação e as normas bancárias vigentes à época", diz o texto no site. Logo abaixo, diz que "quatro pessoas que integravam o quadro de executivos do Banco Rural estão entre os 38 réus que serão julgados no processo do Mensalão (...) O Banco Rural tem convicção da inocência desses profissionais e vem a público contribuir para os esclarecimentos dos fatos."

Segundo a Procuradoria Geral da República, o Rural ajudou a financiar o mensalão emprestando R$ 3 milhões ao PT e outros R$ 29 milhões às agências de propaganda do publicitário mineiro Marcos Valério. Os empréstimos são considerados fraudulentos pela Procuradoria Geral da República, que acusa o banco de ter simulado as operações para ocultar a verdadeira origem do dinheiro.

Quatro executivos do Rural à época do suposto esquema também são acusados de lavagem de dinheiro (leia mais abaixo), já que o banco permitiu que políticos beneficiados pelo mensalão recebessem os recursos sem se identificar, enviando pessoas de sua confiança para sacar o dinheiro no banco.

Posicionamento do Rural

Na nota, o Banco Rural afirma que:

  • a Polícia Federal e o Banco Central consideraram verdadeiros os empréstimos concedidos às empresas SMB&P e Grafitti (das quais Valério era sócio). "Questionamentos surgiram apenas após o escândalo do “mensalão”.
  • os contratos de empréstimos foram feitos com prazos curtos de propósito, para se proteger de riscos, o que seria uma praxe de bancos "do porte do Rural" (em resposta ao voto do relator, que disse que o banco permitia a Valério fazer novos empréstimos sem pagar os anteriores e estendia o prazo para seu pagamento)
  • apenas as garantias das empresas de Valério eram suficientes para a concessão dos empréstimos (o relator disse que o Rural ocultou riscos das operações e concedeu empréstimos sem as devidas garantias)
  • já estava cobrando o pagamento dos empréstimos (o relator diz que os financiamentos foram feitos para não serem pagos, e só foram cobrados após a divulgação do suposto esquema)
  • nenhum documento ou livro contábil referente aos empréstimos foi omitido ou extraviado pelo banco.

Ao fim da nota, a assessoria do banco diz, em letras garrafais, que nenhum executivo (do banco) é acusado de corrupção ou desvio de recursos públicos; que os empréstimos eram verdadeiros; que as renovações dos empréstimos não envolveram dinheiro novo, sendo resultado de negociações para viabilizar o pagamento das dívidas ao banco; que todos os saques em espécie maiores que R$ 100 mil foram informados ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). 

Mensalão: 18º dia

O julgamento do processo sobre o mensalão chega ao seu ao 18º dia nesta segunda-feira (3) com a continuação da apresentação do voto do ministro-relator do caso, Joaquim Barbosa, sobre a acusação de gestão fraudulenta por parte de executivos do Banco Rural ao realizar empréstimos para o PT e para as empresas de Marcos Valério. O julgamento, que começou no dia 2 de agosto, já completou um mês em atividade e não tem data para acabar.

Os réus a serem julgados nesta “segunda fatia” do voto de Barbosa são José Roberto Salgado, vice-presidente operacional do banco, Ayanna Tenório, vice-presidente; Vinícius Samarane, ex-diretor estatutário e atual vice-presidente e Kátia Rabello, ex-presidente. Segundo a agência de notícias Reuters, Barbosa deve condenar os réus.

Os quatro são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas –exceto Ayanna Tenório, que é acusada apenas dos três primeiros delitos.

Na sessão passada, na última quinta-feira (30), Barbosa apresentou laudos e documentos mostrando que o Banco Rural omitiu informações ao Banco Central para que os empréstimos não fossem descobertos. 

Clique na imagem e veja como cada ministro já votou no mensalão

  • Arte UOL

A expectativa é que Barbosa conclua seu voto na sessão de hoje e o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, consiga iniciar, na sequência, a exposição do voto dele.

Pela ordem regimental, após o revisor, proferirão os votos sobre esta "fatia" os ministros: Rosa Weber; Luiz Fux; Dias Toffoli; Cármen Lúcia; Gilmar Mendes; Marco Aurélio; Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, como presidente da Suprema Corte, é sempre último a votar. O ministro Celso Peluzo, que hoje completou 70 anos, se aposentou do STF e não julgará os próximos réus do processo.

“Primeira fatia”

Até o momento, a Suprema Corte já condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).

Além de Cunha, foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitários). As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados.

A única absolvição, até o momento, foi a do ex-Secretário de Comunicações do governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.

A pedido do relator, o julgamento vem sendo realizado em partes ou “fatias” para facilitar, na visão de Barbosa,  o entendimento dos cenários em que cada um dos réus está inserido nos núcleos e delitos que compuseram o complexo esquema de corrupção que ganhou a denominação de mensalão. 

Pela ordem divulgada por Barbosa, depois do item 5 (sobre gestão fraudulenta) --que está sendo analisado agora--, serão apreciados os itens 4 (sobre lavagem de dinheiro); 6 (referente a corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula); 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT); 8 (evasão de divisas); e 2 (formação de quadrilha).

Apenas ao final do julgamento dos itens do processo os ministros irão discutir e definir as penas que deverão ser aplicadas aos réus condenados referentes aos crimes cometidos.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37—e, entre eles, há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).

No total, foram denunciados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.

O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.