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Leia a transcrição da entrevista de Sepúlveda Pertence à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

25/10/2012 07h00

Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 24 de outubro de 2012 no estúdio do UOL em Brasília.

 

 

Sepúlveda Pertence – 24/10/2012

Narração de abertura: José Paulo Sepúlveda Pertence é advogado e tem 75 anos. Foi presidente do Supremo Tribunal Federal de 1995 a 1997.

Mineiro de Sabará, formou-se em direito na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1960. Nessa época, foi 1º Vice-Presidente da UNE - União Nacional dos Estudantes.

Entrou para o Ministério Público do Distrito Federal em 1963, mas em 1969 foi aposentado pela ditadura militar, com base no AI-5. Dedicou-se então à advocacia.

Em 1985, foi nomeado Procurador-Geral da República pelo então presidente José Sarney. Em 1989, Sarney o nomeou ministro do Supremo Tribunal Federal.

Depois de se aposentar do STF, voltou a advogar. Foi integrante da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, cargo ao qual renunciou recentemente

Folha/UOL:Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

Folha/UOL: Ministro, muito obrigado por estar aqui, no estúdio do Grupo Folha. Eu começo perguntando: Julgamento do mensalão. Foi político?
Sepúlveda Pertence: Olha, é difícil dizer esta qualificativa que a mídia gosta muito de por. Se é político, se não é político. Eu creio que não terá sido, para os ministros, um julgamento político embora os julgamentos, em particularmente os julgamentos do Supremo no mundo midiático, nós digamos, sejam necessariamente envolvidos num quadro geral de política de opinião pública, de opinião publicada.

Folha/UOL: E isso é normal e desejável que ocorra?
Sepúlveda Pertence: Isso é inevitável. Por exemplo, a propósito deste julgamento, voltou-se a discussão sobre a TV Justiça.

Folha/UOL: É verdade. Qual é a sua opinião sobre a TV Justiça?
Sepúlveda Pertence:Bem, eu, hoje, tenderia a refletir muito mais do que quando, de início, dei acordo à iniciativa. Mas acho que é um fato irreversível. Hoje, o Supremo voltar, ou melhor, regredir mais do que já estava. Porque temos uma tradição centenária de julgamentos em públicos e discussões em público. Para o que hoje se prega, o sistema que quase todas as cortes tradicionais do mundo, que é de uma discussão em aberto com os advogados depois uma sessão secreta de apuração, soaria, no Brasil, como um retrocesso em termos de transparência e, consequentemente, acarretando uma obra de suspeição sobre as decisões.

Folha/UOL: Nesse sentido o Brasil dá um exemplo de transparência ao mundo com o seu judiciário?
Sepúlveda Pertence: De televisão, eu desconheço outro tribunal que tenha transmissões como nós temos. Diretas e integral dos grandes julgamentos, todos os julgamentos do plenário. Poucos países têm o nosso sistema de discussão e votação em público. Ocorre no México, certos tribunais na Suíça e pouco mais do que isso. Agora, televisão direta e integral, realmente, é uma prioridade e exclusividade brasileira.

Folha/UOL: Mas o sr. fala que hoje refletiria mais, mas hoje é irrervessível. Mas, no geral, o sr. é a favor ou contra?
Sepúlveda Pertence: Eu sou a favor. Acho apenas que, fica difícil falar isso, mas é preciso que os ministros se contenham.

Folha/UOL: Sem a TV, eles teriam votado diferente no caso do mensalão?
Sepúlveda Pertence: Não ouso. Não tenho elementos para dizer isto. Aqui não influiu. Influi, manifestamente, na extensão dos votos.

Folha/UOL: Seria mais curto o julgamento?
Sepúlveda Pertence: Seria, provavelmente, mais curto. Menos preocupação de erudição de determinados públicos. Tudo isso eu marco.

Folha/UOL: Quando o julgamento do mensalão começou, o sr., com a sua experiência, deve ter olhado um pouco, enfim, do que se tratava tudo aquilo. O sr. imaginava que o desfecho seria mais ou menos esse que estamos vendo agora ou não?
Sepúlveda Pertence: É. Tive dúvidas iniciais sobre um ponto que, tecnicamente, talvez tenha sido a questão mais intrigante.

Folha/UOL: Qual é esse ponto?
Sepúlveda Pertence:A definição do crime de lavagem de dinheiro. Que acabou levando a empate e, consequentemente, a absolvição dos acusados nesses pontos que eu achava marginais do próprio conceito de lavagem de dinheiro.

Folha/UOL: Dá um exemplo para a gente.
Sepúlveda Pertence: Bem, eu cito um acórdão, mas que foi muito citado nesse julgamento, em que eu dizia até que era curioso que o primeiro caso de lavagem de dinheiro fosse uma questão tão simples, sem a sofisticação da engenharia financeira que manualmente cobre esses crimes. Era um caso de um fiscal da prefeitura de São Paulo que recebeu propinas. Não só praticou, como exauriu o crime de corrupção passiva e esse dinheiro ele espalhou em contas correntes de parentes. Então aí estava muito clara a distinção entre onde se exauriu o crime de corrupção e aquela manobra feita...

Folha/UOL: Para esconder.
Sepúlveda Pertence: E que busca, sem a sutileza da engenharia financeira, como me referi, para esconder o dinheiro, depositando em contas de diversos parentes seus.

Nesse caso, eu vi muitas vezes uma certa dificuldade de o Supremo Tribunal distinguir onde terminava o crime de corrupção passiva e onde se manifestava o crime de lavagem de dinheiro. Mas os votos...

Folha/UOL: Mas, nesse caso do fiscal da prefeitura de São Paulo, o sr. considerou que houve a lavagem [de dinheiro]?
Sepúlveda Pertence: Houve a lavagem antes. Grotesca e primária mas, evidentemente, lavagem. Estava absolutamente exaurido o crime de corrupção. Simplesmente, ele poderia colocar a propina recebida no bolso e ir para a casa.

Folha/UOL: E como isso, por analogia, se refere aos casos do mensalão?
Sepúlveda Pertence: Bem, eu não quero comentar casos concretos, mas eu creio que houve, em alguns votos, alguma indistinção, uma certa confusão entre o que era apenas exaurimento do crime de corrupção passiva e a lavagem de dinheiro. Mas não quero dar exemplos concretos.

Folha/UOL: Agora, deixe-me perguntar para o sr. sobre outro ponto que me parece muito polêmico no caso do mensalão. As defesas, é claro, argumentaram que só havia indícios, não havia ato de ofício em vários casos. E defendiam, portanto, a absolvição de seus clientes. Não obstante, em alguns casos, o Supremo, por maioria de seus integrantes considerou sim que houve corrupção e falou-se muito na chamada teoria do domínio do fato. Nesse sentido, é possível dizer que o Supremo mudou o paradigma, a forma como interpreta esse tipo de crime?
Sepúlveda Pertence: Bem, a teoria germânica do domínio do fato nunca foi tão popular no Brasil

Folha/UOL: É verdade.
Sepúlveda Pertence:[risos] Todos discutem até em roda de botequim [risos]. Na verdade, ela é uma teoria relevante, mas parte ou reclama um dado concreto. O elemento subjetivo daquele que tem o domínio do fato. O domínio do fato é, assim, um primeiro indício da comissão do delito. Mas não dispensa a indagação do dolo com que tenha agido o partícipe, ainda que, teoricamente, tivesse ele domínio do fato. Ou o presidente da República acabaria culpado de todos os fatos de corrupção que inevitavelmente ocorrem em todos os governos do mundo.

Folha/UOL: É isso que eu ia dizer para o sr., porque um dos réus do mensalão, o ex-ministro José Dirceu, da Casa Civil, atuava sempre a favor do governo do qual ele participava. De qual governo? Do ex-presidente Lula.
Sepúlveda Pertence: O chamado e maldito presidencialismo de coalizão.

Folha/UOL: Justamente. E ele, José Dirceu, foi condenado muito com base nessa teoria do domínio do fato. Nesse caso, o sr. acha que houve uma mudança de paradigma em relação a como o Supremo julgava esses casos no passado?
Sepúlveda Pertence:É muito difícil para mim...

Folha/UOL: Mas o sr. estava lá [no STF] antes...
Sepúlveda Pertence:Sim. Mas não estive, acho que nem todos os ministros [da atual composição do STF] estiveram mentalmente presentes em todo o desenrolar das 40 sessões. Agora, este caso eu não queria comentar até pela relação pessoal que tenho com alguns réus. O que digo é o seguinte, repito: domínio do fato é um indício, um primeiro indício da comissão do fato, que ele [o acusado] pudesse ter influência pela situação política que ele tinha. A partir daí demonstrar que ele realmente participou, é um problema como de outros crimes em geral.

Folha/UOL: O sr. acha que não foi demonstrado?
Sepúlveda Pertence: Isso eu não quero comentar, particularmente  no caso de um cidadão com quem mantenho boas relações, relações cordialíssimas. E relações de amizade no caso do deputado Genoíno.

Folha/UOL: José Dirceu ou Genoíno no caso?
Sepúlveda Pertence: Genoíno com mais proximidade. Com Dirceu tenho muita cordialidade.

Folha/UOL: Agora, já que o sr. mencionou o caso de José Genoíno, no caso dele há um ato de ofício que ele disse que era apenas uma formalidade. Ele assinou cheques e contratos. Nesse caso, não é uma prova concreta esse ato, um ato que ajuda a corroborar a tese?
Sepúlveda Pertence: O que realmente descabelava a sua defesa era a possibilidade, o problema de demonstrar que foi um fato sem a consciência do que estava por detrás disso. Um dos casos, o do próprio BMG, é um caso muito curioso.

Folha/UOL: Por quê?
Sepúlveda PertenceNão foi julgado aqui. Foi julgado nestes dias em Belo Horizonte por um juizado de primeiro grau. É muito curioso, porque se dá de barato que o empréstimo foi simulado, quando não apenas ele veio a ser pago e quando, principalmente, ele foi dado a um daqueles integrantes do grupo do publicitário Marcos Valério, que era titular de um CDB [Certificado de Depósito Bancário] do mesmo valor do empréstimo.

Folha/UOL: Agora, os pagamentos desses empréstimos acabaram sendo de fato efetuados muito depois de o escândalo ter eclodido, o que também, licitamente, nos leva a pensar os seguinte: “Bom, se o escândalo não tivesse aparecido, será que esses empréstimos teriam sido liquidados?”
Sepúlveda Pertence: São indagações que ficarão para a história [risos].

Folha/UOL: O sr. estava no julgamento do ex-presidente Fernando Collor. O sr. estava no Supremo. Foi voto vencido, me corrija se eu estiver errado. Na época, considerou-se que não havia ato de ofício. É por isso que eu pergunto para o sr.: Naquela época, o sr. foi voto vencido, falava-se que não havia ato de ofício, enfim, o presidente Collor foi absolvido ali. Agora, fala-se que não houve ato de ofício mas alguns foram condenados. Então há uma mudança radical do Supremo? Ou não?
Sepúlveda Pertence: Não creio aí, sem entrar nos casos concretos, eu não creio que o Supremo haja mudado sua orientação.

Folha/UOL: Mas há similitude entre os casos?
Sepúlveda Pertence: É preciso voltar então ao caso Collor. Além de outras acusações, eu, voto vencido, juntamente com os ministros Néri da Silveira e Carlos Velloso, entendemos provado, além de outros que desprezamos, havia uma... Uma grande empresa multinacional, pelo depoimento de vários dos seus diretores, testemunhava que Paulo César Farias as havia procurado, mais ou menos nesses termos: “Vocês, que não quiseram colaborar com a campanha, agora não vão querer ser inimigos do governo”. E, em função disso, houve uma doação em dinheiro que acabou sendo aplicada como doação para a campanha eleitoral de determinado deputado. Foi esse o fato em que os três votos vencidos se basearam. E os votos vencedores em que houvesse, embora, essa doação, ela não visava um ato de ofício determinado do presidente da República. E a minha argumentação foi que realmente é muito fácil você exigir, vise um ato de ofício, quando está se subornando um contínuo para transferir um processo que está na mesa de “A” para a mesa de “B”. Quando é o presidente da República, o simples fato de uma doação como solicitada para não ter a má vontade de um governo é bastante a configurar a corrupção passiva, se aceita nessa condição.

E agora, o que se decidiu é que não era necessário o ato de ofício. Mas jamais os votos vencidos do caso Collor, ou os votos vencedores do caso Collor, entenderam que seria necessária a prática do ato de ofício. Que é, até no código, uma causa de aumento de pena. Se o funcionário, em razão da propina, venha a praticar o ato e, se o ato é ilegal, mais ainda, há gradações [das penas]. Agora, o que se declarou, pelo que eu ouvi... Só tenho informações da televisão...

Folha/UOL: Informações completas, né? Na íntegra. [risos]
Sepúlveda Pertence: Completas também. Um exercício de paciência.

Folha/UOL: Enorme.
Sepúlveda Pertence: É. Do que eu guardei, o que se disse é de primeira série de Direito Penal em qualquer faculdade. Que o crime de corrupção passiva é um dos chamados crimes formais. Ela, a corrupção ativa, se exaure ou se consuma... “Se exaure” não, “se consuma” num oferecimento da vantagem indevida ao funcionário em razão das suas funções. E o que passa a ser passiva também na aceitação desta vantagem visando, segundo a maioria no caso Collor, à um ato de ofício do funcionário. Mas a prática desse ato de ofício seria necessária. Ela é causa de aumento de pena.

Folha/UOL: Agora, nesse sentido, não há similitudes entre aquele caso do Collor e, agora, esse, chamado mensalão?
Sepúlveda Pertence:É que o caso do Collor ficou na denúncia. A denúncia não dizia que ato do presidente Fernando Collor a empresa visava obter.

Folha/UOL: Mas para um leigo entender: Qual é a diferença básica, então?
Sepúlveda Pertence: Então é que, enfim, repito: Naquele caso a denúncia não descreveu que ato de ofício se pretendia. Se tivesse pretendido, segundo a lógica dos votos vencedores, haveria o crido.

Folha/UOL: E agora, no caso do mensalão?
Sepúlveda Pertence: Agora, aquilo que se declarou foi o seguinte: A entrega de dinheiro ao servidor público, a um agente público para que pratique um determinado ato é bastante para consumar-se um crime. Pouco importa se esse ato venha ou não a ser praticado.

Folha/UOL: E isso é igual ao que se decidiu lá atrás com o Collor?
Sepúlveda Pertence: Eu creio que não. É diferente.

Folha/UOL: Pois é.
Sepúlveda Pertence: É diferente. O que se decidiu lá, repito, é que os atos, tanto da corrupção ativa, oferta ou entrega do dinheiro, quanto da corrupção passiva, do recebimento da propina, estejam vinculados psicamente à um ato de ofício, à nomeação do fulano, a assinatura de um contrato com o poder público.

Folha/UOL: Isso lá atrás [no caso Collor]. E agora?
Sepúlveda Pertence: Agora, ao que se diz, os votos de bancadas partidárias não querem decidir quando isso me parece inverossímil, normal .

Folha/UOL: Mas, então, houve uma mudança de paradigma do Supremo. Há uma mudança. Houve uma intepretação diferente, não houve?
Sepúlveda Pertence:Não. Não houve. Vamos dizer, os votos vencedores se contentariam com o seguinte...

Folha/UOL: Os de hoje?
Sepúlveda Pertence: Não, os de ontem.

Folha/UOL: Os de lá de trás, de quase 20 anos, de Collor?
Sepúlveda Pertence: De Collor. Se teriam contentado se indicasse que o dinheiro foi dado para que o presidente da República praticasse determinado ato. Por exemplo, havia uma imputação assim. Essa foi julgada não provável. Que uma determinada empresa teria efetuado certa contribuição à caixa pós-eleitoral do sr. Paulo César Farias para que o presidente nomeasse um seu empregado, um seu executivo para um determinado cargo, para a direção de uma certa autarquia federal. Não se julgou provado a relação de causa e efeito entre a doação e a nomeação. Mas a doação, segundo a denúncia, visaria a esse ato de ofício e apenas não se julgou provado essa relação de causa  efeito. Agora, aqui...

Folha/UOL: Aqui, no caso do mensalão?
Sepúlveda Pertence: No caso do mensalão, o que eu ouvi dizer e repetir é que não precisava que um ato de ofício fosse praticado. Bastava que a propina ou benefício devido fosse dado na perspectiva da prática de um ato de ofício, quer dizer, visando que se praticasse um ato de ofício. Bastaria o presente.

Folha/UOL: O sr. considera razoável essa intepretação?
Sepúlveda Pertence: Essa de que não é necessário o ato de ofício, eu acho absolutamente razoável. Não discuto a sua aplicação nos casos concretos.

Folha/UOL: Se o sr. estivesse hoje no Supremo... Foram 25 condenados. O sr. acha que o sr. teria um resultado semelhante ou muito diferente? Sem personificar.
Sepúlveda Pertence: Não. Não me pergunte por que. Eu não sei.

Folha/UOL: [Risos] Por que, ministro?
Sepúlveda Pertence:Definitivamente, não sou mais um ministro do Supremo. Nada pior do que a “re-beca” dos tribunais. Nada me convence que já não é mais.

Folha/UOL: O sr. acha que a denúncia apresentada pelo Ministério Público no caso do mensalão foi de boa qualidade?
Sepúlveda Pertence: É, foi extremamente minuciosa, audaciosa mas bem sucedida.

Folha/UOL: Bem sucedida. Mas o fato de ser bem sucedida, significa que ela foi uma denúncia de boa qualidade?
Sepúlveda Pertence: Eu teria dúvida em certos pontos.

Folha/UOL: Por exemplo?
Sepúlveda Pertence: Eu já falei na lavagem de dinheiro. Formação de quadrilha. Sem fazer nenhum juízo, até porque seria leviano de minha parte, todos os ministros tiveram umas facilidades da tecnologia moderna, tiveram a cópia integral dos autos. Eu não tive. Então, não estou dizendo se fica bem provado ou não. Mas a denúncia é bem sucedida e bem posta nos quadros de corrupção ativa e passiva. Compra de apoio político no Congresso. Ela é, em si mesma, frágil, a meu ver. Suscetível de ampla discussão no item da lavagem de dinheiro. Dezenas de imputações de lavagem de dinheiro e, também, na formação de quadrilha. E eu acho que tudo teria ficado, na versão oscilatória, no acordo de determinadas figuras para a prática de crimes determinados e previstos e nunca, uma organização permanente, de certa permanência, de certa duração, para a prática de crimes indeterminados.

Folha/UOL: Entendi. O que chama a atenção muitos leigos é que, como alguns dos condenados ocupavam cargos importantes na administração pública ou na cúpula dos partidos envolvidos, e eles foram condenados com base em indícios e na chamada teoria do domínio do fato, se assim o foi, por que o Ministério Público, que colocou o número dois da República na época, o José Dirceu, excluiu da denúncia o presidente da República, talvez? Por que você acha que o Ministério Público fez essa distinção? Se não havia prova material contra José Dirceu.
Sepúlveda Pertence: Bom, eu acho que a credulidade foi até onde foi o Roberto Jefferson.

Folha/UOL: Como assim?
Sepúlveda Pertence: Que nada atribuiu ao presidente da República.

Folha/UOL: Por que o sr. acha que foi assim?
Sepúlveda Pertence:Não sei. É só uma forma de dizer. Ela [a denúncia do Ministério Público] foi até aonde a delação...

Folha/UOL: O Ministério Público acompanhou o tom do Roberto Jefferson?
Sepúlveda Pertence: É. Ao que eu me recordo, falava e gritava a plenos pulmões que o José Dirceu estava traindo o presidente honrado.

Folha/UOL: Esse julgamento tem sido apontado por muitos, não todos, mas muitos, como um julgamento histórico que o Brasil, em termos de impunidade para a corrupção, crimes de colarinho branco, é antes e depois do julgamento do mensalão. É realmente esse marco que alguns interpretam?
Sepúlveda Pertence: Olha, histórico assim, com este acento, eu acho que há um certo exagero.

Folha/UOL: Por quê, ministro?
Sepúlveda Pertence: É claro que ele é histórico no sentido de o Supremo Tribunal estar há 40 sessões, há três meses julgando um caso criminal que envolve, porque não é rotineiro no Brasil, não só figuras políticas iminentes como banqueiros e empresários de um certo... Mas não creio que isso vá transformar a história do Brasil. O que se passa para o leitor de jornal, o telespectador ou o leitor de revistas é que é histórico porque, pela primeira vez, se está condenando. Mas isto é relativo.

Para dizer que isto terá como consequência a superação de atos de corrupção neste infeliz modelo ao qual as contingências nos levaram, a partir da montagem do governo do qual participei, montado ainda pelo presidente Tancredo Neves, de uma coalizão para governar sem nenhuma identidade, já não digo ideológica, mas programática. Juntando pedaços de esquerda com pedaços de extrema direita e mediante compensações... Eu prefiro falar em compensações políticas. Promessas de cargo...

Folha/UOL: O julgamento do mensalão terá o efeito de inibir, de maneira significativa, casos como esses de corrupção envolvendo políticos?
Sepúlveda Pertence: Eu sou mais cético que as manchetes e os autores das cartas do leitor que são divulgadas esses dias.

Folha/UOL: Ou seja, o sr. acha que é relativo ou pequeno o efeito?
Sepúlveda Pertence: O crime de colarinho branco, seja na área pública, seja na área privada, ele não é como o crime comum em que o batedor de carteira subtrai a carteira do bolso da calça e depois pensa para onde vai correr. Ele é um crime absolutamente planejado. E uma condenação de determinada manobra que, real ou não, diz o Tribunal que existiu, não inibirá a imaginação criadora do crime sofisticado de buscar outras formas.

Folha/UOL: O que poderia ser feito para inibir tal tipo de crime no meio político, esse meio de corrupção?
Sepúlveda Pertence: Sim, é claro, que há um dado positivo. O mecanismo judiciário funcionou e isso é inevitável. Que, sobretudo, os aparelhos de investigação tenham elementos para interferir nessa criminalidade mais sofisticada é fundamental.

Agora, para ficar na área política, eu não falo de todos os políticos quando querem lavar as mãos, é preciso uma reforma política corajosa. E a reforma política é sempre a mais difícil de fazer numa democracia simplesmente porque ela há de ser feitas pelos vitoriosos. Já dizia o presidente Kubitschek, vitorioso não muda de método de política, essa é a regra básica. 

Folha/UOL: O que podem fazer os réus do mensalão. Eles podem, de fato, recorrer à corte internacional? Podem fazer alguma coisa ou isso tudo é uma baboseira?
Sepúlveda Pertence: Isto é uma expressão retórica.

Folha/UOL: Não há mais o que fazer?
Sepúlveda Pertence: Não.

Folha/UOL: As penas, quando forem expedidos os mandados de execução das penas... É possível prever quando isso vai acontecer, conhecendo o trâmite de um processo desse tamanho, dessa envergadura? Quando o sr. acha que serão expedidos os mandados de execução das penas?
Sepúlveda Pertence: Bem, fatalmente, nós teremos embargos de declaração aos montes. Possivelmente, já com outro relator.

Folha/UOL: Exato.
Sepúlveda Pertence: Porque o presidente, o ministro Joaquim Barbosa...

Folha/UOL: Será presidente. Isso no ano que vem só? 2013?
Sepúlveda Pertence:Sim. Esse acórdão deverá tomar alguns números da Revista Trimestral [de Jurisprudência]. Não sairá antes disso.

Folha/UOL: O sr. acha que o acórdão deve sair por volta de quando, pela sua experiência de como funciona o Supremo?
Sepúlveda Pertence: Difícil porque quase todos os ministros, eu acho, com a exceção do ministro Marco Aurélio, têm dito que têm votos escritos e vão entregá-los e apenas fazem um resumo oral. Se assim for, o acórdão pode sair em tempo previsível.

Folha/UOL: Mais ou menos?
Sepúlveda Pertence: Digamos, um palpite apenas, de seis meses a um ano.

Folha/UOL: Seis meses?
Sepúlveda Pertence: É.

Folha/UOL: Seis meses, estamos falando em abril, maio, mais ou menos? Aí, os embargos?
Sepúlveda Pertence: Você tem, estamos entrando em novembro, mudança de presidência, recesso administrativo em dezembro, retomada dos trabalhos em fevereiro...

Folha/UOL: Então, sendo realista, quase otimista, o sr. imaginaria cerca de seis meses para o acórdão ser publicado. A partir de quando, em 48 horas, as defesas podem apresentar os embargos. Quanto tempo, talvez, para julgar os embargos, é imprevisível. Mas é coisa de meses ou de mês?
Sepúlveda Pertence: Eu acho que isso está extremamente condicionado a quem for relator.

Folha/UOL: Mas o sr., pela sua experiência, acha que seria para mais de mês o julgamento dos embargos?
Sepúlveda Pertence: Exatamente. Relatar esses embargos.

Folha/UOL: Ou seja, estamos falando do segundo semestre do ano que vem?
Sepúlveda Pertence:Segundo semestre do ano que vem.

Folha/UOL: Aí, sim, estaria transitado em julgado, seriam expedidos os mandados? Ou seja, na previsão realista.
Sepúlveda Pertence: É.

Folha/UOL: Certo. Ministro, o que aconteceu com a sua renúncia? Por que o sr. renunciou ao cargo de presidente? Era membro integrante da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Sepúlveda Pertence: Bem, a Comissão de Ética tem uma função não profissional, puramente honorária, cuja a função...

Folha/UOL: Quanto tempo o sr. ficou lá?
Sepúlveda Pertence: Eu fiquei lá por cerca de cinco anos. Formalmente, é uma comissão de assessoria ao presidente da República ou à presidente da República.

Folha/UOL: Sim.
Sepúlveda Pertence: O que ocorreu é que, no final do semestre passado, além de três conselheiros que já haviam cumprido dois mandatos e não poderiam ser reconduzidos, terminou o primeiro mandato, o primeiro triênio, de dois conselheiros.

Folha/UOL: Os mandatos são de três anos, não é?
Sepúlveda Pertence: Três anos. Da professora Marília Muricy, da Universidade Federal da Bahia, e do advogado Fábio Coutinho.

Folha/UOL: Os dois tinham completados seus primeiros triênios.
Sepúlveda Pertence:Coincidentemente, que eram nomes que eu tinha sugerido ainda ao presidente Lula para compor a Comissão, e que têm valores humanos, intelectuais, morais em absoluta excelência. E a praxe tem sido a recondução.

Folha/UOL: E eles não foram reconduzidos.
Sepúlveda Pertence: Não foram reconduzidos. Não podendo contestar o poder da presidente, que não reconduzia, porque eu achei que só tinha um caminho a tomar para mostrar a minha solidariedade a esses companheiros que foram postos numa posição incômoda perante a opinião pública.

Folha/UOL: O sr. chegou a conversar com a presidente da República ao tomar a sua decisão? Ou não?
Sepúlveda Pertence: Não. Dias antes, semanas antes, o ministro Gilberto Carvalho me havia comunicado da decisão de não reconduzi-los e dos nomes cogitados, os quais ela veio a nomear três. Eu, por não ter nada em pessoal contra os três indicados, fiz questão de permanecer até a primeira sessão ordinária para empossa-los e comunicar minha renúncia.

Folha/UOL: Mas a presidente não falou com o sr., só o ministro Gilberto?
Sepúlveda Pertence: A não ser em segundos de solenidade, não tive mais contato com a presidente.

Folha/UOL: A impressão de nós, que estamos do lado de fora, foi que, até por conta de conversas reservadas dentro do próprio Palácio do Planalto, um pouco de insatisfação por parte da presidente da República em relação a forma como foram conduzidas algumas investigações e acusações que foram levadas até a Comissão. Notadamente, uma com relação ao ministro Fernando Pimental, do Desenvolvimento. O sr. tem notícias a respeito deste tipo de descontamento?
Sepúlveda Pertence: Não. O descontentamento que eu sei é pelos famosos “offs” palacianos. Quanto ao ministro Fernando Pimentel, a posição do relator foi, por ele mesmo, dado a público. Seria por uma sanção de advertência e, ao contrário, por iniciativa minha, se abriu nova oportunidade da defesa do ministro Pimentel para esclarecer determinada questão. Absolutamente normal o processamento. Houve um outro, relativo ao ministro Lupi. O ministro Lupi deu trabalho à Comissão. Quando eu entrei, dias depois, renunciava da Comissão seu então seu presidente, o ex-ministro...

Folha/UOL: Marcílio Marques.
Sepúlveda Pertence: E, precisamente, porque a Comissão decidira, não participei ainda dessa decisão, que seria incompatíveis os cargos de presidente de partido e ministro de Estado. E o governo, enfim, não deu ultimato ao ministro para que fizesse opção. Então, o ministro Marcilio se retirou. Eu, enfim, pretendi ter solucionado a crise quando, em audiência com o ministro Lupi...

Folha/UOL: Estamos falando de Carlos Lupi, que era ministro do Trabalho, presidente nacional do PDT.
Sepúlveda Pertence:É. Decidiu ele, então, que se licenciaria da presidência do PDT. Tivemos ainda um segundo problema. É que, embora licenciado, nos programas de televisão e difusão do programa partidário, ele parecia sempre com a placa “presidente licenciado do PDT”. A Comissão o intimou, e isso acabou. Posteriormente, houve acusações de relações menos transparentes e, aí, a Comissão, a relatora Marília Muricy, optou pela solução mais radical na competência da Comissão, que era recomendar à presidência da República a exoneração do agente, mesmo do ministro de Estado.

O que eu ouvi falar, ainda em termos de murmúrios do palácio transmitidos pela mídia, é que teria havido um retardamento na comunicação à presidente dessa decisão.

Folha/UOL: Houve?
Sepúlveda Pertence: Olha, ao que sei, houve um acidente. A presidente estava em reunião. O ofício foi, imediatamente, a ela, mas isso era final de reunião e, como era habitual, ao final da reunião eu dava a notícia aos repórteres que cobriam os trabalhos da Comissão das decisões mais importantes tomadas. Com isso, a presidente teria sido encolhida pela imprensa antes de tomar conhecimento do ofício. Se houve algum erro aqui, não seria da relatora, seria minha. Mais uma razão para que eu me solidarizasse com a relatora.

Folha/UOL: Coincidentemente, agora, com a nova composição da Comissão de Ética Pública, foi decidido, por unanimidade dos seus integrantes, o arquivamento completo das acusações de eventual conduta imprópria do ministro Fernando Pimentel. É curioso que mudou a composição e mudou, radicalmente, o entendimento da Comissão, o sr. não acha?
Sepúlveda Pertence: A Comissão não tinha emitido posicionamento, apenas o seu relator.

Folha/UOL: Bom, mas havia um posicionamento de que devia-se investigar ou ouvir novamente.
Sepúlveda Pertence: Sim. Eu não tenho conhecimento se vieram as explicações pedidas ao ministro ou se não deram. Enfim, por razões óbvias, não posso expressar qualquer opinião.

Folha/UOL: Ministro, essa Comissão de Ética Pública que, no papel, é muito importante, já teve um episódio, com a saída de um de seus presidentes, o Marcílio Marques Moreira, porque se sentiu... Enfim, uma atitude menoscabo por parte da presidência [da República] em relação à Comissão. Aí, o sr. também sai porque sentiu um desprestígio pelo fatos das pessoas que o sr. indicou não serem reconduzidas. Essa Comissão é um pouco de faz de conta?
Sepúlveda Pertence: Olha, eu não creio. Essa Comissão tem desempenhado um papel positivo. Sobretudo na difusão de toda a máquina federal por seus poucos meio de ação mas da difusão das comissões de éticas setoriais, que hoje são centenas pelo Brasil e, tudo isso, pretendendo contribuir para a difusão dos preceitos éticos por toda a administração. A Comissão tem duas falhas básicas.

Folha/UOL: Quais são?
Sepúlveda Pertence: Primeiro, é que ela não tem estatuto legal, ela é formada por um decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E, em segundo lugar, o episódio por mim vivido me leva à uma sugestão básica como testamento de minha passagem pela Comissão.

Folha/UOL: Qual é?
Sepúlveda Pertence: É que não haja recondução. Os membros de uma Comissão como esta não podem estar sujeitos a nenhuma apreciação posterior da presidência da República sobre a sua atuação.

Folha/UOL: Agora, fora isso, independentemente das falhas que existam, poderia haver uma atitude diferente por parte da presidente da República nesse episódio recente?
Sepúlveda Pertence: Bom, não quero julgar o ato da presidente da República. Me solidarizei com os companheiros.

Folha/UOL: Agora, do jeito que está a Comissão, ela não é um pouco frágil além do que deveria ser?
Sepúlveda Pertence: Eu acho que ela precisa ter reforço na sua estrutura normativa. É claro que será sempre uma Comissão de funções delicadas em relação à chefia do Estado, à chefia do governo porque ela não é, obviamente, um julgamento de um ministro de Estado e de altos funcionários. O julgamento se cinde a advertências e a censuras. Este, mais objetivo, mais grave, que é a recomendação que o funcionário e o ministro de Estado, seja alto funcionário da administração, seja exonerado, é claro que jamais poderá ir além disso. Como se fora o Senado Federal julgando processos de irresponsabilidade, determinar a punição dele.

Folha/UOL: Agora, a impressão que todos tivemos olhando de fora esse episódio recente, com a troca de integrantes, uma nova composição e a decisão posterior a respeito de Fernando Pimentel, é que a Comissão de Ética Pública foi refeita para ficar mais chapa-branca. Está errada essa interpretação?
Sepúlveda Pertence: Eu prefiro não emitir um conceito sobre esse caso concreto e esperar que os membros da Comissão saibam desempenhar essa função, que não envolve nenhum interesse material ou pessoal.

Folha/UOL: Ministro, que nota o sr. dá para o governo Lula e, agora, para o governo Dilma?
Sepúlveda Pertence: É nota alta.

Folha/UOL: Para ambos? Iguais ou diferentes?
Sepúlveda Pertence: Eu vou ficar num oito igual, tá?

Folha/UOL: Oito para cada um?
Sepúlveda Pertence:É.

Folha/UOL: Está certo. Ministro Sepúlveda Pertence, muito obrigado pela sua entrevista à Folha e ao UOL.
Sepúlveda Pertence: Muito obrigado à vocês.