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Leia a transcrição da entrevista de Augusto Nardes à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

15/08/2013 06h00

Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União, participou do "Poder e Política", programa do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 14.ago.2013 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Augusto Nardes – 14/8/2013

Narração de abertura: João Augusto Ribeiro Nardes tem 60 anos. É presidente do Tribunal de Contas da União.

Augusto Nardes é formado em administração de empresas. Começou na política aos 21 anos de idade, eleito vereador de Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, pela Arena, em 1973.

Depois, foi deputado estadual do Rio Grande do Sul por 2 mandatos, pelo extinto PPR. Também se elegeu 3 vezes seguidas deputado federal, pelo PPR, PPB e PP.

Renunciou ao mandato em 2005, para assumir uma cadeira do TCU, nomeado durante o governo do ex-presidente Lula.

Em dezembro de 2012, tomou posse como presidente do tribunal para um mandato de 1 ano, renovável por mais 1.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é o ministro Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União.

Folha/UOL: Olá, ministro. Muito obrigado por estar aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília. Eu começo perguntando: Nesta semana, o Congresso começou a aprovar a emenda constitucional do chamado orçamento impositivo. Para o TCU, qual será o impacto disso?
Augusto Nardes: A preocupação do Tribunal de Contas da União é nós termos uma visão do Estado como um todo, planificarmos o Brasil. Portanto, se nós tivermos por parte dos parlamentares uma visão coletiva de aplicar esses recursos em benefício das comunidades que eles representam, será positivo para aquela região.

Agora, se vermos o Estado como um todo que tem tantas necessidades, especialmente na área da educação, da saúde, temos gargalos imensos. Se esta visão não for contemplada, com certeza a questão do planejamento e pensar a médio e longo prazo terão prejuízo com o orçamento impositivo.

Apesar de que os números são pequenos, não é? Em relação ao todo do orçamento do Brasil. Nós estamos hoje com o orçamento anual sendo executado R$ 1,9 trilhões. Ou seja, o que estava previsto, em relação a 2012, era R$ 2,4 trilhões. Então, se nós pegarmos destes recursos a metade disso, é o que o governo utiliza, o restante é para utilizar para pagamento da dívida, que está em R$ 600 e poucos bilhões. Se nós utilizarmos boa parte desses recursos para a execução, que é em torno de R$ 933 bilhões, que o governo retira e gasta diretamente para investimento e custeio da máquina pública no Brasil, nós teremos em torno de R$ 6 ou 7 bilhões para as emendas dos parlamentares.

Portanto, dentro do contexto maior, não é tão significativo. Mas é significativo no sentido de que o Brasil precisa pensar coletivamente, no interesse da população. A questão que se coloca em relação aos parlamentares é se eles farão esse trabalho pensando no coletivo.

É isso que eu ia dizer. São emendas de deputados e de senadores ao orçamento pensando nas necessidades das suas regiões em particular. Isso daí vai ao encontro, ou não, da necessidade de bom planejamento e boa governança orçamentária do país?
Em relação ao orçamento, nós temos dificuldades hoje para a sua implementação como um todo dentro do contexto brasileiro porque muitas vezes os recursos existem, mas a estrutura do governo não consegue colocar em prática os recursos que estão previstos. Eu dou um exemplo em relação ao que nós temos para investimento em alguns setores. Por exemplo, na área de urbanismo, do que estava previsto para o ano de 2012, apenas 9% dos recursos previstos se conseguiu implementar. Em relação à área da saúde, apenas 27% se conseguiu implementar.

Ou seja, existem os investimentos. Isso é uma demonstração da fragilidade da administração pública brasileira. Veja só. Teu ter um recurso para a saúde, tem um recurso para a educação. Educação até foi um pouco melhor. Chegou a 45% do orçamento previsto. Ou seja, o que nós vemos é que o Estado brasileiro, com a concentração do poder em Brasília, muitas vezes não dá condições de entregar o produto lá na ponta.

O fato de se descentralizar através de uma parte pequena, pode ser que algumas comunidades sejam privilegiadas no sentido de chegar lá o produto, ou seja, uma melhor educação, uma melhor saúde. A questão é que com isso nós perdemos uma referência nacional do planejamento do Estado brasileiro como um todo para ver as prioridades que o Congresso poderia discutir, debater, direcionar isso e cobrar do governo para que as coisas cheguem até a ponta e que muitas vezes não estão chegando.

O governo federal gasta o dinheiro público com eficiência?
Com certeza, o governo, não somente federal, mas também os governos dos Estados, dos municípios, têm dificuldades para entregar para a sociedade um serviço com eficiência e com eficácia. Por algumas questões básicas. Uma delas é a falta de planejamento de forma antecipada. Falta de eficiência dentro dos quadros do governo. Nós temos 39 ministérios e muito desses ministérios não têm quadro de carreira, ou seja, não têm padrões mínimos de governança.

Então, a pergunta: Se há eficiência? Eu diria que em alguns ministérios existe eficiência. Alguns Estados têm eficiência. Alguns municípios têm eficiência. Mas, no todo, nós temos, com certeza, falta de eficiência porque não se consegue entregar uma boa educação, uma boa saúde.

Esse quadro que o sr. trouxe aqui. Qual é o recado que esse quadro dá? Porque, exceto para defesa nacional, todos os outros itens para a execução de investimentos no país ficaram abaixo de 50%. O governo prevê um gasto e gasta metade para baixo do que estava previsto. O que explica esse quadro?
Esse quadro explica que falta planejamento no Brasil.

Mas não tem um Ministério do Planejamento?
Que tem dificuldade de fazer a implementação das políticas.

Por quê?
Porque não foi feito uma discussão de forma antecipada das necessidades do país. Eu fui parlamentar muito tempo. E, muitas vezes, o cidadão que está num ministério, ou na Casa Civil, ou na Presidência da República, atende muito mais a pressão da semana ou a pressão do mês e não planeja o Brasil a médio e longo prazo.

Isso se podia pensar na época da inflação. Hoje não. Nós não podemos continuar pensando assim. Esse é o grande desafio que o Tribunal de Contas da União quer propor para a sociedade, que é a melhoria da governança. Planejar a médio e longo prazo.

Nós estamos trabalhando num projeto nesse sentido. Quando eu trago este quadro, e esta é a pergunta, onde que se mostra as fragilidades da administração, que boa parte dos ministérios aplicam menos de 50% do que estava previsto para investimento, é que não há um sincronismo. Mas isso também acontece nos Estados. Acontece nos municípios.

Na última eleição, você deve ter visto, tiveram prefeitos que não conseguiram ter acesso aos dados das administrações anteriores. Os computadores foram zerados. Então...

Deixe eu ler alguns números aqui para ficar registrado. No ano de 2012, no âmbito do governo federal: Transporte, 33% apenas das despesas liquidadas. Educação, 45%. Saúde, 27%. Urbanismo, 9%. Administração, 11%. Organização agrária, 4%. São percentuais de fato muito baixos. Agora, o TCU não tem poder para obrigar o governo a ter uma governança melhor. O TCU pode atuar em parceria. Como funciona então essa iniciativa do sr.?
Nós procuramos a Casa Civil, a ministra Gleisi Hoffmann. Tive uma longa conversa com o [vice-presidente] Michel Temer, também com a Miriam Belchior [ministra do Planejamento], propondo um grande projeto para Brasil que, de certa forma, nós já estamos fazendo. Vou trazer algumas novidades interessantes para você e para todos os telespectadores. Nós estamos com um projeto em andamento sobre a questão de meio ambiente na Amazônia. Estamos fazendo uma auditoria coordenada. Chamamos 30 Tribunais de contas dos Estados brasileiros para fazer...

Trinta? Cidades e estados, não é? Que têm alguns que têm nas cidades.
É. Cidades e Estados. São 34, 36. Trinta estão participando. Estamos com nove desses tribunais fazendo auditoria em toda a Amazônia para ver se o nosso discurso de desenvolvimento sustentável está sendo utilizado na prática.

O que isso significa?
Aquela discussão do Rio+20, não é? Fazer o desenvolvimento sustentável respeitando a questão do meio ambiente. Estamos fazendo uma auditoria nessa área e os dados, impressionantes. Eu vou passar essas informações para, em conjunto com o pleno dos ministros do Tribunal de Contas... Em outubro nós devemos ter esse relatório. Em novembro sendo entregue para a...

Mas o que eles apontam?
Apontam o seguinte: Que nós temos condições agora de fazer graduação de como é que estão as aplicações das reservas que existem em toda a Amazônia em termos de proteção do meio ambiente. A Amazônia é muito importante em relação ao clima, não somente em nível nacional, mas em toda a América. Inclusive com retrospectos e efeitos em nível internacional.

Portanto, estamos fazendo uma auditoria nesta área ambiental. Os números são impactantes. Eu recebi ontem os dados. Não posso aqui revelar porque estamos fazendo com todos os tribunais, temos que consolidar essas informações.

Outra auditoria que nós estamos fazendo que eu vou mostrar as fragilidades que você acabou de apontar. Na educação. Nós estamos falando de auditoria em conjunto em todo o ensino médio. Nós temos hoje, Fernando, 51 milhões de estudantes no ensino básico. Quantos destes estão chegando aos últimos três anos? Apenas oito milhões. Destes oito milhões, três milhões e 300 mil chegam ao terceiro ano do ensino básico. E apenas um milhão e 800 mil estão terminando. Resumindo a questão da educação, que nós estamos fazendo uma auditoria... Começamos em fevereiro. Assinamos esse ato de cooperação com todos os tribunais. Nós teremos condições de mostrar para a sociedade brasileira que na Região Sudeste, de São Paulo, de onde tu vens, apenas 52% estão concluindo o ensino básico. E na Região Norte apenas 36% estão concluindo o ensino básico.  De 51 milhões, veja só.

E esses são dados impactantes. E o que o Tribunal está propondo? Respondendo a sua pergunta. Nós mostrarmos junto com os Tribunais de contas e avaliarmos onde estão os problemas, onde estão as causas da falta de uma boa governança, da falta de uma boa gestão para responder esse quadro. Nós termos uma melhor educação. nós termos uma melhor saúde. Para poder dar condições de uma melhor gestão no país.

Essas auditorias que vão resultar nessas recomendações ficam prontas em outubro? É isso?
Em outubro. Deverão ser relatadas em novembro. Em outubro, a parte técnica para os relatores E aí, a partir desses dados, nós queremos fazer uma discussão com a sociedade brasileira, passar esses dados para toda a sociedade brasileira. Uma auditoria que vai mostrar o rosto do Brasil, a cara do Brasil na questão da educação.

Isso nós começamos a fazer no ano passado já este planejamento. Antes mesmo das manifestações que pediam a melhoria da educação no Brasil.

Evidentemente, fazer isso faz parte ali da missão do TCU. Agora, por que o governo federal, para falar aqui do plano federal, passa tantos anos com esse tipo de quadro que a gente acabou de relatar aqui de acordo com os dados que o sr. trouxe e fica sem apresentar resultados melhores?
Bem, nessa conversa que eu tive com o governo e... Não foi só com o governo, falei também com o Poder Judiciário, estive com o Joaquim Barbosa. Falei com o Legislativo, falei com o presidente do Senado, da Câmara. A gente está propondo um projeto para a melhoria de governança em todo o país.

Você fez um questionamento lá trás, dizendo que o Tribunal não poderia impor. É verdade. Nós não podemos impor. Nós podemos recomendar. Nós temos auditorias chamadas operacionais e auditorias de conformidade. De conformidade, vê a legalidade do ato do gestor público no Brasil. Na última eleição, nós condenamos 6.800 pessoas que não puderam ser candidatos nesta última eleição de 2012.

Mas somente isso não adianta, só condenar. Nós temos que ver as causas dos problemas. Então, o que nós estamos fazendo? Procuramos os governos, estamos montando um projeto com a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] que vamos assinar em outubro, aqui em Brasília. E já convidamos os países mais desenvolvidos que têm boas práticas de governança. Confirmaram os Estados Unidos, que é a maior potência econômica do Mundo, a França, a Coréia [do Sul], que é um exemplo hoje. Além deles, a Holanda.

Enfim, vários países. São nove países que já confirmaram para nós buscarmos as boas práticas de governança que existem no mundo e tentar buscar essas boas práticas e implementar políticas que possam ser possíveis no Brasil. E depois replicar nos Estados. E, como nós assumimos a presidência da Olacefs [Organização Latino-americanas e do Caribe de Entidades Fiscalizadores Superiores], que é uma organização da América Latina, queremos reaplicar isso também na América Latina, que são todos os países da América do Sul, e Caribe e América Central que estão compondo esta instituição. Então, nós estamos com um grande projeto. E não é um projeto para curto prazo. Nós estamos com este projeto para seis anos de tentar melhorar a governança no Brasil.

Eu não acredito que a gente possa combater a corrupção no Brasil sem uma melhoria de governança. Se o governo tem a capacidade de entregar esses produtos que a gente mostrou, que você leu aqui como é que está a situação, é porque nós não temos uma boa gestão, não temos um bom planejamento. Temos tantos exemplos que podemos dar em relação a isso. Desde a transposição do São Francisco como obras de grande impacto para a sociedade brasileira porque não houve um bom planejamento. Ou seja, não se pensou de forma antecipada.

O sr. citou a obra da transposição das águas do rio São Francisco. É comum, de tempos em tempos, haver uma reportagem dizendo: “Veja o estado do atraso das obras da transposição do rio São Francisco”. O sr. disse que falta planejamento. Agora, o governo federal, que comanda esse tipo de projeto, é comandando por um partido, que é o Partido dos Trabalhadores, que está há dez anos e meio já no poder.  Não é tempo o suficiente para que já houvesse o planejamento?
Eu acho que o governo teve problemas seríssimos no início. Melhorou em algumas áreas.

No início quando?
No início lá 2002, em 2003, quando assumiu o presidente Lula. O número de obras que tinham problemas era muito superior ao que nós temos hoje. Melhorou em algumas áreas, mas ainda há deficiência como um todo na administração pública federal, como também há nos Estados e nos municípios.

Em relação à transposição do São Francisco, eu vou pegar esse exemplo que eu citei para mostrar e dar para o telespectador, para o ouvinte, saber por que as coisas não funcionam. Primeiro, foi apresentado um projeto deficiente. O primeiro projeto, que é o básico, com um valor de R$ 4,5 bilhões. O que aconteceu? Depois foi apresentado um projeto executivo para aprofundar a execução também com deficiência porque o projeto básico estava deficiente. Como os projetos iniciais eram deficientes, o que aconteceu? As empresas que estavam se dispondo a fazer as obras... Como os cálculos não foram feitos de forma correta, teve um valor que é estabelecido pela legislação de 25% de aditivos que foram praticamente todos ultrapassados. O que aconteceu? O projeto inicial não foi bom. O segundo projeto não foi bom. Como consequência, as empresas tiveram que fazer solicitações de aditivos e ainda nós temos hoje sendo feitas licitações para as obras da transposição do São Francisco. Era para ser entregue em 2010. Agora, a previsão é para 2015. O valor inicial é R$ 4,5 bi. Hoje, já está em R$ 8,2 bilhões.

Dobrou.
Dobrou o valor porque não foi feito um bom planejamento.

O TCU participa na origem e na formulação? É consultado sobre a formatação das licitações, não é?
Sim.

Aí, nesse caso, o que aconteceu?
Esse caso nós estamos acompanhando desde o início e por isso que nós temos todas as informações.

Mas o TCU alertou o governo sobre isso?
Alertamos, alertamos. Inclusive, desde o início. Mas o governo queria fazer. Você não pode impedir o governo de fazer. Você dá a orientação. “Olha, isso aqui não está correto.” O que está acontecendo hoje para melhorar essa relação? Nós acertamos com a Casa Civil. Nós temos todas as concessões públicas que estão sendo feitas. Estão sendo feitas concessões de estradas, dos aeroportos. Nós estamos fazendo reuniões de forma antecipada.  A Casa Civil tem nos procurado e nós temos orientado: “Olha, isso aqui não está certo, não está correto.” E nós temos procurado ajudar o país, independente de partido A ou B. Ou seja, para que a obra não fique paralisada.

Aliás, nós não temos praticamente obras paralisadas pelo TCU. Quando há paralisação de algumas obras, são muito mais por falta de planejamento. Porque esse caso da transposição do São Francisco, como não foi um bom projeto básico, não foi feito um bom projeto executivo, e os preços extrapolaram, as empresas, se não pagas, elas se retiram. E aí, não se cumpre a lei e muitas vezes querem culpar o Tribunal de Contas da União. Mas nós temos que observar a lei. E no caso especificamente da transposição do São Francisco, houve um sobrepreço, e que nós detectamos, de R$ 400 milhões. Alertamos o governo. Fizemos todos esses alertas.

Em relação à Copa do Mundo agora, nós já detectamos sobrepreço em todas as obras e trabalhos de forma preventiva sem parar uma obra. Nós detectamos sobrepreço de R$ 650 milhões.

No total de todos os estádios e obras?
De todos. R$ 650 milhões já foram detectados.

E somando estádios e obras urbanas ali no entorno?
É. Mobilidade urbana. Então, nós trabalhamos de forma preventiva. E essa ideia que a gente está trazendo de fazer um grande projeto com a OCDE é para que a gente possa...

Deixe eu perguntar um pouco sobre a Copa do Mundo. Nesse caso aí, são obras às vezes de responsabilidade dos Estados, das cidades, algumas têm iniciativa privada. Esse sobrepreço se refere a todas?
É. Ao conjunto. Especialmente daquilo que nós temos uma participação direta. Porque uma parte desses recursos são fiscalizados pelos tribunais de contas dos Estados. E nós temos uma participação quando existem recursos federais. Mas já fizemos a economia de um estádio e meio, que alguns estádios estão valendo aí em torno do valor de R$ 400 milhões, R$ 500 milhões. Outros estão com valores extrapolados, não é?

O de Brasília, por exemplo, passa de R$ 1 bilhão, não é?
É. Passa de R$ 1 bilhão. Nós não fiscalizamos o de Brasília porque foi feito com recursos próprios do Distrito Federal. Então, quem fiscaliza é o Tribunal de Contas do Distrito Federal.

Entendi. Agora, no caso das obras que ficaram no escopo aí do Tribunal de Contas da União, o total que extrapolou foi cerca de R$ 650 milhões?
R$ 650 milhões. Estávamos com sobrepreço e nós conseguimos fazer repactuações para, aí, as empresas diminuírem.

Aliás, uma coisa que pouca gente sabe, nos últimos cinco anos nós fizemos uma economia de sabe de quantos bilhões no Brasil? R$ 102 bilhões com repactuação de contratos. A gente vê que existe sobrepreço, determina para o gestor que não pague, que repactue. R$ 102 bilhões de economia o Tribunal de Contas da União fez nesses últimos cinco anos.

Sobre governança e capacidade de investimentos, a impressão que se teve... Embora foi uma continuidade do governo Lula para o governo da presidente Dilma Rousseff, há uma impressão geral de quando a presidente Dilma Rousseff assumiu, nos últimos dois anos e meio, o ritmo de obras diminuiu e houve, o que se sente, um emperramento mais ou menos geral em muitas obras. Por que isso aconteceu?
Bem, eu acho que a situação internacional contribuiu. A questão interna, a mudança de equipe. Alguma parte foi mudada. E eu acho também que o próprio governo resolveu fazer estrategicamente uma economia, já que tinha feito grandes investimentos em 2010, antes das eleições da presidente Dilma.

Então, de certa forma, eu acho que o governo tirou o pé do acelerador para tentar equilibrar um pouco a situação econômica internamente e agora está tentando retomar. Mas a mudança do panorama internacional também atingiu o Brasil. Então, como consequência, nós tivemos uma diminuição do crescimento. Nosso crescimento é muito baixo e nós estamos numa situação... Comparado com os países da América do Sul, sem colocar os Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]. A América do Sul, a América Latina, está crescendo em torno de 5% e nós estamos crescendo em torno de 2%. Então, nós estamos muito aquém da América Latina como um todo. Claro que a nossa economia é muito superior a dos demais países.

Então, nós temos que retomar esse crescimento. Mas, para retomar o crescimento, nós temos que melhorar a infraestrutura do Brasil. O grande gargalo do Brasil, especialmente no agronegócio, que nós temos superávit na balança comercial – o agronegócio é o grande responsável pelo superávit da balança comercial –, é o fato de nós não termos estrutura para entregar os nossos produtos de forma adequada. Então, o governo tem que atacar de forma urgente na parte de infraestrutura da Região Sudeste, mas também nas demais regiões para poder exportar. Neste ano, nós tivemos perdas de safras, infelizmente, na própria lavoura. Apodreceu porque não tinha transporte e não tinha armazenagem.

Deixe eu voltar um pouco na transposição das águas do Rio São Francisco. A previsão agora é 2015. Pela avaliação de momento do TCU, esse prazo vai ser cumprido?
É 2015? É difícil de responder. Porque, por incrível que pareça, eu vou te dar uma informação, tem licitações sendo feitas ainda. Ou seja, por falta de um projeto básico feito lá trás bem feito e um projeto executivo, tem licitações sendo feitas ainda. Nós estamos 2013. 2015, portanto, um prazo cada vez mais exíguo. Então, eu não posso responder que poderá ser feito tudo até 2015 porque vai depender dessas licitações que estão ainda em andamento.

Há um risco?
Há um risco, com certeza, de um atraso considerável. Nós já estamos atrasados cinco anos.  Isso é falta de organização, de planejamento do Estado brasileiro. Por isso, esse nosso trabalho, Fernando, de trabalhar de junto com os Tribunais de contas...

O sr. já esteve com a presidente Dilma tratando desses temas?
Eu tratei com a ministra Gleisi Hoffmann. Mostrei esse quadro para ela.

Qual é a reação do governo ao ver tudo isso?
A ministra Gleisi tem sido muito equilibrada, ponderada, tentando botar um pouco a casa em ordem, especialmente no sentido de fazer com que esses gargalos que existem na administração pública possam ser recuperados.

Mas o governo entende o que está acontecendo?
O governo entende, mas tem dificuldades. Falta treinamento em alguns setores. Um dos problemas mais sérios que nós temos...

Mas eu digo no topo. No topo do governo. A ministra por exemplo. Ela reconhece o problema?
Reconhece. Tanto a própria Mirian Belchior, quando conversamos com ela do projeto da necessidade do Brasil melhorar a governança. Porque eu não acredito que o Brasil possa ser líder mundial enquanto não melhorar a eficiência do Estado brasileiro. A efetividade. A transparência. Nós precisamos de maior transparência na administração pública brasileira. E, nesse aspecto, é necessário que a gente tenha uma boa governança. Ou seja, que tenhamos um melhor treinamento dos funcionários.

Eu vou te fazer uma revelação dos números dos funcionários públicos federais. Nós temos dois milhões de funcionários públicos federais. Em torno de três milhões e meio nos Estados. Cinco milhões e meio nos municípios. São 11 milhões de funcionários públicos no Brasil.

Federais civis são 570 mil, não é isso? Na ativa, eu digo. Porque tem os aposentados, tem militares...
Somando tudo, dá em torno de 2 milhões.

Federais?
É. Federais.

Por que eu estou falando isso? Aquele boletim estatístico de pessoal do Ministério do Planejamento fala em 577 mil, se eu não engano, funcionários públicos da administração federal.
Mas nós temos que incluir aí as empresas estatais. Tem os inativos e tem os ativos.

Com os inativos, com certeza. Daí aumenta.
Então, dois milhões. Muitos deles não têm planejamento, não têm metas, não têm plano estratégico. Tem instituições brasileiras que não têm plano estratégico. Importantíssimo. Tem ministério, e tem Estados e tem municípios. O problema não é somente em nível nacional. O problema da gestão pública da melhoria da governança é um problema nacional. Por isso que esse projeto de nós buscarmos apoio da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Vamos assinar em outubro, já estive falando com eles, já fizemos várias reuniões.

A OCDE, o que é para aquele que não conhece? É a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico Europeu. É a instituição mais avança em termos de governança do mundo hoje. E, buscando esses países mais avançado, buscando novas práticas para a gente implementar no Brasil e replicar isso nos Estados e nos municípios.

Se nós não aperfeiçoarmos o Estado brasileiro, nós não teremos condições de combater a corrupção. E democracia, o fundamental numa democracia é ter o controle, ter a capacidade da sociedade fazer o controle social, saber, através dos meios de comunicação social, através da imprensa, através do Congresso Nacional, através de todas as formas de comunicação, nós termos a capacidade de mostrar o que está acontecendo, para que o coletivo, que é a população geral, o que foi demonstrado isso nas manifestações, esteja vendo o que os governos estão fazendo pensando no todo, na nação como um todo.

Trem-bala. O governo tenta já há algum tempo fazer a licitação do trem-bala e não consegue. Por quê?
Bem, são vários aspectos que estão sendo colocados na dificuldade de poder se executar uma obra tão importante como o trem-bala entre São Paulo e Campinas e Rio de Janeiro. Um dos problemas mais sérios é que a obra tem o valor muito alto, hoje tá em torno de R$ 30 bilhões. Eu fui relator da primeira proposta, começou com um grupo italiano, que veio aqui, depois nós liberamos o primeiro estágio, mostramos onde que estavam os erros para o governo, e o governo recuperou algumas coisas, tentou modificar, fez vários projetos. Mas como o projeto é muito grande, em todo mundo, onde que existem obras desse porte, se o Estado não aportar, ele é deficitário. É difícil encontrar alguma estrutura de trem de alta velocidade no mundo atual que não seja deficitário. O Estado tem que colocar parte dos recursos. Mas por que que não saiu, por que que não saiu? Porque não estão querendo participar as empresas, porque as empresas querem ganhar, querem ter lucro, e a concessão é para 40 anos. Se estabeleceu um preço, o governo se responsabilizaria de fazer uma parte, antes o governo queria que a empresa que ganhasse fizesse tudo, depois o governo mudou...

Qual o principal erro do governo nesse projeto?
O principal erro do governo? É não ter tido uma proposta mais estudada, mais planejada, no início do processo. E está se arrastando. Então agora a previsão é de que seja somente feito para 2020. Ou seja, foi adiada essa semana por mais um ano [a licitação] e nós autorizamos sempre o primeiro estágio, mas condicionando o tribunal a que fosse feito as complementariedades que eram necessárias serem feitas. A proposta do governo seria fazer a parte de infraestrutura e abrir a tecnologia para o setor internacional, que quem se capacitou agora somente foram os franceses. E, portanto, tendo somente um, o governo não quis fazer a continuação da licitação.

O sr. falou dos franceses, é a empresa Alstom que tem interesse, e isso me faz lembrar de um escândalo que eclodiu agora recentemente, que é a formação de cartel para manutenção, instalação de trens e metro em várias cidades. Nesses casos o TCU poderia ajudar aos governos estaduais a conter esse tipo de formação de cartel? Como?
A não ser que a gente faça um trabalho em conjunto com os tribunais de conta dos Estados. Isso é possível, nós estamos cada vez mais nos aproximando dos tribunais de conta dos Estados. Não existia essa aproximação de trabalharmos em conjunto nessa auditoria sobre educação que nós estamos fazendo. E vão fazer sobre saúde. Estamos fazendo também, pela primeira vez, uma auditoria sobre pessoal para ver a evolução de pessoal no Brasil, a necessidade de melhoria de pessoal. Então, nós podemos trabalhar junto com os tribunais de contas.

O TCU está fazendo esse acordo de cooperação para auxiliar especialmente aqueles que não tenham um bom conhecimento sobre auditoria operacional, que é para ver o desempenho do Estado. Ver a eficiência, eficácia. A Constituição contempla isso como uma função do Tribunal de Contas da União.

A hidrelétrica do rio Madeira teve uma notícia relacionada a ela nessa semana, que vem a ser o fato de as turbinas, o sistema de geração, estarem, em certa medida, incompatível com o sistema de transmissão. Vai ser necessário fazer uma adaptação e vai custar muito dinheiro para os cofres públicos, para os contribuintes. Nesse caso, o TCU poderia ter atuado e alertado ao governo sobre essa incompatibilidade?
Com certeza. Eu terei que ver se nós já não atuamos nisso porque tem muitos processos que nós temos dentro do Tribunal. São mais de 20 mil processos em andamento e eu não tenho a capacidade de saber os 20 mil. Mas eu posso avaliar e dar uma olhada se nós já estamos trabalhando.

O sr. tomou conhecimento desse caso?
Tomei conhecimento e, portanto, eu vou dar uma verificada, ver quem é o relator. Nós temos uma estrutura nos 26 Estados. Temos secretaria em todos os Estados e nós estamos trabalhando, então, agora para unificar a nossa estrutura e dividirmos o Brasil em quatro grandes regiões. Por regiões, estamos fazendo o diálogo público, que é a grande novidade do Tribunal. Em todos os Estados. Vamos fazer em São Paulo e vamos fazer agora no Rio de Janeiro em setembro. Já fizemos no Rio Grande do Sul e fizemos na Bahia, unindo toda a região Nordeste, toda a região Sul e Centro-Oeste. Estaremos fazendo na região Sudeste e estamos reunindo gestores para mostrar onde é que estão os erros da administração pública brasileira. Não somente na União, mas nos Estados e nos municípios.

Quanto das penalidades e multas aplicadas pelo TCU efetivamente acabam voltando para os cofres públicos?
Quem faz essa cobrança é a Advocacia-Geral da União. Mas é um percentual baixo em relação ao que nós penalizamos. Nós penalizamos muita gente. Veja só. Seis mil e 800 condenados na última eleição foi a lista entregue ao Tribunal Superior Eleitoral. Muitos ministros, muitos governadores. Muitas vezes a população fala: “Mas não se pune os grandes”. Nós punimos. Nós temos governadores que são punidos. Nós temos ministros que foram punidos. Temos parlamentares. Temos, enfim, todos níveis da administração pública brasileira e, portanto, infelizmente, não é nós que fazemos a recuperação.

Mas, como eu disse anteriormente, R$ 102 bilhões de economia nós fizemos nesses últimos cinco anos. Isso trabalhando preventivamente. Não precisa recolher. Ou seja, a vantagem da melhoria da governança, Fernando, é que se você trabalhar de forma antecipada...

Preventiva.
Preventiva. Isso não precisa buscar o recurso posteriormente que, muitas vezes, se encontra sobrepreço não de R$ 10 milhões, mas de R$ 200 milhões, de R$ 300 milhões. E aí, para recuperar esse dinheiro que é da população brasileira é muito mais difícil.

Deixe eu falar sobre a governança do próprio TCU. O TCU controla os gastos, fiscaliza os gastos do governo. E no caso do TCU. Quem o fiscaliza?
Bem, em relação a essa questão da transparência do tribunal, eu estou tomando uma série de decisões. Inclusive, já comuniquei os ministros. Nós criamos um comitê de transparência do Tribunal de Contas da União formada por ministros. Trabalharemos dentro do corpo interno para publicarmos todas as nossas informações. Já estamos disponibilizando toda a agenda da presidência e cada ministro também está fazendo isso. Eu quero que o Tribunal seja o mais transparente possível. Ou seja, que nós possamos divulgar todas as nossas viagens que nós fizemos em termo de trabalho. Eu tenho viajado muito porque sou presidente da Olacefs, da América Latina, e também do TCU andando por todo o país. E são obras de grande repercussão que nós temos que avaliar junto com os nossos auditores.

Mesmo nessa auditoria do meio ambiente, há poucos dias eu fui a Tapajós, lá em Santarém, ver as reservas, como estão funcionando no meio da floresta, como é que estão funcionando as boas práticas para manter a questão do meio ambiente lá na região da Amazônia. Então, nós andamos permanentemente. Então, o que nós queremos fazer? Dar o máximo de transparência e eu acho que a Lei de Acesso à Informação é um grande avanço para a melhoria da governança no Brasil.

A propósito, a Lei de Acesso à Informação estabelece três classificações para documentos: informação reservada, informação secreta e ultrassecreta. Eu li que, no caso da TCU, há seis categorias: pública, reservada, secreta, ultrassecreta, pessoal e sigilosa. Não seria melhor adaptar à Lei de Acesso à Informação as categorias internas do TCU?
Nós estamos fazendo isso. Nós temos um prazo para isso. O prazo não foi ainda vencido. Nós estamos num trabalho. Uma comissão que está fazendo esse trabalho de classificação de quais informações que nós poderemos liberar.

Porque, veja só, nós estamos fazendo um submarino, que é um submarino nuclear. Tem processos de acompanhamento disso. Vocês estão sabendo que, recentemente, os americanos estão fazendo investigações e espionagem em alguns países com interesses comerciais. Eu estou falando de um submarino nuclear, que eles também têm os seus avanços. Nós estamos em comparação com outros países. Então, tem algumas informações que, estrategicamente, nós não podemos passar porque nós recebemos essas informações e temos o compromisso de sigilo em relação a algumas informações que são estratégicas para a nação.

Mas basta seguir a classificação da lei nesse caso.
Sim. Mas nós estamos fazendo. Mas, para classificar isso, você não faz de uma hora para outra. Veja só, eu falei de 20 mil processos. Então você tem que ver o que é possível ser divulgado e o que não é possível ser divulgado porque você tem...

Mas existem mesmo essas seis categorias internas no TCU?
Olha, eu não tenho conhecimento, mas vou avaliar porque, se foi feito, não foi feito na minha gestão.

Teria que ser adequado ao que prescreve a lei.
Claro. Nós queremos cumprir a lei e essa é a determinação que coloquei para toda a minha equipe.

O sr. falou das viagens. Teve uma notícia recente sobre a cota de R$ 50 mil anuais para cada ministro usar com passagens de avião. Por que essa cota precisa existir e como ela deve ser usada?
Bem, a questão das cotas é uma questão que já existe há muito tempo no Brasil porque foi transferido a capital para Brasília e as pessoas moravam em vários Estados. O STJ tem 33 ministros que vêm de várias partes do Brasil. O STF também tem vários ministros que vêm de várias partes do Brasil. O que eu acho em relação às cotas, eu sou favorável que possamos ter de forma mais transparente possível. Em relação a essa questão das viagens, um dado que nós vamos passar a informar agora, que é uma novidade – eu vou te dar em primeira mão –, todos os destinos e as origens das viagens dos ministros e divulgar todas elas.

A partir de quando isso vai ser divulgado?
Isso será a partir da semana que vem.

E a manutenção da cota é algo que permanece?
A questão da manutenção da cota nós estamos discutindo. Foi criado um comitê para isso com quatro ministros para nós avaliarmos. Porque, se nós tomarmos essa decisão, ela vai ter impacto em todas as cortes do Brasil. O meu desejo é que a gente possa ter o máximo de transparência. E eu entendo que o ministro tem a sua representação. Eu, por exemplo, como presidente, tenho que acompanhar toda a administração pública federal. Nós somos um Estado federativo. Então, você precisa viajar para poder exercer esse teu mandato, para conhecer a realidade.

Há poucos dias, quando eu fui à Santarém, o interessante. Fiquei sabendo que estão sendo feito quatro mil casas lá pelo governo com casas totalmente fora do padrão da Amazônia. Casas, praticamente, um caixote, não é? Sem uma ventilação. Sem um espaço entre a parte térrea, porque lá chove muito, e poderiam ser levantadas as casas. Então, tem muitas coisas que tem que ir no interior para conhecer, sair um pouco de Brasília. Então, nós precisamos, em muitos momentos, estar nas comunidades para conhecer a realidade brasileira.

Tem uma cobrança grande da sociedade em relação aos governos e as vantagens que as pessoas que estão dentro do poder público têm. No caso dos deputados, dos senadores, dos ministros de Estado, do Supremo Tribunal Federal, há muitas vantagens. No caso do TCU, além das cotas das passagens aéreas, os ministros têm carro, motorista, ajuda de custo para moradia, dois meses de férias. O sr. acha que o TCU poderia talvez dar o exemplo e reduzir um pouco esses benefícios ou isso seria desnecessário?
Eu sou favorável à redução. Só que...

Do que, por exemplo?
Em relação a vários. A quase todos os aspectos.

Férias? Férias é uma coisa que pega muito porque o trabalhador comum tem um mês de férias. Mas deputados, ministros, têm dois meses de férias.
Eu vou te confessar. Nesses oito anos que eu estou no Tribunal, eu tenho, mais ou menos, de férias, em torno de 300 dias que eu não tirei. Ou seja, é difícil eu tirar mais que isso.

O sr. sabe que todos os ministros que eu entrevisto sempre me dizem isso e eu acredito. Claro que eu conheço o sr. Veio aqui o presidente do Supremo Tribunal Federal, presidente da Câmara... Todos falam: “Olha, eu tenho, mas eu não tiro” etc. Agora, o fato é que o benefício permanece para muitos outros. Como fazer nesse caso?
Eu sou favorável a diminuir isso. Claro que você sendo favorável, mas isso é uma decisão que não depende só do presidente. E estão entre as medidas que eu estou propondo para essa comissão e para o próprio pleno fazer essas mudanças e essa transparência que eu acabei de citar para você. E, entre esses temas, estão esses temas que você está abordando.

Eu quero avançar. E o TCU tem que avançar porque...

Mas, efetivamente, o que pode ser feito e quando?
Bem, objetivamente eu já coloquei algumas questões. Por exemplo, em relação a uma portaria, dando toda a origem dos locais, aonde viajam os ministros...

Isso começa a valer semana que vem.
Ontem, eu até falei com o ministro do Supremo. Tu vês como essa questão é delicada. E a esse ministro do Supremo... Por esse tempo, eu estava viajando num Estado importante do país, e aí ficaram sabendo. Já tinha quatro, cinco advogados me esperando para tirar uma foto comigo e dizer: “Olha, eu estou resolvendo o seu caso” e tal.

Então, veja só, nós resolvemos tanto no TCU, como no Supremo, situações de bilhões de reais. Tu chegas ao aeroporto. Todo mundo está sabendo que tu estás [lá]. O lobby, a pressão que vai ser feita é muito grande. Assim mesmo, eu sou favorável de nós termos todas as informações transparentes porque você julga bilhões de reais. Não é pouca coisa.

Veja só. O assunto do mensalão, a repercussão que deu. O ministro chega e o interessado quer abordar. Ele viaja de avião comum. Nós viajamos todos em avião comercial. Eu viajo em avião comercial. Então, tem assuntos de grande repercussão. Isso ontem um ministro estava me dizendo. Assim mesmo, eu acho que tem que acabar com uma série de vantagens que nós temos.

O sr. disse que semana que vem o TCU passa  a publicar a lista completa dos destinos das viagens dos ministros.
Todas elas.

Dos funcionários também eventualmente? Ou não?
Sim. Os funcionários também viajam para fazer as auditorias. Nós somos auditores no Brasil. E, agora, nós estamos trabalhando, inclusive, na América Latina para fortalecer o controle externo na América Latina. Como presidente que eu estou da Olacefs.

Tudo isso vai ficar público?
Nós somos auditores no Brasil, e agora nós estamos trabalhando inclusive na América Latina para fortalecer o controle externo na América Latina, como presidente que estou da OLACEFS [Organização Latino-Americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores]. Nós temos que fazer esse trabalho de viagem. Mas temos que prestar contas de tudo isso. E eu sou favorável a prestar contas de forma transparente, publicar tudo isso para que a sociedade tenha conhecimento do que nós estamos fazendo. Até para ver a dimensão do nosso trabalho. Porque muitas pessoas não têm a dimensão do nosso trabalho. Veja só a economia que eu citei, R$ 102 bilhões que fizemos de economia nos últimos anos. Ou seja, conseguimos diminuir a fraude, os desvios no país, então o controle é a base para a sustentação de uma democracia. Sem controle, não existe. Vocês fazem um controle, a imprensa fazer, é muito importante esse papel da imprensa. Nós fazemos um papel, todos nós precisamos melhorar a transparência no Brasil, mas precisamos ter coragem para fazermos essas mudanças. E essas mudanças que você está citando e eu estou citando, que a gente quer fazer, você tem que construir pouco a pouco. Veja só, nós temos várias cortes no Brasil que utilizam isso, eu preciso fazer um convencimento dos meus colegas e fazer um convencimento dos demais que temos que avançar na transparência.

No que diz respeito ao TCU, semana que vem começam a ser publicadas as listas de viagens dos funcionários e dos ministros. E outras mudanças vão ser discutidas, no caso, férias, essas coisas?
Nós estamos com uma comissão, e já discuti isso nos últimos dias com os ministros, numa reunião, já fiz 3 reuniões sobre esse assunto, e faremos mais, e essa comissão vai apresentar um trabalho final sobre os avanços que eu estou propondo para que o TCU possa ter o máximo de transparência possível.

Conflito de interesses. Como resolver esse problema? Muitos ministros do TCU foram políticos, o senhor mesmo, foi deputado, e alguns têm relações com empresas que hoje têm interesses no TCU. Há conflito de interesses no TCU?
Eu acho que o conflito existe em todos os segmentos. Você, como jornalista, com certeza tem amigos também, que têm interesses, como também nós temos relacionamento. Então o que que nós temos que fazer? Eu quando tenho alguma matéria que eu sinto que pode ter esse tipo de interesse, eu me dou por impedido no processo. Simplesmente não relato o processo, não voto, e me dou por impedido. Então acho que é uma forma de você evitar qualquer tipo de especulação. Se dar por impedido é uma posição que cada ministro pode tomar e muitos desses têm feito no Tribunal de Contas de União. E por isso que é necessário, inclusive, aquela questão de você ter uma passagem paga pelo erário para se viajar, para fazer uma palestra de grande interesse para um Estado, e que o TCU posso pagar, e que os demais ministros possam ter a passagem paga. Porque senão aquele que tem interesse, a ter uma faculdade, a ter uma universidade, vai lá e paga uma passagem pro ministro e aí poderá ter o interesse contemplado. É por isso que nós temos que ter um pouco de autonomia para manter algumas questões de autonomia e independência, você precisa dar essa proteção para quem exerce cargo que pune muita gente. Veja só, eu arrumei, ou nós arrumamos no tribunal, 6.800 inimigos agora quando entregamos a lista dos condenados na última eleição pelo Tribunal de Contas, que perderam os direitos políticos por 8 anos. Então você arruma muito inimigo, então tu tem que ter uma certa proteção. Mas isso não significa que tu tenhas que ter muita proteção, nós temos que ter a proteção para exercer o nosso trabalho. Mas não ter vantagens exacerbadas que a população não aceita mais.

Um caso concreto aqui. O ministro Raimundo Caieiro está relatando a auditoria sobre a folha de pagamentos do Senado. Ele veio do Senado, era funcionário do Senado, a mulher dele, Maria José D´Ávila, ainda é servidora do Senado. Há conflito de interesses neste caso?
Tem que avaliar a legislação por parte da decisão, se envolve ou não a esposa dele nessa questão. É um assunto que ele tem que tomar a iniciativa de se dar por impedido, ou se se achar numa situação que não existe esse impedimento, ele relatar a matéria.

Sobre ainda o ministro Raimundo Caieiro, foi notícia recente no jornal, ele teve muitos anos pra fazer uma retificação aí de idade dele, e deixou pra fazer agora a revisão da idade. E por isso vai ficar ter condição inclusive de presidir o tribunal. Ele ficou dois anos mais jovens. Houve um erro formal  no registro de nascimento dele e agora ele fez a revisão. O sr. considera que foi correta essa revisão do jeito em que foi feita?
No interior do Brasil é comum as pessoas, há um tempo atrás quando aconteceu esse fato... Isso era uma coisa comum. Se você perguntar para qualquer pessoa no interior do Brasil, as pessoas registravam seus filhos cinco, seis, dez anos depois. Então ele entrou com um processo na Justiça, a Justiça deu a autorização para que ele fizesse essa mudança. O Ministério Público abriu um processo e já e já arquivou. Ou seja, é decisão da Justiça, então nós não podemos discutir a questão da Justiça porque tanto o Ministério Público quanto a Justiça considerou legal o ato do ministro Raimundo Caieiro.

O Tribunal de Contas da União, uma questão semântica aqui, ele não faz parte do Poder Judiciário. Não obstante, tem o seu nome, essa expressão, essa palavra “tribunal”. Isso às vezes provoca confusão e muitas discussões porque as pessoas não sabem direito, acham que de fato faz parte do Poder Judiciário. Não seria melhor que o nome do Tribunal exprimisse o que de fato o Tribunal é? Que é um órgão de assessoramento do Poder Legislativo? Já pensou nisso?
Nós temos um vínculo de passar informações, de assessorar o Congresso Nacional. Mas nós somos independentes. A Constituição nos dá essa capacidade de, inclusive, fiscalizar o próprio Congresso Nacional. E nós somos eleitos via Congresso Nacional. A mudança que tem em relação aos ministros do Supremo é que os ministros do Supremo o presidente indica e o Congresso referenda através do Senado. Nós somos eleitos via Congresso Nacional numa eleição secreta, diferente de uma indicação do presidente do Supremo. Eu acho que, inclusive, o Tribunal de Contas, no seu formato, os legisladores foram mais sábios porque dão uma autonomia maior para os ministros do Tribunal de Contas da União.

Eu, por exemplo, fui eleito numa eleição com quatro candidatos. Votação secreta de forma independente, sem nenhum partido grande para me apoiar. Eu só tinha em torno de 20 parlamentares do meu partido me apoiando e fui o mais votado. Então, numa votação secreta entre todos os pares. E não podia ser parlamentar. Tem vários casos que pode ser um cidadão. O Fernando, que quer ser candidato a ministro do TCU, se apresenta lá, e poderá ser votado.

Mas o nome “tribunal”. Porque é um tribunal, em certa medida, mas não é do Poder Judiciário.
Um tribunal administrativo. Sim, mas nós somos comparados com todas as prerrogativas do STJ. A Constituição também estabelece isso. Então, a população muitas vezes confunde, mas nós temos, enfim, uma série de atribuições, inclusive penalizações.

O nosso tribunal é um dos mais avançados do mundo hoje em termos de auditoria operacional e auditoria de conformidade. Hoje, que eu conheço boa parte dos tribunais no mundo todo, nosso tribunal é visto como um exemplo em termos mundiais. Nós temos hoje uma série de autonomias que muitos tribunais não têm. Por exemplo, tem alguns países que têm uma controladoria. E o controle quem indica é o presidente para controlar o próprio presidente. Nós somos eleitos via Congresso Nacional e temos autonomia para penalizar o Executivo.

Muitos tribunais ou controladorias que existem em outros países não têm nem capacidade de penalizar. Ou seja, só faz uma recomendação para o Congresso Nacional. Veja só, Fernando. Fazer uma recomendação para o Congresso Nacional. “Isso aqui está errado”. Tu sabes como funciona o Congresso. Tem injuções políticas e interesses. E o tribunal pune muitos parlamentares. Pune ministros. Pune governadores. Na última eleição, nós entregamos listas de governadores que não puderam ser candidatos, de ministros. Portanto, eu acho que o nosso sistema é um dos mais avançados do mundo hoje e, conhecendo o complexo de tribunais que temos hoje em nível internacional, eu posso te dizer que nós somos, sem sombra de dúvida, um dos tribunais com o melhor quadro técnico. Todos concursados. Não existe indicação política dentro do Tribunal de Contas. Não cedemos funcionários e nem recebemos cedência de funcionários de outras instituições para sermos os mais espartanos. Se tu fores lá conhecer o nosso prédio, o nosso prédio não tem luxo. Os nossos prédios são dentro de uma situação de modéstia para que a gente dê o exemplo que a administração pública tem que ter, acima de tudo, um comportamento pensando na população como um todo.

Ministro Augusto Nardes. Muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao portal UOL.
Obrigado a vocês pela oportunidade.