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Leia a transcrição da entrevista de Alessandro Molon à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

19/09/2013 06h00

Alessandro Molon, deputado federal (PT-RJ), participou do "Poder e Política", programa do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 18.set.2013 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Alessandro Molon – 18/9/2013

Narração de abertura: Alessandro Molon tem 41 anos. É bacharel em Direito pela PUC do Rio e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense.

No começo da carreira, Alessandro Molon foi professor de história em escolas municipais do Rio e radialista da Rádio Catedral.

Em 2002, aos 30 anos, elegeu-se deputado estadual pelo PT. Em 2006, foi reeleito com a maior votação entre os petistas.

Alessandro Molon disputou a prefeitura do Rio em 2008. Ficou em 5º lugar. No 2o turno, recusou-se a apoiar Eduardo Paes, que acabou vencendo a eleição com o apoio do PT.

Em 2010, Molon elegeu-se deputado federal. É relator do projeto de Marco Civil da Internet.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha, em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é o deputado federal Alessandro Molon, do PT do Rio de Janeiro.

Folha/UOL: Deputado, muito obrigado por sua presença aqui no estúdio do Grupo Folha. Eu começo perguntando: O sr. é relator do projeto conhecido como Marco Civil da Internet. Teve uma reunião recente com a presidente da República, Dilma Rousseff. O que foi discutido e o que a presidente pediu para o sr. a respeito do Marco Civil?
Alessandro Molon: Fernando, em primeiro lugar eu queria cumprimentá-lo, agradecer o convite, dizer que eu estou honrado por estar aqui e cumprimentar todos os internautas que nos acompanham também.  E dizer que foi uma reunião excelente porque a presidenta pediu uma reunião para tratar dos detalhes do Marco Civil. O projeto é de autoria dela. Foi enviado para a Câmara dos Deputados em 2011. Lá na Câmara dos Deputados foi criada uma comissão especial como manda o regimento interno. Dela eu fui designado relator e nós fomos tratar dos aspectos do Marco Civil que teriam impacto na proteção à privacidade dos brasileiros, sobretudo depois desse escândalo da espionagem, que incomodou muito a presidenta não apenas pela espionagem dos seus contatos, mas também pela espionagem de milhões de brasileiros que tiveram a sua privacidade violada sem nenhuma autorização de ninguém. Isso é inadmissível. Ela, reagindo a isso, queria entender de que maneira o Marco Civil já protegeria as pessoas desse tipo de prática e o que poderia ser aperfeiçoado no projeto de forma a proteger de futuras práticas como essas.

O projeto do Marco Civil está há cerca de dois anos na Câmara pronto, já há algum tempo, para ser votado. Não fosse esse episódio de espionagem norte-americana no Brasil, esse empurrão agora não teria acontecido?
Olha, Fernando. Depois de um ano aguardando a votação do projeto, eu lamento ter que concordar que talvez a votação do Marco Civil fosse ainda mais adiada se não fosse esse escândalo. O projeto já está pronto para ser votado há um ano. Há um ano eu venho pedindo para que a Câmara vote o projeto. São mais de 100 milhões de internautas no Brasil que estão desprotegidos porque nós não temos uma lei que os proteja. O Marco Civil é essa lei e, no entanto, nós fizemos seis tentativas de votação, todas elas frustradas. Duas na comissão especial e quatro no plenário. Felizmente, a Câmara agora terá que votar o projeto infelizmente após um escândalo como esse. Mas agora, com a urgência constitucional, se a Câmara não votar, a pauta fica trancada. É claro que pedir a urgência constitucional para um projeto gera sempre uma tensão entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, porque significa o Poder Executivo, no limite, trancar a pauta da Câmara. Mas, lamentavelmente, se fez necessário.

Foi divulgado uma informação de que o Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff, desejaria que empresas de Internet que oferecem serviços aos seus clientes brasileiros armazenassem cópia dos dados todos no Brasil fisicamente. É real esse pedido? Como ele pode ser incluído na lei e é exequível?
Bom, é real esse pedido. Quer dizer, essa é uma preocupação da presidenta, é uma proposta dela após esse escândalo de espionagem. Ela de fato pediu isso. Os técnicos que trabalham conosco e também nos ministérios estão estudando a melhor forma de incluir isso no Marco Civil e pensando quais são os prós e os contras dessa decisão.

Qual é a sua opinião?
Antes de te dar a minha opinião, só lhe dizer: É possível fazer isso? Sim, isso é factível. No entanto, o governo não quer que essa seja uma regra que seja, digamos, obrigatória para um blogueiro brasileiro necessariamente. Então, nós estamos estudando uma redação que exija eventualmente que apenas grandes empresas internacionais que usam, que exploram serviços no Brasil, guardem cópia desses dados para fazer com que a legislação brasileira, que garante a privacidade ao internauta brasileiro, se aplique também a esses dados também. Porque um dos problemas que diz respeito a esse tema é o problema de jurisdição. Não estão esses dados armazenados no Brasil, sobre ele se aplica a lei brasileira ou não? Para resolver esse problema entre outros, a ideia seria obrigar o armazenamento no Brasil.

Essa pode ser uma medida, dando a minha opinião. Eu não sei se o lugar adequado para isso é o Marco Civil ou, eventualmente, a Lei de Proteção de Dados Pessoais que virá a seguir. Mas esse é um debate que nós ainda estamos fazendo.

O sr. acha que pode ser que seja mais apropriado que essa determinação esteja na lei sobre proteção de dados?
Sim, talvez esse fosse o melhor lugar, digamos assim, para se fazer esse debate. Sobretudo porque teremos um pouco mais de tranquilidade para fazer esse debate. Agora, é possível incluir no Marco Civil? É. Nós estamos estudando e se tivermos um bom resultado desses estuados e desses debates com os técnicos, nós podemos incluir sim no Marco Civil.

Essa medida de armazenar fisicamente os dados no Brasil não vai contra até o espírito mais ou menos universal e global da Internet?  Porque, veja bem, se grandes empresas tiverem de armazenar no Brasil, isso evidentemente que é exequível, elas vão gastar dinheiro, vão ter que ter servidores aqui, enfim, datacenters para armazenar. O mundo tem cerca de 200 países. Então uma empresa, ao invés de ter um datacenter onde guarda tudo, terá que ter um por país. Não parece um pouco longe da realidade esse tipo de exigência?
Olha, depende de para quem seja feita e depende da escala que se vai adotar, sobretudo na regulamentação. Quer dizer, a ideia não seria fazer com que todas as empresas fizessem isso, que empresas brasileiras médias ou pequenas fizessem isso. Se for necessário, inclusive como uma resposta política, a colaboração eventual de empresas transnacionais que tenham colaborado com a espionagem de dados brasileiros, essa resposta será colocado no Marco Civil. É ideal? Me parece que o ideal é que isso fique para a Lei de Proteção de Dados Pessoais. Mas se for necessário colocar, Fernando, nós vamos colocar.

Quais empresas poderiam ser alvo disso? Como é que se faria essa distinção entre grandes empresas, médias empresas? O sr. citou que não vai se exigir de um blogueiro. Como é que se vai fazer essa distinção? O sr. pode dar alguns exemplos?
Olha, essa distinção, sobretudo, deve ficar para a regulamentação da lei. Vai depender da redação do artigo. É exatamente isso que nós estamos estudando nesse momento. A ideia seria pegar as grandes empresas transnacionais que eventualmente tenham colaborado ou das quais se suspeite que tenham colaborado com a violação da privacidade dos brasileiros.

Tem uma nota hoje publicada até na Folha na coluna Painel dizendo que uma opção seria restringir, por exemplos, a bancos que tenham clientes brasileiros que armazenem os dados que são sigilosos aqui no Brasil. Seriam só bancos ou não? Seriam outras empresas também?
É exatamente nesse ponto que nós estamos do debate com os técnicos que estão estudando com a gente, Fernando. Se vamos tratar apenas genericamente de empresas, se vamos tratar, por exemplo, de dados públicos oficiais. Será que faz sentido que dados sigilosos nosso sejam armazenados no exterior? Dados inclusive de responsabilidade do governo. Declarações de imposto de renda. Onde ficam armazenadas? Faz sentido que isso fique armazenado no exterior? Então, há uma série de medidas que nós estamos estudando para pensar em proteger o sigilo e a privacidade do internauta brasileiro, do cidadão brasileiro, do contribuinte brasileiro. Não é apenas do internauta, mas daquele que usa a Internet inclusive para fazer declaração de imposto de renda.

Fala-se muito a respeito de grandes empresas como Google e Facebook, que têm muitos brasileiros que são membros ou têm e-mails dessas organizações, que têm páginas no Facebook. No caso dessas empresas, já há um consenso a respeito de elas terem que armazenar fisicamente os dados no Brasil?
Essa é uma forte possibilidade, Fernando. Mas nós não temos a redação pronta ainda. Eu lhe digo isso com sinceridade. Nós estamos estudando essa redação e avaliando se essa é a melhor redação e pensando as consequências de cada uma das redações. É nesse ponto que nós estamos.

Qual que é a sua opinião nesse momento?
A minha opinião é que a legislação brasileira tem que se aplicar para a proteção de dados de brasileiros que contratam esses serviços no Brasil e que estão tendo a sua privacidade violada inclusive por empresas que exploram economicamente a sua atividade no país, mas que depois em algum momento dizem: “Não, nós não somos obrigados a seguir a legislação brasileira porque nós armazenamos esses dados em outro país. E, portanto, para a proteção desses dados, nós seguimos a legislação de outro país”. Isso não é admissível. Quem está no Brasil para explorar qualquer atividade econômica é bem-vindo, é lícito, mas deve respeitar a legislação brasileira de proteção aos cidadãos brasileiros.

Mas deixe eu problematizar um pouco. O Google ou o Facebook são empresas transnacionais que atuam na Internet. Eles têm escritórios no Brasil, mas eles pode não ter. Eles podem fazer as malas, irem embora, demitir todo mundo que trabalha aqui, fecham, pedem encerramento do CNPJ e vão embora. Eles vão continuar a existir. As pessoas vão continuar a ter o e-mail do Google, vão continuar a ter as suas páginas no Facebook e não haverá um ser humano fisicamente do Google ou do Facebook no Brasil. E daí, como fazer?
E daí que eles vão perder milhões em publicidade.

Não necessariamente. Eles podem receber a publicidade a partir dos escritórios no exterior.
Poder, podem, mas se tem uma certeza, Fernando. Se não fosse economicamente interessante ter escritório aqui, não teriam. Não tenha dúvida disso.

É porque é mais fácil logisticamente. Mas vamos supor que chegue-se num ponto tal que [eles digam]. “Então, está bom. Eu vou embora do Brasil”.

Olha, eu acho mais provável que eles construam um datacenter que representa três dias ou uma semana do seu faturamento do que acabar com a atividade econômica no país.

Isso é uma hipótese, não é?
Sim, sim. Nós estamos falando em hipótese.

Agora, vamos supor que se chegue nessa situação limite. Daí, como fazer? Até porque devem existir empresas hoje que oferecem serviços de e-mail ou de páginas em redes sociais que não estão fisicamente no Brasil. Como fazer com essas?
Pois é. Esse é o ponto que nós estamos tratando da redação desse dispositivo. E por isso, Fernando, eu insisto...

Mas eu queria chegar ao seguinte: Sempre haverá uma empresa no exterior... Uma não, talvez centenas ou milhares, que não estarão fisicamente aqui. Essas estarão sendo beneficiados pelo fato de não estarem aqui. As que vêm aqui, criam empregos, têm escritório, querem atuar na economia brasileiras, elas terão que pagar um preço e ter o datacenters. As outras vão continuar lá fora, vão continuar a oferecer e não vão pagar esse preço. É justo?
Fernando, eu coloco a sua pergunta de outra forma. Eu pergunto se é justo que uma empresa venha a se instalar no Brasil, gere emprego, tenha um amplo faturamento no país e num determinado momento diga: “Eu não sou obrigado a cumprir as leis do país porque eu armazeno os dados que eu colho aqui no Brasil em outro país e eu trato a privacidade dos brasileiros, inclusive dos seus governantes, como eu bem entendo. E vocês não têm nada a fazer a respeito disso”. Imagine que o Brasil respondesse: “Vocês têm toda a razão. Nós não temos nada a fazer. Lamentamos que vocês nos tratem assim e gostaríamos de pedir encarecidamente que vocês pensassem se não podem ser mais generosos, ou gentis, ou delicados com a proteção dos nossos dados”. Isso não é resposta que um país dê diante de um escândalo dessa dimensão. E as autoridades americanas sabem disso. E se tem uma coisa que preocupa os Estados Unidos é o efeito econômico nas suas empresas. Só tem uma coisa que tem preocupado os americanos nessa reação toda: É o quanto isso vai custar para as empresas deles.

Então, em alguma linguagem que o nosso país fale que seja entendido para um país que violou a nossa soberania, nós precisamos falar a nossa linguagem. Não é razoável que, diante de tudo que aconteceu, a presidente da República diga: “Lamento muito, mas é assim mesmo. A Internet hoje em dia é assim e, olha, eu queria comunicar a toda nação brasileira: Vocês não estão protegidos e eu não tenho nada a fazer para proteger vocês.” A presidente não vai fazer isso. O Congresso Nacional não vai fazer isso. Nós vamos buscar, sim, uma maneira de proteger os brasileiros e mostrar que essa proteção é efetiva. Ainda que isso não garanta que não vá ocorrer mais um episódio desse. É claro que nós não queremos enganar ninguém vendendo uma ilusão de que qualquer medida tomada numa lei impeça qualquer ato que eventualmente viole a privacidade novamente dos brasileiros. Mas isso será ilícito a partir da aprovação dessa lei e quem violar a lei responderá aqui no Brasil por isso.

E, por tudo isso que nós estamos conversando aqui, não seria, então, realmente melhor extrair todas essas medidas e fazer uma lei específica ou colocar na lei de dados e não no Marco Civil, que é um outro tipo de legislação?
Olha, pela própria natureza do Marco Civil, Fernando... O Marco Civil é uma lei de princípios sobre a Internet.

Justamente.
Então, pela sua própria natureza, eu acredito que ele não seria o melhor lugar para a inclusão de, por exemplo, medidas de proteção de dados como a criação de datacenters no Brasil.

Então, em tese, você tem razão. Em tese, o ideal para a discussão desse tipo de tema seria a Lei de Proteção de Dados. No entanto, o tempo político é outro. Você sabe disso porque você acompanha política há anos. A Lei de Proteção de Dados sequer saiu do Ministério da Justiça. O Marco Civil está há dois anos na Câmara. Então, vamos pensar quanto tempo essa Lei de Proteção de Dados vai demorar para ser apreciada na Câmara. Imagine o tempo dessa resposta política ser dada em três anos. Daqui a três anos, nós respondemos esse escândalo de espionagem dizendo: “Olha, estamos respondendo aquilo que ocorreu três anos atrás incluindo aqui na Lei de Proteção de Dados uma medida para responder ao escândalo de espionagem de 2013”. Então, talvez isso impeça que se adote a solução ideal, que é deixar esse debate para a Lei de Proteção de Dados. Agora, em tese, faria mais sentido sim colocar esse dispositivo na Lei de Proteção de Dados.

Para o internauta entender – ele que tem uma conta de correio eletrônica, de e-mail, numa empresa qualquer –, em tese, com a aprovação desse dispositivo, talvez no Marco Civil da Internet, ele vai ter segurança de que todos os e-mails que ele enviar por intermédio dessa conta – seja numa empresa multinacional, um Google, ou numa nacional, o UOL, por exemplo – tudo necessariamente ficaria arquivado no Brasil. Ele teria domínio sobre isso e a Justiça, eventualmente, teria acesso no caso de uma ordem judicial. É isso?
Sim. E, sobretudo, ele poderia acionar a Justiça brasileira se a sua privacidade nesse meio fosse violada por alguém sem a sua autorização. E o Marco Civil traz uma série de propostas de proteção à privacidade desse internauta. Então, hoje em dia, se ele acionar a Justiça... Por exemplo, digamos que alguém vá à Justiça reclamando desse escândalo de espionagem dizendo: “Olha, todos os dados que eu botei na minha conta nesse e-mail foram violados e eu quero receber uma indenização por danos morais por essa violação da minha privacidade”. Provavelmente, a resposta que ele vai obter dessa empresa é: “Não há que se discutir a aplicação da lei brasileira para a proteção desses dados porque eles estão em outro país e, portanto, se aplica a lei de outro país à proteção desses dados e a lei do outro país não impede a violação dessa privacidade”.

E daí, para que o internauta entenda, a lei ou a regulamentação dela, ou as duas coisas, terão que deixar bem claro o tamanho das empresas que estarão sujeitas a esse tipo de exigência aqui. Porque, como a gente sabe, a cada minuto é possível abrir uma empresa no exterior e fornecer serviços de e-mail, para ficar no serviço mais simples. Daí, teria que fazer uma distinção, um corte entre o tamanho da empresa, o volume de serviços, é isso? Como é que o sr. acha que isso poderia ser feito? Porque é muito difícil
Isso seria feito na regulamentação, Fernando.

Mas, ainda assim, qual é a sua ideia? O sr., que está há mais de dois anos tratando disso.  Como é que vai fazer uma linha de corte para isso daí?
Eu estou tratando disso há mais de dois anos, mas essa questão do datacenters é nova, não é? Então por isso nós ainda estamos estudando e ouvindo todas as opiniões. Inclusive, Fernando, em relação aos pontos contrários a essa proposta. Eu quero insistir nisso. Quer dizer, nós estamos avaliando os prós e os contras também dessa proposta.

O sr. já ouviu algum argumento contrário que seja sólido e respeitável?
Sim, já ouvi vários argumentos contrários que são sólidos e respeitáveis. Há uma série de pontos de vista de pessoas que trabalham no Brasil que acham que essa não é a melhor solução para a proteção dos dados pessoais.

Quais seriam? Essas pessoas, certamente, devem ter soluções diferentes. Que soluções elas oferecem?
Na verdade, o argumento mais usado é de que isso não resolve o problema de espionagem. Isso é um fato. O problema é que essa proposta não se destina a impedir a espionagem. Ela não impede a espionagem porque não há como proibir, Fernando, de armazenar esses dados também em outros países. A exigência de armazenamento dos dados no Brasil não significa a proibição do armazenamento desses dados [em outro países].

E a espionagem pode ser feita lá fora.
Pode ser feita lá fora. No entanto, estando esses dados aqui no Brasil, nós podemos acionar a Justiça em relação à violação da privacidade desses dados que estão armazenados aqui no Brasil e foram espelhados lá fora porque o contrato que foi assinado pelas pessoas foi assinado aqui no Brasil. Então, esse é um argumento razoável de quem diz: “Olha, mas isso não vai resolver o problema da espionagem”. Contra o qual se coloca esse ponto de vista de que, na verdade, embora não resolva o problema da espionagem, dá ao cidadão brasileiro um instrumento para reclamar dessa violação.

Do melhor de seu juízo, a esta altura, como é que vai ser essa linha de corte para definir qual tipo de empresa, de qual natureza, teria que ficar sujeita a esse tipo de exigência, de guardar os dados?
Certamente vai depender da capacidade econômica da empresa, não é razoável se exigir de uma empresa, por exemplo, que está começando que ela tenha um investimento dessa monta, isso significaria impedir uma startup, inviabilizar uma startup, não é essa a ideia. Então certamente dependeria da capacidade financeira, do porte da empresa, e da quantidade de brasileiros atendidos por essa empresa. Da amplitude da oferta desse serviço para nacionais.

Então, tamanho econômico e amplitude dos serviços oferecidos seriam critérios?
Por exemplo. Acho que seriam critérios razoáveis. Mas nós estamos analisando.

Empresas grandes e que atendem número grande de brasileiros teriam que, talvez, ficarem sujeitas a essa regra?
Possivelmente.

Agora, como que o brasileiro, o cidadão, ao assinar um serviço de e-mail, iria saber, “hm, vou assinar o dessa empresa porque ela tem o datacenter no Brasil. Essa daqui eu não vou assinar o e-mail dela porque ela não tem”. Como ele seria informado disso?
Bom, certamente através da internet ele poderia ser informado, inclusive ao adquirir esse serviço.

Teria que haver um trabalho de informação proativa, digamos, essas empresas teriam que informar na hora em que a pessoa contrata o serviço. “Olha, atenção, você está assinando esse serviço, nós não temos datacenter no Brasil, esse e-mail não fica sujeito às leis brasileiras”. Teria que falar isso?
Talvez essa fosse uma possibilidade. Seria uma coisa simples né, de divulgar, de comunicar quais seriam as empresas. Até porque, Fernando, esse corte não seria um corte que pegaria milhares de empresas. Pegaria talvez algumas empresas, talvez dezenas de empresas. Provavelmente as empresas mais usadas pelos brasileiros. Empresas que são muito utilizadas, seja para criação de perfis em redes sociais, seja para utilização de e-mails gratuitos.

Estamos falando de duas aí.
Não, talvez pudéssemos contar em duas mãos as empresas que entrariam nisso.

Cite algumas, por exemplo.
Não, lei a gente faz geral, a gente não faz específica, né.

Mas o sr. está mencionando, basicamente, rede sócia é Facebook, que é o mais popular, e e-mail, que é o Google, que tem o Gmail, não é isso?
São dois exemplos, mas há outros exemplos e acho que não me cabe citar nominalmente as empresas, porque poderia parecer também alguma coisa especificamente contra uma delas. A ideia não é essa. A ideia é fazer uma lei que proteja os brasileiros. Eu invirto o ponto de vista, Fernando. Quer dizer, imagina um brasileiro que se sente desrespeitado na sua privacidade vai à Justiça, e a  resposta que a Justiça dá é: “Lamento, não posso fazer nada”.

Mas eu contratei uma empresa que está sediada no Brasil, eu contratei esse serviço em português, eu assinei termo de uso em português, tem escritório deles aqui, e o poder público brasileiro, o Estado brasileiro, me diz que não há nada o que fazer? “Lamentamos muito, mas não há nada o que fazer, quem sabe você não usa o e-mail de uma outra empresa, de uma empresa brasileira, e torce pra ela guardar os dados aqui, pros dados também não serem armazenados lá fora,. Não é razoável isso, alguma resposta tem que ser dada a isso.

O sr. falou um pouco de custo, tem uma ideia do custo disso para as empresas?
Depende do tamanho da empresa e do tamanho do datacenter, mas eu te diria que para algumas dessas empresas que você citou a construção de um datacenter representa no máximo uma semana de faturamento. Uma semana de faturamento, num ano, pra construir o datacenter. Só pra lhe dar um exemplo. Quer dizer, não é nada proibitivo, não é nada que uma empresa dessas não possa dizer “nós vamos ter que fechar as portas aqui no Brasil”, disso você pode ter certeza. Vamos continuar discutindo se é a melhor saída, se é o melhor lugar, mas tenha certeza de que uma exigência dessa não vai inviabilizar a atividade de nenhuma dessas empresas no Brasil.

Outra coisa que tem se dito também é sobre a necessidade de haver comunicação segura, com o tráfego da internet circulando apenas no Brasil, uma informação no Brasil ter que trafegar apenas por aqui. Isso não vai estar abordado no Marco Civil, esse tipo de exigência, de ter a rede própria brasileira, como já ouvi alguns ministros falando?
Não, Fernando, realmente essa proposta me parece uma proposta equivocada, eu acho que não é uma boa saída, isso implicaria mudar o funcionamento da internet, portanto não me parece que possa ser adotada nem no Marco Civil, nem em nenhuma outra lei. Essa proposta está sendo discutida, está sendo analisada, ela foi de fato feita, e nós estamos conversando com os técnicos...

Como é essa proposta?
É uma proposta que o tráfego de dados entre um remetente e um destinatário brasileiro fique no Brasil. Isso contraria o próprio espírito da internet, a própria forma como a internet funciona. De fato essa proposta eu acho que é uma proposta bastante equivocada.

Sem contar que o custo disso seria astronômico, né, porque o Brasil teria que construir uma rede própria, de fibras óticas, para atender tudo isso, ter os seus próprios nós de internet...
O problema não é só o curso, esse custo terá que ter enfrentado por quem quer explorar comercialmente a internet. Os provedores de conexão têm que investir mais, sobre isso não há a menor dúvida. Eles investem pouco, por isso a qualidade da internet brasileira é muito ruim. A  internet brasileira é muito cara. Então, sobre isso, eu não nenhuma dúvida de que tem que ter investimento, e muito investimento, porque a gente paga muito e recebe pouco. Agora, a maneira de se fazer isso não é restringir o tráfego de dados entre brasileiros, à rede brasileira. Essa não é a maneira de se garantir esses investimentos. Não é, nem de longe, a melhor maneira.

De ficar possivelmente fora do Marco Civil esse tema, então?
Sim.

O sr. acha que se o Marco Civil tivesse sido aprovado com essas medidas a respeito de datacenters no Brasil isso teria inibido as agências de espionagem nos Estados Unidos a fazer, cometerem esses atos de espionagem, como a gente acabou conhecendo agora?
Eu vou te responder de outra forma, Fernando. Eu acho que toda vez que houver um ato de violação da nossa soberania que mereça uma resposta firme, dura, do Brasil, que represente inclusive custo para as empresas desse país que violou nossa soberania, certamente vão pensar duas vezes em violar nossa soberania, se isso significar perda de recursos para as empresas desses países.

Ou seja, está relacionado a uma questão econômico-financeira?
Não, não é econômico-financeira, é uma resposta política a um problema político. O impacto dessa resposta é econômico-financeiro.  Infelizmente, muitas vezes a única linguagem que se entende é a linguagem econômico-financeira. Mas a resposta é política, a um problema político. É uma decisão política que está sendo tomada, que eventualmente será tomada, não sei se no Marco Civil ou na lei de proteção de dados, mas é um problema político, e portanto sim, se houver isso, eu tenho certeza que vão pensar duas vezes antes de fazer de novo.

Será que o espião, que está lá naquela agência, que consegue entrar numa rede, de uma forma ou outra, vai realmente ponderar esse argumento antes de fazer espionagem?
Eu lhe diria que a reação das autoridades americanas, de preocupação, só surgiu quando ficou claro que isso representaria perda de recursos para as empresas americanas.

Vamos falar de neutralidade da rede. Como é que o sr. definiria de uma maneira bem direta e objetiva esse conceito que tem sido muito debatido para uma pessoa leiga entender?
Faz uma pergunta mais fácil, Fernando. Essa é a pergunta mais difícil da entrevista. Porque explicar neutralidade da rede de forma simples, não é fácil. A neutralidade da rede é exigir que a rede trate os pacotes de dados que trafegam por ela... Pela rede, pelas fibras óticas, trafegam pacotes de dados como se fosse caixinhas de Sedex. Em cada um deles, um pedaço, eventualmente, de uma informação porque eles vão divididos, digamos, eles não vão por inteiro. Esses pacotes vêm de um lugar, vão para outro lugar e eles têm um conteúdo. A neutralidade da rede significa proibir que nessas fibras óticas se discrimine, se trate pior, ou melhor, um pacote de dados, ou seja, faça ele andar mais rápido ou mais devagar, digamos assim, dependendo de onde ele venha para onde ele vá ou o que ele contenha. Então, proibir isso é garantir a neutralidade da rede. Uma rede neutra é uma rede que não discrimine os pacotes de dados dependendo de onde eles venham, para onde eles estão indo ou do que eles contenham. É basicamente isso.

Deixe eu problematizar aqui. As telefônicas, as operados que são mais refratárias ao conceito, defendem a possibilidade – ou defendiam até com mais vigor antes, agora não sei como é que está a situação – de venderem pacotes diferentes de acesso para os consumidores. Então, o consumidor que quer acessar mais sites em que tem vídeos, em que ele usa o sistema de voz sobre IP, que ficou muito popularizado pelo Skype, que é fazer ligações telefônicas por meio da Internet, essas pessoas pagariam um valor diferente do que aquelas que apenas, digamos, querem acessar o e-mail e ler uma notícia na Internet. Esse tipo de diferenciação atentaria contra a neutralidade da rede. É isso?
Exatamente. Atentaria. Se eu estou pagando por 10 mega, eu quero usar os meus 10 mega para o que eu quiser. Não tem o meu provedor de conexão o direito de dizer: “Não, esses seus 10 mega, Molon, são só para e-mail. Mas não assista vídeo no Youtube ou não use o Skype”. Isso é uma violação da neutralidade. Então, se eu pago por 10 mega, eu uso os meus 10 mega para a finalidade que eu quiser. Então, a neutralidade proíbe que eles fatiem, que os provedores de conexão tendem vender a Internet para nós fatiada. Ou seja: “Não, se você quiser 10 mega só para lei e-mail, R$100. Se você quiser 10 mega para usar e-mail e usar rede social, R$150. Se você também quiser baixar música, R$ 200 por mês. Se você quiser assistir vídeo no Youtube, R$ 250. Se você quiser usar o Skype, R$ 500, porque aí você concorre com o meu negócio principal, o negócio das telefônicas, que é a venda da ligação”.

Agora, para ir numa outra camada de problematização. As teles hoje, em geral, as empresas que vendem o serviço, elas vendem o pacote que tem dois itens básicos. Um é a velocidade, que quase nunca é entregue no seu valor nominal, e vendem também um limite de dados que podem ser subidos ou baixados, que poder ser feitos uploads ou download desses dados. Por exemplo, 90 gigas, 100 gigas por mês. Quando o internauta, o consumidor, atinge esse limite de upload ou download, a velocidade baixa. Esse tipo de pacote também atenta contra a neutralidade da rede?
Olha, diretamente não. Diretamente não atenta. Porque na quantidade de dados que você vai baixar até atingir o seu limite independe do tipo de dado que você está baixando. Agora, é claro que, se o limite é muito pequeno, em alguma medida você não vai conseguir baixar, a partir de um certo momento, qualquer conteúdo. Houve uma proposta de que se inserisse essa previsão de permissão de vendas de franquia de dados, que é exatamente esse modelo de negócios que você citou e...

É o que está em vigor hoje na maioria das operadoras, não é? Se eu não me engano, é isso.
Sim, me parece que, sobretudo, na Internet móvel. Embora haja operadores que já [vêm] oferecendo esse tipo de serviço ou vendendo Internet banda larga dessa forma também. Mas houve uma proposta que se colocasse no Marco Civil que esse tipo de venda não atentava contra a neutralidade e a presidenta foi muito firme em se colocar contra essa proposta.

Ou seja...
Ou seja, a presidenta não quis que ficasse positivado, explícito no Marco Civil, que isso atenta contra a neutralidade da rede...

Que isso não atenta.
Que isso não atenta contra neutralidade.

Se ela se posicionou de maneira firme contra explicitar que não atenta contra a neutralidade de rede, isso significa que se o texto nesse trecho – que, se eu não me engano, é o artigo 9º, não é isso? – mantiver a redação atual, possivelmente, então, isso será proibido quando o Marco for aprovado? Ou não?
Na verdade, o que me parece que a presidenta quis dizer é que o Marco Civil não é lugar para se colocar modelo de negócios. Não é lugar para se positivar, para se tratar como lícito ou ilícito determinado modelo de negócios.

Mas, do jeito que está escrito, tem uma palavra ali onde fala sobre a neutralidade da rede que inclui a palavra “serviço”. Se eu não me engano, é o termo que seria ambíguo a ponto de não deixar claro se isso pode ou não pode - esse tipo de pacote de dados que limita a velocidade e total de dados baixados ou subidos. Na sua avaliação – o sr. é o relator – aprovado o texto tal como está, consumidores poderão questionar esse tipo de serviço que contrataram?
Eu tenho dúvida, Fernando. Com toda sinceridade. Porque essa palavra "serviços” tinha por objetivo evitar que fosse oferecido ao consumidor essa distinção entre serviço. Internet só para e-mail, Internet para e-mail e vídeo. Essa era a intenção original.

Pois é. Mas a intenção original é uma, mas como a palavra não é...
Unívoca.

...Unívoca, então, na sua avaliação, abre-se um espaço no terreno da ambiguidade para que consumidores questionem esse limite de dados pra subir ou baixar da Internet?
Sinceramente, eu tenho dúvida, Fernando.

Por quê?
Porque, na verdade, a redação original dessa palavra não tinha essa intenção na fundamentação da proposta.

Mas não era melhor, então, já que está se fazendo a lei, não deixar como ficou no regimento interno do Supremo [Tribunal Federal] e depois ninguém sabe se vale ou não vale o embargo infringente? Deixar claro já que vale para uma coisa e não vale para outra?
Esse é que é o problema.  Foi feita a proposta de que se colocasse que valia. Ou seja, de que é permitida a venda de franquia de dados. E houve uma reação, quer dizer, uma série de entidades, inclusive de gente do CGI [Comitê Gestor da Internet], dizendo: “Olha, o ideal é não colocar modelo de negócios aqui”. Inclusive de gente que é contra esse modelo de negócios.

O sr. está me dizendo que o Brasil está prestes a ter uma lei muito importante e que conterá um trecho ambíguo que vai ser dirimido pela Justiça.
Veja bem, Fernando. Não há lei que não admita várias interpretações. Eu desafio você a apresentar uma.

Mas como a gente sabia antes de aprovar, é melhor tentar consertar.
Mas, veja bem, o direito é interpretação sempre. Porque se não fosse interpretação, nós não precisaríamos nem de juízes, nem de advogados, nem de Justiça. Colocaríamos num computador que diria é isso ou não é. Então, isso é parte inerente do direito. O problema é o seguinte: Quando se colocou essa palavra “serviço”, a intenção original era evitar distinção de e-mails, vídeo, música, etc. etc. etc. Tentou-se positivar, tentou-se colocar na lei a permissão para venda de franquia de dados. A presidenta disse: “Não aceito que se coloque essa permissão”. Ou seja, ela diz: “Não quero que o Marco Civil consolide um determinado modelo de negócios”.

Eu queria te perguntar agora sobre a retirada de dados de um determinado provedor quando alguém reclama. Uma dúvida e uma discussão ainda sobre esse ponto. É   justo um provedor apagar um conteúdo postado por um usuário do serviço sem que haja ordem judicial para isso?
Eu queria lhe contar a história do Marco Civil desde o começo. A primeira proposta colocada em consulta pública e que apanhou bastante da imprensa admitia o modelo de notificação e retirada para tudo. Ou seja, você postava no seu perfil numa rede social um comentário desairoso a meu respeito – claro que eu estou imaginando apenas em termos de hipóteses, espero que não ocorra, né, Fernando? –, eu reclamaria dizendo para a rede social que você estava atingindo a minha honra, digamos que eu entendesse que a minha honra estava sendo atingida, e a rede social tiraria. Esse era o modelo proposto inicialmente.

E a imprensa reagiu corretamente dizendo: “Isso pode levar a um modelo de censura privada”. Então saímos desse modelo e o projeto já foi enviado para o Congresso no modelo oposto, que é o da exigência de ordem judicial. Ou melhor, nem de exigência. Isso é importante que fique bem claro – se alguém postar um comentário, por exemplo, racista numa rede social e eu notificar a rede social dizendo que há um comentário racista de um usuário e a rede social entender que deve tirar porque não faz parte da sua política e seus termos de uso, da sua política interna, a permissão para comentários racistas, ou nazistas, ou seja lá o que for, ela poderá continuar tirando. Não há a exigência da ordem judicial. O que há é: Se a rede social decidir não tirar, ou o seu blog que admite comentários, ou no UOL, em que alguém pode comentar uma reportagem, o UOL, se ler a notificação e entender que ela não deve ser acolhida, ele tem segurança jurídica para manter aquele comentário até que a ordem judicial venha e determine a sua retirada.

Então, é nesse ponto que estamos. A regra geral é: Só se pode retirar... Ou seja, não é que só se pode. Eu mesmo preciso me policiar para não cometer um erro. Se o provedor quiser manter o comentário mesmo que tenha recebido notificação contrária, ele não corre risco de ser condenado até que venha ordem judicial que determine a retirada do conteúdo.

E a responsabilização pela publicação da informação é solidária entre aquele que publicou e o provedor? Ou não? Como ficou esse aspecto?
Não, agora não. Agora é apenas... Quer dizer, essa é a chamada inimputabilidade do meio. Com essa regra da ordem judicial, a regra passa ser que a responsabilidade é de quem publicou e só passa a ser do provedor que tornou aquele comentário disponível a partir do momento em que ele recebeu ordem judicial mandando tirar e não tirar. A partir dali, ele passa a responder. Até ali, não.

Como hoje não há lei, o risco é enorme. Quer dizer, hoje em dia um juiz pode eventualmente entender que a responsabilidade é solidária desde o momento em que o comentário foi publicado.

Como determinar em alguns casos a exata autoria e o direito autoral daquela informação publicada, que está sendo questionada? Porque às vezes isso não é possível.
Às vezes não é possível, Fernando. Realmente esse é um problema que nós temos hoje em dia porque a tecnologia permite que alguém se identifique de uma forma e seja outra pessoa. Agora, o Marco Civil traz um mecanismo pra tentar chegar a essas pessoas, que eventualmente publiquem, vamos supor, uma acusação grave, uma calúnia...

O comentário em um blog, aqueles comentários curtos que as pessoas colocam. Em geral, se for necessário identificar com nome, endereço, CPF, etc, vai inviabilizar aquele tipo de comentário...
Certo.

Por outro lado, se não se fizer isso, vão haver ainda muitos comentários anônimos. Esses comentários anônimos, como seriam responsabilizados judicialmente? Porque o provedor não será responsabilizado. A pessoa não é encontrada. Daí, como faz?
A solução é usar o IP, que o Marco Civil determina que seja guardado por um ano pelos provedores de conexão.

A pessoa fez a partir de uma lan house.
Você tem razão, isso não resolve todos os problemas. Da mesma forma que a gente também tem o risco, hoje em dia, de alguém ligar pra fazer uma ameaça, ou tentar uma extorsão por sequestro de um orelhão. O orelhão pode continuar sendo usado para isso, e nem por isso a gente exige CPF para que alguém use um orelhão. Quer dizer, há limites. Existe um equilíbrio difícil de ser alcançado entre liberdade e segurança. É esse equilíbrio que a gente busca a todo o momento. Agora, ele nunca é perfeito.

Em maio deste ano foi feito o regulamento do serviço de comunicação multimídia pela Anatel. E toca em vários aspectos que são também mencionados aí. Por exemplo: armazenamento de logs, que são os registros, neutralidade, natureza jurídica do serviço de conexão, IP, etc., legitimar a possibilidade de redução da velocidade em caso de consumo de pacote de dados contratado. Isso tudo, essa regulamentação não se sobrepõe ou conflita até com alguns tópicos do Marco Civil?
Pois é, Fernando, eu acho que...

O sr., evidentemente, esta a par desse...
Claro. Como não existe espaço vazio em política, na medida em que o Congresso vem se omitindo de aprovar uma lei, e está há um ano com uma lei pronta pra ser votada e não vota, os outros, digamos assim, atores desse cenário vão ocupando esse espaço, vão se alargando, vão se tornando mais espaçosos. É por isso que eu acho que é a hora da Câmara aprovar o Marco Civil.

Como se trata de uma lei, se a lei for editada e ela conflitar com alguma coisa dessa regulamentação, do serviço de comunicação multimídia que foi feita pela Anatel, ela se sobrepõe a essa regulamentação?
Sem dúvida nenhuma. Não há a menor dúvida sobre isso. Aliás, em alguns momentos, quando houve algumas divergências em relação ao papel de cada um, nós lembramos que, no fundo, foi o Congresso que criou a Anatel. A própria Anatel existe por lei, as atribuições da Anatel foram definidas em lei. Portanto, cabe em primeiro lugar essa palavra ao Congresso. E naquilo que couber a regulamentação, a fiscalização, cabe à Anatel.

Para muitos, o Comitê Gestor de Internet tem um modelo de governança muito bom. Algumas pessoas acham isso, muita gente acha. Tem uma carta de princípios, que se chama decálogo, e soluciona muitas das questões aí já tratadas ou que vão ser tratadas pelo Marco Civil. Seria viável legitimar o CGI como entidade qualificada pra tratar do assunto e ratificar sua carta de princípios no Marco Civil?
Fernando, eu sou um grande admirador do CGI, e eu acho que nós precisamos fortalecer o CGI. O CGI existe por decreto, no meu entendimento ele deve existir por lei, nós precisamos fortalecê-lo.

Mas no momento ele não está sendo legitimado pelo Marco Civil.
Não, eu inclusive tentei avançar mais, eu tentei botar o próprio CGI no Marco Civil, para que ele fosse ouvido na regulamentação das exceções da neutralidade, que será feita por decreto, pela presidente da República. No entanto, isso não foi possível. Mas eu acho que a própria reunião da presidente com o CGI, recentemente, eu acho que foi um sinal de prestígio do CGI, do prestígio que o CGI tem com a presidente da República. Eu acho que é um órgão admirado no Brasil e fora do Brasil, eu acho que nós precisamos fortalecê-lo e dar cada vez mais atribuições para o CGI.

Mas há tempo ainda de inclui-lo, de alguma forma, de maneira mais robusta na lei do Marco Civil, ou não?
Eventualmente sim, mas como isso pode significar até mesmo a criação de cargos, isso precisaria ser feito em comum acordo com o Poder Executivo, pra não incorrer em vício de iniciativa, quer dizer, eu não posso criar cargos para outro poder, então esse que é o problema.

Na conversa que o sr. teve com a presidente Dilma Rousseff esse não foi um tema?
Nós falamos do CGI.

Mas sobre essa hipótese?
Não, sobre essa hipótese não chegamos a falar.

Preciso fazer algumas perguntas de política para o sr.
Pois não.

O PT deve romper com o PMDB no Rio de Janeiro no ano que vem, 2014, e ter candidato próprio ao governo do Estado do Rio?
Não, eu acho que o PT deve romper com o PMDB em 2013, esse ano ainda. Eu acho que o PT já passou da hora de sair do governo do Estado, é um governo que nos afasta de nossa base social. O PT no Rio de Janeiro vem diminuindo, inclusive pela falta de uma cara, de uma visibilidade, de candidatura própria. Por isso eu espero que ele rompa o quanto antes, saia do governo e tenha candidato próprio em 2014.

Quem deve ser o candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro em 2014?
O nome natural é o nome do senador Lindbergh [Farias], que foi o senador mais votado nas últimas eleições, que quer disputar e acho que está no momento mais oportuno possível pra disputar a eleição do governo do Estado.

O sr. pretende disputar mais um mandato de deputado federal?
Provavelmente sim, ainda não tomei essa decisão, mas é provável que sim.

No plano nacional o PT é aliado do PMDB, tanto que a presidente Dilma, é do PT, e o vice-presidente da República,  Michel Temer, é do PMDB. No plano nacional, o sr. recomenda também a mesma atitude que seria tomada no Rio, ou a aliança, no plano nacional, entre PT e PMDB deve ser mantida?
A governabilidade exige que o PT tenha aliados, dentre eles o PMDB, pra conseguir governar o país e pra ter maioria no Congresso, isso é indispensável.

Mas a aliança eleitoral deve ser mantida com o PMDB?
Eu acho que sim, acho que a aliança eleitoral pode ser mantida, mas nós precisamos qualificar essa aliança. Há pouco tempo o ministro Tarso Genro esteve aqui e eu sigo a mesma  linha que ele, eu acho que é preciso qualificar essa aliança e deixar claro quais são os termos dessa aliança, qual é o projeto que nós vamos defender no próximo mandato da presidente Dilma, pra evitar divergências que surgem no próprio Congresso, repetidamente.

Deputado federal Alessando Molon, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S. Paulo e ao UOL.
Eu que agraço. Quero agradecer a oportunidade e dizer eu que eu estou a disposição para voltar aqui quando for necessário.