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Índios não podem garimpar sem autorização do poder público, diz STF

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

23/10/2013 18h44

Ao analisar nesta quarta-feira (23) os recursos do julgamento sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, realizado em março de 2009, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu que comunidades indígenas precisam de autorização da União e do Congresso Nacional para fazer garimpo. Além disso, a Corte entendeu que as terras indígenas existentes não podem ter sua área aumentada e que a União não precisa pedir autorização para os índios para executar ações de interesse nacional dentro das terras.

No julgamento de 2009, que culminou com a demarcação contínua da terra Raposa Serra do Sol e a saída imediata de não índios, a Suprema Corte estabeleceu 19 condicionantes para demarcações de terras indígenas. Desde então, o Judiciário e os órgãos responsáveis por demarcações conviveram com a dúvida se as regras valem apenas para o caso de Raposa Serra do Sol ou devem ser aplicadas a todos os processos demarcatórios e a terras já existentes.

Nesta quarta-feira (23), a Corte decidiu que as condicionantes se aplicam apenas à Raposa Serra do Sol e não podem ser tratadas como lei, uma vez que não cabe ao Supremo legislar. “As condicionantes fazem coisa julgada no presente julgamento, mas não têm força vinculante formal para além do caso decidido”, afirmou o relator, ministro Luís Roberto Barroso, que substitui o ex-ministro Ayres Britto, relator do julgamento em 2009, hoje aposentado.

Sobre o garimpo, Barroso entendeu que a atividade só pode ser feita sem autorização do poder público quando estiver associada a "formas tradicionais, mais primitivas, de extrativismo".

O relator foi seguido por todos os ministros, exceto por Marco Aurélio Mello e o presidente da corte, Joaquim Barbosa, que entendeu que o Supremo, no julgamento do caso, “extrapolou, estabeleceu parâmetros abstratos e completamente alheios ao que foi proposto na ação”. “O tribunal agiu como legislador.”

Regras do Supremo

Entre as condições estabelecidas em 2009 estão o impedimento da ampliação de terras já existentes; a garantia de que a União tenha livre presença, inclusive com as Forças Armadas e a Polícia Federal, na terra indígena, sem consulta às comunidades; a proibição do garimpo por índios sem autorização prévia do poder público; a permissão à União em explorar riquezas minerais e energéticas sem consulta aos indígenas.

Em seu voto, Barroso fez uma ponderação ao afirmar que, embora as condicionantes não tenham força de lei e sejam determinantes apenas para Raposa Serra do Sol, podem servir de parâmetro para demarcações e decisões judiciais. “Embora não tenha efeito vinculante (...), o acórdão ostenta a força intelectual de uma decisão da mais alta Corte do país.”

Isso significa que o Supremo entende que, embora as condicionantes não devam ser vistas como determinantes nas demarcações de terra, os órgãos do governo e a Justiça devem se guiar por elas quando tratarem do assunto. Ou seja, o Estado não fica obrigado a seguir as condicionantes, mas ao não considerá-las nas demarcações, corre o risco de ter o processo demarcatório invalidado na Justiça.

No ano passado, a AGU (Advocacia Geral da União) publicou, com base nas condicionantes, uma portaria para orientar demarcações de terras. A portaria foi suspensa até a decisão do STF sobre as condicionantes. Caso a Corte decidisse hoje que as 19 regras eram válidas a todas as terras, a AGU orientaria os órgãos responsáveis pelas demarcações a segui-las.

Embargos de declaração

Na sessão de hoje, o STF analisou sete embargos de declaração, tipo de recurso para apontar contradições, omissões ou obscuridades no acórdão, documento que resume o julgamento. Além da PGR, apresentaram embargos o Estado de Roraima, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o ex-senador Augusto Botelho (sem partido-RR), comunidades indígenas e até a Ação Integralista Brasileira, organização fundada na década de 30 por Plínio Salgado.

Entre as questões que os embargantes disseram que não estão esclarecidas está a presença de não índios ou de miscigenados, de missionários cristãos e templos religiosos dentro da Raposa Serra do Sol; o trânsito de não índios em vias públicas que cortam a terra; e a oferta de serviços públicos de educação e saúde. Todos os recursos foram rejeitados pela maioria dos ministros porque, na avaliação deles, já foram tratados no acórdão.

No entendimento do relator Luís Roberto Barroso, que foi seguido pela maioria dos magistrados, a presença de não índios e miscigenados não está vedada, uma vez que, segundo ele, é o aspecto “sócio-cultural”, e não ou “genético”, que define esta questão.

“Pouco importa quantos ancestrais índios a pessoa tenha (...) o que interessa é a sua comunhão com o modo de vida tradicional com os índios da região”, afirmou Barroso. Para o relator, a mesma lógica vale para a presença de missionários e templos não indígenas. A decisão sobre a presença de não índios, para Barroso, cabe às próprias comunidades.

Quanto às escolas e demais serviços públicos, a Corte entendeu que estes devem ser prestados com acompanhamento da Funai (Fundação Nacional do Índio). Sobre o uso de vias públicas, o STF decidiu que os índios não podem cumprir papel de polícia e impedir ou cobrar pedágio de transeuntes que utilizem vias públicas.

Todos esses entendimentos são obrigatórios apenas para Raposa Serra do Sol, mas, para o Supremo, devem servir de parâmetro em outras terras indígenas e em processos demarcatórios futuros.