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'É preciso abrir arquivos da ditadura para que não haja mais Amarildos', diz ex-preso político

O Jornalista, escritor e ex-preso político Cid Benjamin - Divulgação/TV Cultura
O Jornalista, escritor e ex-preso político Cid Benjamin Imagem: Divulgação/TV Cultura

Do UOL, em São Paulo

11/11/2013 23h51

O jornalista, escritor e militante da luta armada durante a ditadura, Cid Benjamin, afirmou nesta segunda-feira (11), em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que é preciso esclarecer os crimes praticados pelo Estado durante o regime militar para evitar que ocorram episódios como o do pedreiro Amarildo Souza, que, segundo o Ministério Público, foi torturado e morto por policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, no Rio de Janeiro.

“É preciso abrir esses arquivos, trazer à tona o que aconteceu para que não haja mais Amarildos. Se essas coisas [da ditadura] tivessem sido resolvidas, talvez o pedreiro Amarildo não tivesse sido torturado e morto por policiais”, afirmou Benjamin, que militou na organização MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), foi fundador do PT e hoje é filiado ao PSOL.


Antes de aderir à luta armada, Cid Benjamin foi preso pelos militares em 1970 e libertado em troca do embaixador alemão Enrico Bucher. Viveu no exílio no Chile, Suécia e Argélia. Após retornar ao Brasil, trabalhou em “O Globo” e no “Jornal do Brasil”. Recentemente, o jornalista lançou o livro “Gracias a la vida – Memórias de um militante”, no qual faz reflexões sobre a vida de ativista, o exílio e os anos de chumbo.

Comissão da Verdade

Atualmente, Benjamin trabalha no setor de comunicação da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro. Para ele, mais importante do que prender torturados e oficiais da ditadura é esclarecer tudo o que ocorreu durante o regime militar e impedir que aquelas situações se repitam.

“Não estou preocupado em colocar esses caras na prisão. Eu quero que o Brasil saiba o que aconteceu e crie anticorpos para que isso não se repita. É necessário abrir os arquivos não para achincalhar as Forças Armadas, que são instituições necessárias e devem ser fortalecidas, mas é preciso que elas se adequem. Eles precisam ter outra postura. Não dá para dizer que o [jornalista Vladimir] Herzog se suicidou e que o atentado no Riocentro foi obra de alguém da esquerda”,disse.

O jornalista citou como exemplo o líder sul-africano Nelson Mandela após chegar ao poder. “Ele passou 27 anos preso, foi barbaramente torturado por um regime horroroso, racista. Ele tinha tudo para ser um sujeito amargurado, rancoroso e abrir um processo fratricida. Mas ele tratou de construir a unidade nacional, com anistia inclusive para torturadores e assassinos. Agora, os torturadores eram chamados para contar toda a verdade. Se omitissem uma só coisa, estariam sujeitos a serem processados.”

Lei da Anistia

O escritor afirmou que o STF (Supremo Tribunal Federal) se equivocou ao manter o entendimento sobre a Lei da Anistia baseado em uma interpretação usada pelos militares. Para a Corte, a lei estabeleceu que militares que torturaram e mataram também estão protegidos.

“Foi um momento lamentável do Supremo reafirmar essa interpretação. Sou a favor da revisão da lei pelo Congresso ou da reinterpretação pelo Supremo. É preciso cumprir esse processo, trazer para a sociedade o que houve. O futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores”, afirmou.

Linha dura

Questionado por jornalistas que participaram do programa, Cid Benjamin afirmou que a resistência armada à ditadura era legítima, embora afirme hoje que a luta com armas não era a tática correta para enfrentar os militares.

“Considero legítima a resistência armada contra qualquer regime de opressão, mas faço uma autocrítica que a opção pela luta armada, naquele momento, foi errada, politicamente errada”, disse. “O fato de estar recorrendo as armas não tira legitimidade de lutar contra opressão. Legítimo é.”

Para o jornalista, o endurecimento do regime foi a causa, e não a resposta, do aparecimento de grupos de resistência armada. “O pessoal que deu o golpe de 1964 forçou o suicídio do Getúlio [Vargas], tentou impedir a posse do Juscelino [Kubistchek], do Jango [João Goulart]. Castello [Branco] morre em circunstâncias não esclarecidas O setor duro vai se afirmando muito antes da luta armada. Já havia um processo de endurecimento em curso, já havia uma perspectiva golpista há muitos anos.”