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Tradição familiar da política brasileira, que remonta à colonização, deve manter-se na eleição de 2014

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

11/11/2013 06h00Atualizada em 11/11/2013 09h02

Em todos os Estados brasileiros, os partidos se preparam para as eleições de 2014. Nesse processo, nomes surgem como possíveis candidatos na disputa para cargos no Executivo e Legislativo, nacional e estadual. Eles possuem sobrenomes já conhecidos pela população brasileira, como é o caso dos prováveis candidatos à Presidência da República, Aécio Neves e Eduardo Campos, netos de figuras emblemáticas na recente história política brasileira.

Sarney, Magalhães, Calheiros, Alves, Maia, Bornhausen, Richa e Barbalho. Os filhos dessa famílias tradicionais da política brasileira nasceram e cresceram em um ambiente cercado por tios, primos, avós que “fizeram carreira” como políticos.

Porém, o que pode ser entendido como um caminho natural é, segundo especialistas, a expressão dos traços oligárquicos que sempre estiveram presentes na política brasileira.

Segundo o cientista político e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Michel Zaidan, essa família política, na verdade, tem origem na família patriarcal colonial, matriz da formação do Estado brasileiro. “É como Gilberto Freyre aborda em sua obra: a família patriarcal é a dominação primeira do Brasil e se pode perceber a sobrevivência desse grande patrimonialismo até hoje na política brasileira”, diz. 

Em seu livro “Teias do Nepotismo”, o cientista político, sociólogo e professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Ricardo Costa de Oliveira, investiga, entre outras questões, as relações de parentesco entre os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Segundo ele, dois terços dos senadores são membros de famílias políticas e metade dos deputados federais pertence a clãs influentes politicamente.

“Quando nós analisamos os jovens deputados federais, aqueles com menos de 35 anos, quase todos também pertencem a famílias políticas, e os nossos dados de pesquisa mostram que esse é um fenômeno em crescimento no Brasil”.

Ainda de acordo com Oliveira, grande parte dessas famílias têm raízes no período colonial. “É o caso da família Andrada em Minas Gerais, que está há cinco gerações no parlamento. Em cada estado da federação, nós ainda encontramos muitas famílias que tiveram origem no latifúndio. Quanto mais local, mais esse fenômeno se acentua”, diz.

Ricardo Costa de Oliveira afirma ainda que há processos de renovação, como o ocorrido no início dos anos 1980, com a redemocratização, quando novas figuras ganharam espaço na política brasileira. “Mas, quem entra no poder acaba se fechando. Pode notar que boa parte da política brasileira ainda é comandada por quem já comandava no início da redemocratização.”

O cientista político e professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), José Antônio Spinelli, afirma que esse poder passado de pai para filho não é um “privilégio” do Brasil, citando a família Kennedy nos Estados Unidos como exemplo. Ele ressalta ainda que é preciso reconhecer a escolha democrática desses governantes.

“Mas também não podemos esquecer que essas famílias dominam máquinas partidárias. No caso do Rio Grande do Norte, é inegável o controle do PMDB pela família Alves, e do DEM pela família Maia. Usando uma expressão do cientista político austríaco Joseph Schumpeter, eles são patrões do jogo político, detém o controle dos meios de comunicação e possuem maiores recursos para o desenvolvimento de campanhas, o que acaba influenciado o eleitorado.”

Spinelli cita ainda a família Rosado, da atual governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, como uma das mais tradicionais do Estado, também com forte atuação através do DEM.

“Nós tivemos a oligarquia Maranhão que dominou quase todo o período republicano. Depois outros grupos familiares foram se formando entre 1930 e 1945, é o caso dos Rosado, que já governou por duas vezes o Estado e hoje possui dois deputados federais, a prefeitura de Mossoró, além de parlamentares municipais e estaduais.”

O cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Antonio Carvalho Teixeira explica que, tendo o controle dos partidos, os recursos e as relações necessários para o desenvolvimento de campanhas, essas famílias não abrem margem à entrada de outros grupos no jogo político.

“Elas reduzem as chances renovação da política e os partidos não conseguem incorporar esses jovens que estão na rua ‘atuando’ politicamente, como é o caso dos black blocs, por exemplo, o que é bastante nocivo para o processo democrático.”

Reforma política

Os cientistas políticos entrevistados foram unânimes ao afirmar que esse não é um fenômeno de mudança rápida, que depende de melhorias de âmbito econômico e social para acontecer. Mas, a reforma politica seria um importante passo para isso.

“A reforma política pode criar legislação que obrigue os partidos a promoverem alternância no poder, impedindo que parlamentares tenham inúmeros mandatos, incorporando ao legislativo o mesmo formato de reeleição existente no Executivo, como quer o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral”, afirma Teixeira.