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Por reeleição e ajuda a Padilha, Dilma autoriza obras de entidades na área de saúde

Ricardo Della Coletta e Fábio Fabrini

Em Brasília

08/01/2014 16h35

Contrariando uma decisão do início de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff sancionou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano regra que permite repasse de recursos para que entidades privadas sem fins lucrativos da área de saúde, incluindo organizações não governamentais (ONGs), façam obras e ampliem suas instalações.

A medida é alvo de críticas e chegou a ser vetada pela própria presidente, no ano retrasado, por permitir o aumento de patrimônio de instituições particulares, sem mecanismos eficientes de controle de gastos. O governo agora alega que a mudança assegura as “condições necessárias” para que as entidades prestem serviço no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

A nova norma é reivindicação antiga do setor e vem após negociações com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, provável candidato pelo PT ao governo de São Paulo na eleição deste ano. Na gestão da presidente, que vai tentar a reeleição, a área da saúde é umas das mais mal avaliadas pelas pesquisas de opinião.

A norma vale para as instituições que obtenham a certificação de entidades beneficentes de assistência social (Cebas). A lista inclui Santas Casas de Misericórdia, comunidades terapêuticas para o tratamento de dependentes químicos e ONGs. A regra geral é a comprovação de 60% de atendimento pelo SUS. No ano passado, no entanto, uma lei aprovada no Congresso reduziu algumas das exigências e abriu caminho para que mais entidades recebessem o “selo” de filantrópicas.

Por meio de parcerias, incluindo convênios, o Ministério da Saúde transferiu R$ 1,08 bilhão para entidades privadas sem fins lucrativos no ano passado. Os repasses da União para “obras físicas” em geral sofrem restrições desde os anos 1990.

Na LDO de 2012, a presidente barrou artigo que permitia o uso de dinheiro federal para a “construção, ampliação e conclusão” de entidades privadas das áreas de saúde e também de assistência social e educação especial. Na ocasião, Dilma argumentou que isso permitiria o aumento do patrimônio dessas entidades “sem fixar medidas que assegurem a continuidade da prestação de serviços públicos em termos condizentes com os montantes transferidos.”

O veto se deu no mesmo ano em que escândalos de corrupção em convênios com ONGs derrubarem os então ministros do Trabalho, Carlos Lupi (PDT-RJ), e do Esporte, Orlando Silva (PC do B-SP). Na época, reagindo às denúncias, o Planalto tomou uma série de medidas para restringir repasses para essas entidades.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2013 não tratou do assunto. No projeto da LDO de 2014, enviado ao Congresso, o governo permitia liberar dinheiro apenas para obras em entidades de tratamento de câncer, atendendo a uma demanda das Santas Casas. Em seu relatório, o relator da proposta, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), ampliou o benefício para as demais entidades da área de saúde, o que foi aprovado em plenário e sancionado por Dilma. “Não se podia privilegiar só um setor em detrimento dos demais”, justifica o relator.

Para a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira, o poder público “não pode usar dinheiro para patrocinar a formação de patrimônio de entidades privadas, ainda que classificadas como filantrópicas”. Segundo ela, sem norma específica para disciplinar os limites desses repasses, há risco de os recursos serem usados em obras que beneficiem planos de saúde. “Os impostos devem ser destinados ao financiamento de bens que fiquem integralmente à disposição do atendimento público.”

Atendimentos

O presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia (CMB), Saulo Coelho, argumenta que o setor é responsável por cerca de 50% dos atendimentos na rede pública. “Qual é o problema de se aumentar o patrimônio, se o dinheiro está sendo usado no SUS? Não estamos fazendo piscinas”, rebate, acrescentando que os recursos para obras, em geral, são de fácil fiscalização.

A professora Lígia Bahia, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a medida também é questionável como política pública, pois falta investimento paralelo na manutenção dos serviços de saúde. “A gente tem de ter obras. Mas temos de ter obras com custeio e o que ocorre é uma dissociação. No ano eleitoral tem um monte de entregas; depois, um total ‘desfuncionamento’”, critica. Outro problema, segundo ela, é que as verbas costumam ser direcionadas por emendas parlamentares, seguindo critérios “político-partidários”.

'Reconhecimento'

O Ministério do Planejamento informou que a liberação de recursos para obras é fruto do “reconhecimento da importância de se assegurar as condições necessárias para a continuidade da realização do trabalho” das entidades. Em nota, a pasta ponderou que a regra vem em contexto jurídico novo, de mais controle do setor. Segundo a pasta, a nova Lei da Filantropia, de outubro de 2013, introduz regras de fiscalização para comprovar a prestação de serviços que impactam “o recebimento de recursos para realização de obras”. O ministério explicou que, além do Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério da Saúde tem mecanismos de controle das verbas.

A Saúde alegou que, além da comprovação do caráter beneficente, há pré-requisitos a serem cumpridos pelas instituições. “Tais entidades devem apresentar os projetos ao ministério, que fará a análise técnica e econômica antes de liberar os recursos.” Aprovado o projeto, disse, a verba é repassada à Caixa Econômica Federal, que monitora as construções. A pasta disse que “todas as obras” vão atender “gratuitamente os pacientes do SUS” e que a alteração na LDO visava a viabilizar instalações para equipamentos mais modernos de radioterapia.