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Leia a transcrição da entrevista de Luciano Coutinho ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

10/04/2014 06h00

Luciano Coutinho, presidente do BNDES, participou do Poder e Política, programa do UOL e da "Folha" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 9.abr.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

Luciano Coutinho – 9.abr.2014

Narração de abertura [EM OFF]: Luciano Galvão Coutinho tem 68 anos. Pernambucano, é graduado em Economia pela USP, com mestrado e doutorado pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos.

Luciano Coutinho fez política estudantil no começo da ditadura militar, quando decidiu estudar fora. Nos Estados Unidos, conheceu Fernando Henrique Cardoso.

No final dos anos 70, Luciano Coutinho retornou ao Brasil e passou a dar aulas na Universidade de Campinas. Uma de suas alunas era Dilma Rousseff.

Após a ditadura, próximo ao PMDB, Luciano Coutinho foi secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia no governo de José Sarney.

Na década de 90, abriu uma empresa de consultoria, a LCA Consultores, hoje líder no mercado de análises macroeconômicas no país.

Luciano Coutinho deixou a empresa em julho de 2007, quando foi convidado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para presidir o BNDES.

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff o manteve no cargo, onde está até hoje.

Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O entrevistado desta edição do Poder e Política é o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.


Folha/UOL: Olá, como vai, tudo bem?
Luciano Coutinho: Tudo bem.

O governo da presidente Dilma Rousseff tem dito sempre que há um excesso de pessimismo no ar em relação à economia e que as coisas na realidade estão bem. Ontem, o ex-presidente Lula deu uma entrevista a blogueiros e disse o seguinte: Nós poderíamos estar melhor e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha claramente, como é que a gente vai melhorar e economia brasileira. Então ele está achando que não está tão bem assim, talvez, o ex-presidente Lula. O que sr. acha disso e como fazer para melhorar e economia brasileira?
Olha, eu tenho um olhar de longo prazo até pelo papel e missão do banco e se nós olharmos com a visão de longo prazo o Brasil é uma economia que reúne um conjunto de condições e de qualidades para retomar um crescimento acima de 4%. E isso, obviamente, depende de construímos uma agenda de sustentação de um esforço mais intenso de investimentos e de poupança no país. Essa é uma agenda factível e possível. Temos desafios de curto prazo, um desafio de inflação, temos um desafio de reequilibrar nossas contas, conta corrente, mas o Brasil acumulou condições para uma trajetória mais forte de crescimento. Temos que levar em conta também que estamos atravessando um período extraordinariamente difícil na economia global e, em contraste com esse período extraordinariamente difícil, o desempenho da economia brasileira tem sido razoável. Principalmente no que diz respeito ao lado social do processo. Nós temos sido capazes de manter um crescimento ainda firme, apesar do enfraquecimento, do crescimento do PIB, o crescimento da criação, geração de empregos formais, sustentação da renda, não é? E melhoria da capacidade de aquisição das classes mais baixas da população. Esse é um processo que fortalece a nossa capacidade de pensar em um crescimento mais elevado. Mas eu queria depois falar das oportunidades de investimento e de crescimento.

Falaremos. Mas há alguns ruídos atuais na economia, como o sr. aí falou com outra palavra, por exemplo, inflação do mês de março, 0,92%, o maior percentual desde março de 2003. O que precisa ser feito para combater isso daí? O governo tem atuado com os preços controlados, contendo o aumento deles, esse tipo de política é sustentável? O que o sr. acha que pode ser feito?
Eu acho que nós estamos passando por um período de choque de preços em
função do período seco. Então, há uma seca também nos Estados Unidos, na Califórnia, enfim, nós temos uma pressão sobre os preços agrícolas, que eu espero que seja transitória. Nós temos uma pressão...

E os preços controlados pelo governo?
..um efeito, em?

E os preços controlados pelo governo? Esses foram segurados, dá para segurar ainda, ao longo desse ano, para ajudar a taxa ficar dentro da ordem?
Eu acho que será possível fazer um programa mais adiante ou um pouco mais adiante, porque se você quiser encavalar pressões inflacionárias, isso pode não ser uma estratégia inteligente, mas não há dúvida de que logo que as condições permitirem um processo de descompressão, um processo organizado de descompressão desses preços precisará ser efetuado. Mas é preciso ter em conta que a estratégia de manter a inflação sob controle é de fundamental interesse e é preciso ter inteligência nesse processo e o governo está tendo a cautela e a inteligência para cuidar desse processo. Temos de fato um desafio de curto prazo, mas eu tenho a confiança de que esse episódio será ultrapassado.

Não está havendo um represamento muito grande, vai sobrar tudo para ser consertado em 2015, os preços administrados, por exemplo?
Não, porque esse processo pode ser diluído em um tempo, tá? Não necessariamente concentrar tudo em um primeiro e um só momento.

E qual o impacto que haverá...
O seguinte, nós precisamos primeiro aquilatar qual é o real, porque
obviamente depende de como faz a conta do real represamento de alguns preços, mas esse é um processo que precisa ser feito com devida organização.

Como seria essa organização? Ao longo de quando tempo o governo poderia liberar essa contenção que fez do...
Olha, Fernando, essa não é a minha área de responsabilidade.

Não, claro.
Eu estou falando uma coisa que me parece muito sensata.

Eu estou procurando porque...
Produzir um choque em um determinado ponto do tempo, a gente tem história, acumulamos na história do Brasil recente, na história econômica, que a produção de choques pontuais pode ser muito desestabilizadora e que processos um pouco mais gradualistas devem ser pensados. Isso depende do tamanho do problema e depende também do andamento do processo todo. Então, acredito que dentro de prazos razoáveis...

Mas o que é um prazo razoável?
Sei lá, pode ser dois anos, pode ser três anos, de diluir esses processos, fazendo de uma maneira...

Diluir ao longo de dois ou três anos a contenção que se fez dos preços administrados?
Não, de corrigir o processo de uma forma a não potencializar e agravar
o problema e sim de uma forma que permita eficácia na correção. Esse é um tema que eu, obviamente, eu não posso ir além disso.

Claro, mas por que que eu estou perguntando isso para o sr.? Porque isso tem um impacto nos investimentos. Empresas que atuam em áreas de infraestrutura e que ficam premidas pela situação de os preços administrados, onde elas atuam, estarem sendo segurados pelo governo. O sr. acha que dois ou três anos para diluir tudo isso não terá um impacto negativo sobre esses setores?
Não necessariamente, porque, primeiro, o sistema funciona de uma forma prospectiva. Nós temos que pensar o seguinte. Se nós temos... Primeiro que o período de maturação dos investimentos leva de um ano e meio, dois anos, três anos. Então quando o investimento estiver entrando em operação as coisas já estarão resolvidas.

Mas e se já estão em operação?
Sim, mas é preciso olhar caso a caso. Isso aqui não é uma coisa... O
importante é a confiança de que esses processos serão conduzidos de uma maneira organizada e racional. Eu estou apenas dizendo algo que me parece óbvio. Processos que devam ser feitos de uma maneira pactuada, organizada, bem entendida pelos agentes econômicos.

Mas isso significa então que, na sua avaliação, se diluir ao longo de dois ou três anos esse represamento que ocorreu, o impacto vai ser mitigado e não haverá um efeito negativo grande sobre a inflação, e o setores que dependem disso vão aguentar esse período, é isso?
Dependendo de outras ferramentas que se possam usar para estimular os investimentos. É preciso ter em conta o seguinte. Investimento tem prazo de maturação e investimento depende de uma perspectiva e de um cálculo de futuro. E esse cálculo não é instantâneo, não é de hoje para amanhã. Um investimento tem um período de maturação e é preciso olhar os horizontes, olhar caso a caso. Nós estamos falando de setores e coisas diferentes. Mas isso aqui não é a minha praia, e eu já estou me arriscando a dar palpite nisso apenas com a base no bom senso. E olhando um pouco para trás, na história brasileira. Toda vez que alguns choques violentos foram feitos, no sistema de preços, eles foram mais desestabilizadores do que estabilizadores.
Vamos falar da sua área. Ontem [8.abr.2014], na Câmara dos Deputados, foi votado um dispositivo que fala de um volume de R$ 24 bilhões de investimentos para o BNDES. O sr. está familiarizado com isso, explique o que vão ser esses recursos, quando eles vão entrar e estar disponíveis e para que serão?
Isso foi a votação da medida provisória no fim do ano passado que suplementou o funding do BNDES e esses recursos já foram, foi aprovada...

Ontem, não é? Ontem a noite.
É. Foi aprovada, normal, uma suplementação de funding que foi feita para que nós pudéssemos ter encerrado o ano de 2013 com um desempenho importante apoiando o crescimento dos investimentos.
 

Esse é um dinheiro que já foi usado, ou não?
Sim.
 

Ah, ele já está entesourado.
É importante lembrar que os investimentos no ano passado cresceram 6,3%. O PIB no ano passado cresceu 2,3%, principalmente puxado pelo investimento. O desempenho do investimento em 2013 foi um desempenho muito bom, foi muito mais forte no primeiro semestre, um pouco menos no segundo, mas foi o principal fator propulsor do crescimento do PIB e isso sobrecarregou muito o BNDES.
 

A medida provisória que foi aprovada ela tem também um dispositivo que determina uma regionalização obrigatória de um percentual dos recursos investidos pelo BNDES, aumentado o que deve ser aplicado no Norte, Nordeste, Centro-Oeste. O sr. acha positivo essa determinação?
Olha, eu acho muito positiva a preocupação das bancadas de que as regiões menos desenvolvidas no país tenham mais recursos e mais projetos. Efetivamente, eu tenho orgulho de dizer que eu cumpri todos os compromissos que assumi e, na região Nordeste, nos últimos cinco anos, nós quintuplicamos em relação aos cinco anos anteriores. Na região Centro-Oeste, na região Norte, nós aumentamos significativamente mais do que o resto do Brasil.
 

Mas essa medida colada em lei é boa?
Essa medida, ela não é a melhor ferramenta, porque ela ao engessar, ela... Por quê? Porque não é disponibilidade de crédito que faz acontecer um projeto. Os projetos acontecem quando há rentabilidade, interesse privado de um lado ou a estruturação de um planejamento público e decisões políticas que permitam que grandes projetos ou outros projetos de outros suportes possam seguir adiante. O que nós temos como agenda aqui, é uma agenda e eu acabei de vir de um café da manhã longo com a bancada de deputados do Nordeste, eu acho que a agenda é um novo olhar para o desenvolvimento da região. Há um ciclo em curso de transformação econômica muito positivo no Nordeste. Um ciclo iniciado no governo do presidente Lula, inclusive por grandes decisões políticas. Por exemplo, a decisão de colocar no Nordeste um grande empreendimento ferroviário que é a Transnordestina, fazer um projeto de transposição de águas que vai permitir e perenização de baía, de rios e bacias hidrográficas com uma nova perspectiva para a agricultura irrigada, etc., e para agricultura familiar. O desenvolvimento de sistemas portuários importantes de grandes projetos, o desenvolvimento de grandes projetos de refinarias, uma siderúrgica, um novo grande aeroporto cargueiro no Rio Grande do Norte, o reforço do polo petroquímico, enfim, há grandes projetos de energia eólica, novos parques eólicos, grandes projetos de celulose. São projetos concretos, esses projetos estão acontecendo. Há um ciclo de transformação da região. O que nos compete agora é pensar no futuro. Como tirar o máximo de proveito dessa onda de projetos, extrair deles todos os efeitos positivos e como pensar em novas alternativas de maneira a sustentar o crescimento da região e gerar um fluxo de demanda para projetos que nós possamos financiar. Então é preciso, quer dizer, o problema é mais complexo do que simplesmente...

Alocar um percentual.
Alocar um percentual fixo.

O percentual, o sr. me corrige se eu estiver errado, é 35% que eles alocaram nessa medida provisória, que foi aprovada ontem. O sr. recomendaria à presidente Dilma Rousseff considerar um veto sobre esse dispositivo ou não?
Na verdade o seguinte, nós estamos, orgulhosamente, nós aproximando. Nós estamos, se você somasse todas essas regiões, nós estávamos abaixo de 20%, nós estamos hoje em torno de 31%, 31,5%. Então nós estamos nos aproximando.

Mas?
Mas o que eu digo é o seguinte: o essencial é ter uma estratégia de longo prazo, não é carimbar recursos.

Entendi.
E nesse sentido, a agenda que eu propus, e foi aceita na discussão hoje, é uma agenda, é a agenda realmente consistente.

Eu entendi. Agora, do ponto de vista objetivo, como foi aprovado o dispositivo de engessar ali os 35%.
Eu acho que não é conveniente.

Então, talvez, seria prudente a presidente Dilma Rousseff vetar?
Sim, mas esse, digamos assim, não é um veto justificado pelo não desejo de fazer, ao contrário, nosso desejo é fazer e se possível até ultrapassar.

Mas o sr. recomendará a ela, eventualmente, que se for o caso, que vete?
Eu acredito que nós temos que funcionar com racionalidade em todos os processos.

Mas, enfim, deve vetar?
Fernando, eu já falei. O que você quer que eu repita?

Eu estou entendendo que sim.
Já falei, já falei.

O sr. está presidindo o BNDES há cerca de sete anos. O BNDES tem políticas de investimento em determinado setores e quando a gente olha a balança comercial brasileira, por exemplo, ao longo do anos e mais recente também, os itens mais exportados sempre são de produtos primários. Não é? Minérios, petróleo, soja, açúcar, carne. Olhando a política industrial brasileira, alguém que olha de fora pensa assim “bom, há um desejo de desenvolver mais a indústria de manufaturados, de bens de maior valor agregado, mas parece que é muito difícil disso funcionar”. Que papel teve o BNDES nisso, o que poderia ter sido feito, o que poderá ser feito nesse sentido?
Nós temos que olhar vários processos para explicar a dificuldade da indústria. Nós tivemos, lá atrás, nos anos 1990, um longo período de valorização cambial com juros estratosféricos que prejudicou muito a indústria desde 1994, 1995, até o início dos anos 2000. Depois nós tivemos um processo de recuperação do crescimento, de 2004 a 2005, 2006, que foi positivo e, entretanto, passamos a enfrentar uma série de dificuldades que afetaram a competitividade da indústria. Primeiro, um novo ciclo de apreciação da taxa de câmbio que veio com o superciclo das commodities e que foi apreciando a taxa de câmbio brasileira. Segundo, é um fato benigno para a sociedade brasileira a queda continuada do desemprego. Essa é uma transformação extraordinária, a inclusão de uma grande massa de brasileiros nos circuitos de acesso ao emprego e ao emprego formal. Mas ele resultou em uma pressão que é benigna para a sociedade e aumenta os salários reais, mas é um desafio para a indústria, uma pressão de aumento salarial. O aumento do salário com a pressão do câmbio fez com que, se você medir em dólar, a subida dos salários, custos unitários salariais, em termos de moeda estrangeira, foi ainda mais forte. Então, esse foi um fator que afetou também a competitividade. Associado a isso, nós tivemos processos, e há uma discussão se a nossa estrutura tarifária está bem organizada e, às vezes, você teve uma proteção efetiva para determinados setores, fornecedores de insumos e esses insumos ficaram mais caros, então, mas há também uma pressão sob curtos de insumos. Havia também uma pressão de custos de energia que o governo tentou endereçar com a redução do preço. Então nós temos sim um desafio estrutural de recuperar a capacidade competitiva da indústria brasileira. Eu tenho confiança que é possível. Não é uma agenda simples. Nós teremos maiores condições com uma taxa de juros mais baixa e uma baixa de câmbio mais competitiva.

Não é o que está acontecendo hoje.
Mas isso é um ciclo transitório, nós sabemos que o Banco Central vai controlar a inflação, a inflação vai cair e que os juros voltarão a cair e em um período –e eu não estou dando aqui uma data para isso–, mas todos nós sabemos disso, eu não estou falando no curto prazo, estou falando no médio prazo. A inflação precisa ser colocada sob controle, a estabilidade é essencial para as expectativas e para a confiança. A inflação será colocada sob controle e isso permitirá mais adiante que os juros voltem e com uma taxa de câmbio mais estimulante. É suficiente? Não, não é suficiente. Nós precisamos aumentar de maneira muito incisiva e persistente a produtividade de processos na indústria brasileira e a capacidade de inovar em produtos. Temos uma agenda de revitalização da indústria. Isso demanda, de um lado, mais automação e novos processos industriais e demanda qualificação e treinamento de trabalhadores. E o governo tem iniciativas preciosas nessa direção. Pronatec, sistema Senai, etc.

Tem um programa, que começou durante o governo do então presidente Lula, sobre incentivar o conteúdo nacional mínimo. Recentemente, a presidente da Petrobras, Graça Foster, declarou que para conseguir retomar a produção, talvez, talvez não, ela disse que teria que baixar a guarda para o conteúdo nacional mínimo. O que o sr. acha disso?
Eu acho que nós temos que criar as condições para evoluir para o conteúdo nacional mínimo porque, sem fazer trocadilho, é o mínimo que nós temos que fazer para desenvolver o Brasil e que os grandes projetos de investimento tenham um impacto dinamizador das cadeias locais. Agora, aí eu retomo a minha...

Mas circunstancialmente, como ela disse?
Circunstancialmente uma série de ajustes já foram feitos. É muito importante a curva de produção de petróleo da Petrobras. Todas essas primeiras sondas e plataformas foram contratadas no exterior, inclusive, muitas delas atrasaram e houve uma crítica injusta que disse “atrasaram porque foi conteúdo local”. Na verdade, era pura ignorância porque eram 100% plataformas importadas, mas que atrasaram, acontece. O governo tomou a cautela nesse sentido. O programa foi feito dando o devido tempo para o desenvolvimento. E nós estamos começando a assistir aqui várias das plataformas novas sendo produzidas no Brasil dentro dos prazos ou com atrasos administráveis de tal maneira que a curva de produção da Petrobras vai subir de maneira muito importante neste ano e no ano que vem. Obviamente, eu não quero conhecer mais do assunto do que a presidente Graça por quem eu tenho grande admiração e é uma pessoa que tem um grande zelo técnico por esse assunto.

Mas quando ela diz isso, que é necessário nesse momento abaixar a guarda para o conteúdo nacional mínimo, ela está correta?
Olha, nós tivemos, em vários momentos, no BNDES, que renegociar cronogramas com o setor privado. Eu dou o exemplo das eólicas. Nós instituímos um programa de atração de investidores para produzir no Brasil os equipamentos, alguns deles cumpriram e outros não. Isso causou um estresse muito grande. Nós chamamos todos de volta e renegociamos, repactuamos um programa progressivo, e conseguimos. Às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois passos para frente. O que eu estou te dizendo é o seguinte: ajustes circunstanciais são possíveis. O importante é direção estratégica, avançar de tal maneira a cumprirmos uma coisa minimamente inteligente, que é ter produção eficiente no país e competitiva no país gerando empregos e gerando valor agregado no Brasil.

Então entendi corretamente. Circunstancialmente se ela achar que é necessário, como ela disse, baixar a guarda do conteúdo nacional circunstancialmente...
Eu não examinei o assunto, não é? O banco, obviamente, financia com esses compromissos. Eu também não tenho, eu não quero fazer uma avaliação a respeito da opinião dela porque eu não sei exatamente ao que ela estava se referindo e a que tipo de equipamento a que problema.

A presidente Dilma Rousseff fez um discurso, nesta semana, dizendo que o Brasil evoluiu muito socialmente, várias classes menos favorecidas ascenderam, mas o país não foi capaz ainda de evoluir da mesma forma na infraestrutura para suprir a demanda dessas novas classes emergentes. Será que a insistência do conteúdo nacional mínimo não foi exagerada e privou o país de desenvolver a infraestrutura nesse mesmo nível?
Falso. Não é?

Não sei.
É falso isso aí, porque as infraestruturas brasileiras, nós estamos falando das rodovias, dos aeroportos. Por exemplo, aeroportos, o movimento era de 44 milhões por ano de passageiros nos aeroportos brasileiros em 2003 e em 2013 superou 110 milhões. Então houve um crescimento explosivo. Em que um aeroporto depende de conteúdo local? Muito pouco. As máquinas sofisticadas de raio-x, etc., são importadas mesmo. Então é engenharia e capacidade de engenharia e produção no país, idem rodovias. Portos, grande medida é construção com equipamentos, com raras exceções, não tem conteúdo, não tem similar no Brasil. Então, essa é uma agenda, o seguinte Fernando, você precisa de um pouco de cuidado porque as pessoas pegam alguns determinados rótulos e irresponsavelmente e pespegam, “ah, o conteúdo local agora é culpado por tudo”. É preciso entender claramente caso a caso do que nós estamos falando e, mais do que isso, a política do conteúdo local não é uma política desarrazoada que impõe coisas infactíveis, coisas impossíveis, não. É uma política compactuada com o setor privado, ela tem cronogramas. Muitas vezes, se dificuldades imprevistas dificultaram aquele cronograma, nós temos renegociado esses cronogramas e ela é razoável no seguinte sentido. Nós estamos falando de conteúdo local de 60%. Significa que ainda tem 40% dos sistemas mais sofisticados a serem importados. Então é preciso qualificar bem isso.

Vamos de um caso histórico...
Porque existem irresponsavelmente pessoas que acham que a gente tem que acabar com todas as exigências e transformar o Brasil, simplesmente, em um importador, em um montador final de produtos sem atentar para as especificidades de cada cadeia produtiva.

Deixa eu fazer uma pergunta sobre um exemplo histórico de conteúdo nacional. A Lei de Informática, anos 1980, o sr. participou, inclusive, ativamente na época. Olhando em retrospecto, o Brasil não conseguiu até hoje desenvolver um, enfim, não é uma potência nessa área até hoje. O que estava certo e o que estava errado naquela política?
Aí outro preconceito. A Lei de Informática foi aprovada por total maioria do Congresso Nacional em 1984 e ela durou até 1989. Ela durou cinco anos, tá? Ela não era tanto uma política de cadeia produtiva local, ela era uma política diferente. Ela era uma política de reserva de mercado para a origem do capital de empresas nacionais. Ela escolheu determinados equipamentos e “não, nós vamos dar preferência a empresas de capital nacional”. Era outro conceito. Essa política durou pouco tempo e se eu pegar de 1990 até 2014, né? Eu tenho 34 anos de abertura no mercado de informática. Aí eu pergunto aos críticos, eu devolvo a resposta, por que nesses 34 anos de abertura não aconteceu o desenvolvimento de uma cadeia local? E por que, se por pura questão ideológica, se continua culpando os cinco anos da política de reserva de mercado como se ela estivesse, como se aquilo tivesse sido um vício que depois, mesmo depois de desfeito, por alguma razão misteriosa, continuou sendo responsável pelo não avanço? O problema é muito mais complexo. O avanço das tecnologias de informação é muito rápido, a escala em microeletrônica cresceu muito depressa, o avanço, a distância do Brasil foi muito grande por várias razões. É muito mais complexo e essas simplificações são realmente lamentáveis que continuem sendo repetidas sem maior reflexão.

O sr. acha que foi um acerto aquele período da reserva de mercado?
Não, eu não disse isso.

Mas o que sr. acha?
Eu acho que em retrospecto a reserva do mercado teve graves erros e alguns acertos. Um balanço dela é interessante porque naquele tempo, por exemplo, o Brasil, em função da política de reserva de mercado, aprendeu muitas coisas em algumas áreas, por exemplo, na área de automação bancária, nós estávamos na fronteira e tínhamos uma capacitação de oferta de sistemas em automação bancária muito boa. Em outras áreas foi um fracasso. Então eu acho que uma avaliação cuidadosa deve ser feita a respeito do lado bom e do lado ruim, assim como uma avaliação do período posterior, depois que se afastou essa política, é preciso se fazer também uma avaliação e há uma espécie, digamos, é preciso entender as coisas como elas são.

No início da sua gestão no BNDES passou a existir uma política que é chamada de campeões nacionais, das grandes empresas que foram incentivadas a crescer, atuar no exterior. Quanto o BNDES investiu até hoje nessas grandes empresas? O sr. teria a ordem de grandeza e qual é a sua avaliação em retrospecto do que foi feito?
Eu queria qualificar primeiro algumas coisas. Primeiro, o seguinte, o BNDES apoia todas as grandes empresas e não só um conjunto pequeno, como alguns... Das 100 maiores grupos empresariais brasileiros o BNDES apoia os 92 maiores. Dos 500 maiores a gente aprova 408. Então dá 80%. Nas 100 maiores até mais. O banco apoia, indiscriminadamente, com crédito e com capital, a todo o sistema empresarial. Segundo ponto importante, as operações de apoio a internacionalização e da consolidação de determinados setores foram feitas com recursos a custo de mercado. Esse é o outro mito porque muitos repetem a inverdade de que “ah, usou recursos subsidiados para os grandes”, não é verdade. Nós usamos recursos de mercado do giro da carteira de ações da BNDESPar. A gente vendeu posições maduras e aplicou isso em condições de mercado. Exatamente condições de mercado. É outro ponto importante. O terceiro, o Brasil, comparado a outras economias em desenvolvimento, tinha um número muito pequeno, e ainda tem, de empresas com projeção internacional. Como é que uma economia desenvolve empresas com operação e projeção internacional? Em cima dos setores competitivos. Quais são os setores naturalmente competitivos da economia brasileira? São setores produtores e processadores de commodities em geral, com algumas exceções, a exceção nossa é a Embraer. Essa agenda de fortalecer a presença internacional das empresas brasileiras é uma agenda positiva por várias razões. Ela abre espaços de mercado no exterior, espaços para exportação, reforça a capacidade do Estado brasileiro em vários sentidos, de fazer política, etc. Essa política, ela foi também, em um certo momento, colhida por uma grande crise internacional nos anos de 2008 e 2009, onde, em vários lugares do mundo, os ativos se depreciaram. O preço de aquisição de várias empresas lá fora se tornou muito convidativo. Uma circunstância extraordinária que não vai se repetir talvez nos próximos 80 anos. O Brasil bem, e os Estados Unidos, por exemplo, muito mal, com suas empresas subprecificadas. Então isso criou oportunidades de internacionalização e de fortalecimento. Isso foi em alguns setores, tá certo? Nós tivemos um conjunto de setores de agroegócio, na área petroquímica, da celulose, em alguns setores importantes, um processo que, eu creio, que no seu balaço é um processo muito positivo para o país e não foi avaliado.

Não se criou alguns monopólios ou duopólios, enfim, grupos de grandes empresas que dominam 70%, 80% do mercado. Isso é bom para a economia brasileira?
Esse é outro... Eu te agradeço a pergunta porque essa é outra tese... Em commodities quem faz o preço é o mercado mundial. Nós estamos falando de negócios onde o jogo é global. O jogo não é aqui. O preço não é definido aqui. A ideia de que isso é anticompetitivo não é verdadeira. Essas operações todas transitaram e nós temos um sistema de defesa da concorrência eficiente. Diga-se de passagem, eu sou um grande defensor do sistema de defesa da concorrência e todas as operações que tiveram implicação importante no mercado local o nosso Conselho de Defesa Econômico, o Cade, remediou ou impôs restrições. Longe de nós termos propiciado operações com intenção de prejudicar o consumidor brasileiro. Esse ciclo, e eu também já disse, foi mal compreendido. Esse ciclo, na verdade, se cumpriu, por quê? Porque nós não temos no Brasil em outros setores um conjunto de grandes empresas capacitadas e competitivas a se tornarem atores globais.

Então esse ciclo agora está superado? É uma outra política a partir de agora?
Sim, por falta de opção. As circunstâncias que permitiram o desenvolvimento de processos que se concretizaram naquilo que foi possível.

Teve alguma imperfeição nesse modelo ou o sr. acha que ele funcionou de maneira ótima?
Olha, infalível só o papa em matéria de direito canônico. Eu estou longe de querer indicar inefabilidade.

O sr. apontaria alguma imperfeição em retrospecto?
Qualquer banco de investimento, qualquer operação em negócio, está sujeito a risco de mercado. Capitalismo é risco. Então, pretender ser capaz de prever todas as circunstâncias é algo impossível em qualquer lugar, em qualquer... Se nós olharmos a banca privada, banca pública, o que eu posso dizer é o seguinte: o resultado final disso, se nós tomarmos todas as experiências, é amplamente positivo.

No portfólio do BNDES, por meio do BNDESPar, as empresas grandes, consolidadas, estão lá nesse portfólio. Em tese, algumas não precisam mais do apoio do governo porque já são muito grandes. Por exemplo, JBS, ou outras. Há planos de eventualmente rever essa carteira de participações?
Essa carteira é revista toda hora.

Mas qual é a política?
A política é desinvestir nas empresas e ativos maduros, mas fazendo isso na hora certa. Então, você há de convir, Fernando, que em um ano muito ruim, como foi ano passado até recentemente, com a Bolsa muito depreciada, superdescontada, além do que devia, na minha opinião, nós não podemos vender. Esse processo tem que ser feito organizadamente, inclusive para as posições maiores, porque ali esse é um processo que precisa ser feito no momento certo feito para produzir...

Claro, eu entendo. Se anunciar que vai vender aqui...
E nós temos feito isso. A BNDESPar gerou nos últimos cinco anos mais de R$ 25 bi de caixa próprio através da reciclagem de posições. Então, nós já fazemos isso. Nós vendemos as posições maduras, para investir em novos negócios.

Agora, posso inferir que, como foi um período de Bolsa com preços muito depreciados em um período recente, deve ter sido baixo o volume de reciclagem de venda de...
Mas e nos momentos de Bolsa fulgurante nós vendemos muito e reciclamos, fizemos para nos momentos ruins até comprar porque às vezes momentos ruins é momento bom de comprar. Na verdade nós temos uma política sim de reciclagem, de carteira, ao mesmo tempo uma política estratégica, porque diferentemente de um asset management de curto prazo, com a visão de longo prazo, nós temos a obrigação de ter uma visão de médio e longo prazo e ter o mínimo de paciência para o pleno desenvolvimento do negócio. Nós não podemos ter uma visão de curto prazo. Nós precisamos olhar, às vezes, 10, 15, 20 anos, dependendo do negócio. Preferentemente, se os resultados vierem mais cedo, ótimo.

Agora, olhando o que passou recentemente com os preços depreciados e olhando o que pode vir a ser uma recuperação, daí volta a rever esse portfólio eventualmente...
Mas mesmo no ano passado com preços ruins nós conseguimos reciclar um pedaço da carteira com muito lucro. Aí tem ciência e capacidade técnica de fazer isso. Claro que em uma escala menor porque as oportunidades ficam menores. Com a recuperação mais à frente do sistema brasileiro será possível retomar isso de uma forma mais, com maior escala.

Deixa eu falar ainda dessas empresas grandes que foram incentivadas para se internacionalizarem. O governo teve essa política que, enfim, alguns criticam, outros acham bom, o fato é que essas mesmas empresas acabaram, recentemente, fazendo uma pressão, um lobby muito grande contra o governo para derrubar um artigo da medida provisória 627 que é aquela que estabelece a tributação dos lucros dessas empresas auferidos no exterior. O que o sr. acha disso?
Não é matéria da minha área, não vou comentar, mas eu acho que houve uma negociação do Ministério da Fazenda, do ministro da Fazenda, com as empresas, uma negociação muito saudável de forma a ajustar determinados aspectos da medida provisória porque nem tanto ao mar, nem tanto à terra. É preciso reconhecer todos os países, todos os países têm empresas internacionais e têm um tratamento. Infelizmente, ainda um sistema mundial de acordos tributários não existe. Há uma diversidade muito grande de situação. O Ministério da Fazenda e a Receita Federal estão normatizando de uma maneira para...

O sr. ouviu muitas reclamações das empresas, foram falar com o sr.?
Ouvi, é natural, porque eu sou um interlocutor frequente do setor privado pela minha posição, mas eu tenho também o relato de que as conversações com o nosso comandante da política econômica aqui, o ministro Guido Mantega, foram satisfatórias e que vários dos processos foram ajustados. Isso é normal em um processo democrático de calibragem.

Os relatos que o sr. tem de algumas empresas grandes, estavam reclamando é que elas estão satisfeitas com o rumo que as coisas estão tomando?
Razoavelmente, algumas ainda...

Porque não é o que a gente ouve sempre.
Não. Aí depende do setor. Aí depende um pouco do setor, porque existe ainda uma questão assim, alguns desses ajustes precisam, no meu entendimento, deveriam, não podem ser discriminatórios em favor de um, contra outro. Os tratamentos, como é normal em qualquer processo de lei, precisam ser isonômicos. Eu acho que há espaço, e eu não quero avançar mais além disso, porque eu não conheço os detalhes, não tenho nem o conhecimento profundo de matéria tributária para me aventurar a falar isso mais do que isso.

Deixa eu fazer uma pergunta para o sr. que tem uma imbricação também na política. Muitas empresas que recebem investimentos por meio do BNDES, recebem incentivos por meio do BNDES, são também empresas que, ao longo do processo eleitoral no Brasil, fazem grandes doações para as campanhas, para os partidos. Como resolver esse problema, porque muitas vezes alguns vão dizer: “olha, recebeu um incentivo do BNDES e depois foi doar dinheiro para a campanha”. Tem como resolver isso?
Primeiro, todo mundo sabe que o BNDES é técnico, é sério e não analisa projeto com critério político. Essa é uma verdade absoluta. O BNDES é aberto a todos e analisa tecnicamente. É obviamente o cara pegar uma estatística e dizer “se eu pegar os grandes e as doações de campanha eu posso fazer uma correlação e atribuir”. Houve até umas econometrias tortuosas para tentar e tal, mas essa é uma correlação que não existe do ponto de vista da política de concessão de crédito que é absolutamente técnica e rigorosa, tanto que o banco é um dos bancos com menor taxa de inadimplência do mundo, entre seus pares, quando comparado com bancos de desenvolvimento, e até comparando com o sistema privado. Então, o BNDES é um banco absolutamente sério, correto, rigoroso na análise de crédito. Agora, você está levantando um outro tema. Devemos repensar o financiamento das campanhas políticas com fundos de recursos públicos? Com que regras, com que regras de acesso? Deveremos ou não limitar e em que medida e de que forma a contribuição privada aos partidos políticos? Essa é uma agenda válida. Mas essa agenda, ela começou a ser discutida no país, depois ela tem vais e vens e eu acredito que essa é uma agenda meritória que deve avançar. Eu defendo que a maior, uma disciplina muito maior nas doações privadas, no mínimo, com maior disciplina, ou até uma limitação delas com aumento do funding público para o sistema. Isso é democrático desde que feito de forma a não sufocar também pequenos partidos. Tem uma agenda complexa aqui. Mas o que eu rejeito é querer associar uma coisa a outra. O Brasil tem o privilégio de ter uma instituição como o BNDES, que é um banco de desenvolvimento altamente competente, capaz de suportar créditos de longo prazo, coisa que hoje faz inveja a vários países, inclusive a países desenvolvidos que não têm esse tipo de ferramenta.

Deixa eu falar para o sr. sobre a capacidade de financiamento do BNDES. O Brasil, a economia brasileira, passa por um momento de ajustes. O governo está precisando aí, sob pressão, não aumentar os seus gastos, o fantasma da inflação, o receio de perder grau de investimento, enfim, toda a conjuntura. Essa pressão fez o BNDES perder capacidade de ter mais recursos, pedir mais recursos para o Tesouro? Como é que vai ser daqui para a frente para o BNDES?
Eu acho que nós temos que construir uma agenda para o futuro. O BNDES...

Quanto vai ser nesse ano, o sr. acha? Que vai receber do Tesouro.
Perdão?

Quanto que o BNDES recebe do Tesouro esse ano?
Eu vou te responder aqui o seguinte: o relevante hoje é quanto que o BNDES consegue combinar de recursos de mercado com recursos em TJLP. Essa é a grande agenda. O que nós precisamos é...

E quanto é?
...criar mecanismos novos de atração do sistema financeiro privado, especialmente no mercado de capitais para compartilhar o investimento, principalmente através da emissão de debêntures, uma nova família de debêntures. E eu defendo o alargamento do escopo da Lei 12.431, que criou os debêntures, de forma a abrir muito mais espaço para o setor privado, compartilhar o financiamento. Acredito também que é preciso pensar, a longo prazo, como ter uma política, repensar o funding do BNDES, inclusive, se for o caso, em um momento de convergência de taxas, mais para frente, abrindo também a possibilidade de o BNDES acessar o mercado doméstico, especialmente com funding para longo prazo, desde esse compromisso de sustentabilidade...

Lançar papéis no mercado para funding de longo prazo no Brasil?
Com tratamento mais favorável, porque esse é o grande calcanhar de Aquiles do Brasil. Qual é o grande calcanhar de Aquiles? É que quase toda a poupança brasileira, e é substancial, ela está estacionada em instrumentos financeiros de curto prazo com alta liquidez. Então todo mundo tem seus fundos, DI, suas aplicações, fica lá 30 dias depois ele tem alto juro, zero de risco e liquidez diária.

O melhor dos mundos.
É preciso então migrar o sistema de poupança brasileira, criando ferramentas novas e um tratamento mais, no meu entendimento, deveria ser um pouco mais estimulante para a migração e nós precisamos trabalhar nas duas pontas.

Mas esses não são os papéis que o Tesouro já oferece? Até popularizou-se nos últimos anos o Tesouro direto, essas coisas?
Isso para o financiamento público, mas eu estou falando do financiamento privado. É preciso gerar de um lado emissores de papéis longos, ligados Às infraestruturas, e de um outro lado, um tratamento para que os bancos, para que as empresas, para que o mercado de capitais, possam emitir esses papéis e o poupador se sinta tentado a sair do curto prazo e migrar para prazos mais longos. Para isso é preciso organizar...

Tem que mudar a lei das debêntures?
Uma estrutura de juros mais longa para o país.

Tem que mudar a lei o sr. falou?
Temos que aperfeiçoar a Lei 12.431.

Que é das debentures?
É a lei que criou as debentures de infraestrutura. E nós temos uma agenda propositiva nesse sentido.

Quanto o sr. espera, voltando ao início da pergunta, que o Tesouro possa injetar no BNDES nesse ano? Tem algum...
Certamente teremos menos do que o ano passado.

Ano passado foi?
R$ 41 [bilhões], não me lembro, quarenta e pouco.

Vai ser menos que isso?
Menos que isso.

O sr. tem uma ordem de grandeza?
Nós estamos ainda em um certo período do ano em que eu não sei quão bem-sucedida vai ser a nossa capacidade de compartilhar os financiamentos com o setor privado. Por quê? Porque como a Selic subiu por conta do ciclo de inflação, a atração da poupança para o curto prazo foi muito reforçada. E o custo de emissão dessas debêntures, nessa circunstância atual, está mais alto do que gostaríamos. Nós estamos enfrentando um desafio de originar mais debêntures, mais projetos, em função dessa conjuntura de juros. A conjuntura não está ajudando. Não obstante nós vamos fazer um enorme esforço para trabalhar nessa direção de tal maneira a minimizar nossas...

Mas o ministro Guido Mantega, ou a própria presidente Dilma, algum dos dois disse ao sr. a ordem de grandeza que pode vir do Tesouro ao BNDES neste ano?
Como assim?

A ordem de grandeza que o Tesouro vai poder, enfim, poderá colaborar com o BNDES esse ano?
Nós temos... O desafio é sustentar os investimentos e a orientação é buscar sustentar os investimentos ainda que na margem o custo de capital suba um pouco, porque a gente vai ter mais fontes de mercado, e fazer o máximo de esforço para abrir espaço para o mercado privado. Essa é a orientação. Agora, eu não posso saber o resultado hoje. O que eu posso dizer é do nosso firme compromisso de buscar esse resultado na escalar maior possível.

Já sabendo que o valor vai ser um pouco menor do que no ano passado?
Sim, e temos feito um grande esforço de captação de várias fontes. E, aliás, fomos muito bem sucedidos até agora. Não posso falar muito sobre isso, mas temos conseguido melhorar nossa captação.

Fazendo um link com a primeira pergunta, a história da inflação, controle dos preços. No setor elétrico o governo teve que fazer um grande esforço para baixar as tarifas de energia, conseguiu um pouco, mas o custo é alto. Agora foi necessário aumentar, reajustar em até 16%, no caso da CPFL, por exemplo, o valor das tarifas. Tem como diluir isso também ao longo do tempo? Porque foi um impacto grande que se teve agora. Houve algum erro?
Existem reajustes tarifários normais que são feitos por todas as distribuidoras em função de um conjunto de regras que existem no sistema. Esses reajustes tarifários normais não foram paralisados. Eu acho que há uma superdramatização da questão do controle de preços. Esses reajustes estão sendo, apesar de todas as dificuldades, da conjuntura, estão sendo levados pelo regulador do setor elétrico.

O sr. acha que esses daí, os do setor elétrico, se incluem também naqueles que o sr. falou que têm que se diluir ao longo do tempo para não haver um impacto amplo?
Não, estávamos falando de outras coisas. Estávamos falando do diferimento de alguns, por exemplo, de outros tipos de encargos, em função, por exemplo, do mercado, da exposição ao mercado livre, por distribuidoras, etc. Estávamos falando de preços de outros...

... [Preços] administrados de outros setores.
De outros setores.

Última aqui. Tem uma discussão no Brasil, às vezes acham que sim, que não, que eventos grandes como esses que o Brasil vai hospedar, como Copa do Mundo e Olimpíadas, ajudam muito a economia. O sr., como estudioso, como economista, acha que realmente eles têm um impacto grande na economia ou em geral as pessoas exageram quando falam do impacto que isso terá?
Não, eles têm um grande impacto, que é um grande impacto transitório, e depois um impacto menor que se prolonga no tempo, dependendo de como essas externalidades criadas são exploradas ao longo do tempo. Então, o que nós temos aqui é, determinadas estruturas que podem ser bem exploradas no futuro. Precisarão, obviamente, de investimentos complementares, e há uma grande necessidade de investimentos em mobilidade urbana para inclusive extrair dessas estruturas, desses equipamentos, mais vantagens. Mas em geral o balanço dos prós e contras disso, dependendo da forma como é feito, é positivo. Mas realmente não é uma panaceia, não é uma panaceia. [Para o] desenvolvimento do país, isso é pequeno. O desenvolvimento do país depende de investimentos maciços em infraestrutura, em energia, no desenvolvimento da cadeia de petróleo e gás, na potencialização ao máximo do nosso agronegócio, que é extraordinário, na revitalização da nossa indústria, no desenvolvimento de novas indústrias com alto conteúdo tecnológico, que é uma agenda que nós temos... Que é a nossa grande prioridade, temos feito imenso esforço de promoção nas tecnologias de informação, inclusive das pequenas empresas. E demanda, também, investimentos em outras estruturas de pequena empresa. É preciso tornar eficiente a nossa base de pequenas empresas. Essa é a grande agenda. Diante disso, os investimentos nesses grandes eventos são pequenos. Nós não podemos inverter a ordem dos fatores.

Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Eu que agradeço.