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Leia a transcrição da entrevista de Eduardo Campos ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

01/05/2014 00h06

Eduardo Campos, pré-candidato a presidente pelo PSB, participou do Poder e Política, programa do UOL e da "Folha" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 29.abr.2014 no estúdio do UOL em São Paulo.

Eduardo Campos – 29.abr.2014

Narração de abertura [EM OFF]: Eduardo Henrique Accioly Campos tem 48 anos. É economista formado pela Universidade Federal de Pernambuco.

Eduardo Campos começou sua militância política como presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Economia, em 1985. No ano seguinte, trabalhou na campanha que elegeu seu avô, Miguel Arraes, governador de Pernambuco, e tornou-se seu chefe de gabinete.

Eduardo Campos filiou-se ao PSB em 1990, quando conquistou seu primeiro mandato, como deputado estadual. Quatro anos depois, elegeu-se deputado federal, mas permaneceu no governo de Pernambuco, como secretário de Governo e, em seguida, da Fazenda.

Eduardo Campos reelegeu-se deputado federal em 1998 e 2002. Integrou a bancada de apoio ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2004, Lula nomeou Eduardo Campos ministro da Ciência e da Tecnologia.

Eduardo Campos assumiu em 2005 a presidência nacional do PSB. No ano seguinte, elegeu-se governador de Pernambuco, e em 2010 foi reeleito para o cargo.

Eduardo Campos rompeu a aliança histórica que mantinha com o PT e, em 2013, recebeu o apoio da ex-senadora Marina Silva. Em abril de 2014, Eduardo lançou-se pré-candidato à Presidência da República, tendo Marina como sua vice.

Folha/UOL: Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do UOL, em São Paulo. E o convidado desta edição do Poder e Política é o pré-candidato a presidente pelo PSB, ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Folha/UOL: Olá, como vai o sr., tudo bem?
Eduardo Campos: Olá, Fernando. Tudo bem.

O sr. mencionou, nesta semana, que a inflação no Brasil, cuja meta é de 4,5% com uma tolerância de dois pontos para mais ou para menos, que a meta de 4,5% pode ser atingida no Brasil até o ano de 2018. Tem como ser antes?
Fernando, o brasileiro está se sentindo, sobretudo, mais pobre ao comprar alimentos no supermercado a cada semana, a cada quinzena, que a inflação, na vida das pessoas, está até maior que o indicador oficial. Nós precisamos preservar essa conquista, que é a conquista da estabilização econômica. Ela tem que ser um compromisso, e será um compromisso do nosso programa de governo. Por isso que eu falei, nosso governo vai tratar do... Qual é o propósito que a gente quer com o país? Para onde que a gente quer levar esse país? E isso, vamos deixar claro, com metas objetivas que vamos colocar, não só metas para a inflação, mas metas também para o crescimento econômico. É possível sim, tanto é possível que outros países como Chile, como a Colômbia têm inflação menor que a do Brasil.

Eu ia perguntar exatamente isso. A meta de inflação é 4,5%. O sr. acha que é possível, até 2018, atingir esse centro da meta, mas o sr. acha, com as informações que tem, que é possível antes de 2018 chegar nesses 4,5% e depois reduzir ainda mais?
É exatamente esse o debate. Eu falei em 4%, na verdade, de meta de inflação para chegar até 2014 e como em 2015.

2014?
Até 2018. E como em 2015 a gente tem que fazer o PPA, o Plano Plurianual, que avança um ano sobre o mandato seguinte, a gente já quer deixar claro uma rampa de queda do centro da meta e ter um compromisso com o centro da meta e não com o teto. Agora já está furando o teto. A gente precisa cuidar, exatamente, de focar o centro da meta.

Então vamos entender. Para 2014 já está dada: a meta é 4,5%, não tem como, e para 2015 também vai ser 4,5%, que é decido agora. Qual deve ser a trajetória da meta de inflação do Brasil ao longo dos próximos anos, considerando-se que em 2015 já vai ser 4,5%, para os anos seguintes, como o sr. vislumbraria?
Eu acho que, nos próximos quatro anos, a gente deve perseguir uma meta de 4%, como centro da meta, podemos...

A partir de qual ano?
A partir do ano de 2016, a gente já se aproxima do centro da meta. Até porque a gente tem uma porção de situações que foram represadas, exatamente, porque esse ano tem eleição, o governo está segurando uma série de preços. Nós temos que trabalhar com esse dado de realidade, mas nós queremos olhar para, a partir de 2018, um novo centro da meta, em torno de 3%, para que o Brasil, aí sim, vá se aproximando de uma inflação de classe mundial para países do padrão do Brasil.

Vamos entender. 2015 já está dado, a meta é 4,5% por que é decidida neste ano pelo atual governo. A partir de 2016 o sr. entende 4%.
4%.

Que seguiria até 2018 e 2019...
E o PPA nosso constaria, para 2019, já uma meta de 3%.

Agora, o sr. mencionou represamento de certos preços controlados ou administrados diretamente pelo governo, vou citar combustíveis e energia. Há grande dúvida sobre como desrepresar esses preços. Quando vai ser possível trazer esses preços para níveis de mercado e como fazer isso?
Primeiro temos que definir uma regra clara, transparente, objetiva sobre preços de combustíveis para que o governo não fique com essa capacidade de meter a mão e ficar atrapalhando a vida do programa, por exemplo, de investimento da própria Petrobras, matando o programa do álcool, 40 usinas fechadas, milhares de empregos, no interior do Brasil, no setor do etanol...

O governo comenta que fez isso para segurar a inflação, para ajudar a todos os brasileiros. Está errado?
Está errado, porque ele fez isso porque deixou de fazer outra coisa, que foi, na governança da macroeconomia, cuidar, efetivamente, de ter uma sinergia entre política monetária e fiscal e ter compromisso com o tripé macroeconômico, de fazer um dever de casa que não fez. Como não fez, teve que ir administrar, exatamente, em cima dos preços que ele poderia colocar a mão.

Tem um senso comum entre os agentes econômicos, economistas, analistas da área, que é mais ou menos assim: se for reeleita a presidente Dilma Rousseff, ela não vai querer dar uma pancada de uma vez nesses preços, aumentar tudo a partir do primeiro semestre de 2015. Estou dizendo preço de energia, combustíveis, entre outros. Se for um candidato de oposição, como não tem compromisso com a política anterior, logo nos primeiros seis meses vai reajustar tudo e vai haver uma pancada na inflação, o país vai ficar em condições difíceis, no ano que vem. Isso vai acontecer?
Eu acho que não. Se depender de nós, nós vamos fazer um processo...

Qual é a gradualidade dessa correção?
A gente passar uma mensagem de tranquilidade, uma visão de médio e longo prazo, a possibilidade de ter regras que impeçam, no futuro, situações assemelhadas a essas e, ao mesmo tempo, não esconder que tem um esqueleto que estão deixando. Eu não sei nem se esse esqueleto, depois das eleições, a presidenta [Dilma Rousseff] perdendo as eleições, se ela não teria, exatamente, as condições de, talvez, e até a obrigação de consciência de já tomar algumas medidas para ir diminuindo o tamanho do passivo que fica.

Agora, imaginando que é necessário fazer essa correção nesses preços, reajustá-los, energia, combustível, como eu tenho citado. O sr. imagina que ao longo de quanto tempo isso terá que ser feito, para minimizar o impacto na taxa de inflação?
Isso, na verdade, está sendo calculado por especialistas para, exatamente, a gente cumprir a meta, que eu falei há pouco, falávamos há pouco, da inflação. Acho que a gente não pode soltar isso de uma vez só porque são preços que são transversais a toda a economia. Eles têm impacto no custo Brasil, têm impacto na competitividade da nossa econômica. Nós precisamos cuidar dele, mas precisamos diluir no tempo.

Agora, não tem mágica então, porque se foi um erro ter represado, será também um erro desrepresar de uma vez?
Eu acho.

Ao não corrigir de uma vez, o erro cometido, como o sr. disse, porque aí segura, enfim, investimentos na Petrobras, entre outros lugares, também continua a ser cometido. Como é que resolve isso?
Resolve, primeiro, evitando. Eu acho que a gente, na hora que tem uma regra, daqui para frente, a gente blinda o Brasil de ter esse tipo de prática. Depois, a gente precisa ter consciência de que não temos como resolver isso de uma vez só. Isso está claro para mim.

O sr. acha que é um ano, dois anos para colocar tudo isso de acordo, três anos. Quanto tempo para daí ficar tudo, mais ou menos, normalizado?
Eu acho que deve ser no menor prazo possível, desde que não crie uma situação de constrangimento para a economia.

Mas isso seria, o sr. faz ideia, quanto tempo? É mais de um ano?
Eu acho que é mais de um ano. É mais de um ano e menos de três.

Dois anos, na média, até corrigir tudo?
Até corrigir tudo.

O sr. disse, recentemente, também ser a favor de uma “carta forte”, foi a expressão que o sr. usou, para o Banco Central, dizendo que seria necessário formalizar a independência operacional do Banco Central. Sua pré-candidata a vice-presidente, Marina Silva, deu uma declaração não exatamente nessa linha, contraditando um pouco o que o sr. disse a respeito da independência do Banco Central. Em um eventual do governo do sr. como presidente, o Banco Central teria qual tipo de independência e qual seria o formato que essa independência seria, então, conferida ao BC?
Desde já, já há um consenso em todo o nosso conjunto que o Banco Central deve ter independência administrativa. Isso é um consenso. É fundamental para que a gente...

Mais do que tem hoje?
Muito mais do que tem hoje.

Por meio de lei?
Tanto quanto já teve no passado em alguns governos.

Mas por meio de uma nova lei?
Com autonomia administrativa assumida aqui como um compromisso político, com documento por um governo que vai ser legitimado pelas urnas. O que eu estou discutindo, e falei desta forma, é que é muito importante, a meu ver, que a gente tenha uma carta mais forte do que esse compromisso...

Como é que se materializa isso?
Seria através de uma lei, mas existem vários modelos. Existem pessoas que defendem vários modelos de Banco Central, por isso que esse debate ainda está acontecendo na nossa equipe de programa de governo.

Não há divergência entre o sr. e Marina Silva sobre isso?
Não. Nós estamos discutindo com a assessoria de vários economistas, temos um consenso claro de que deve haver um compromisso, como já há, de que no nosso governo, a partir dia 1º de janeiro, nós teremos uma direção do Banco Central com autonomia administrativa para cumprir a meta de inflação, então a política monetária que defenda o país e que possa reconduzir o país a um rumo de crescimento distinto desse que nós estamos tendo.

Mas aí, no seu governo, além dessa... Por que no início do governo o sr. entraria e daria essa independência administrativa de ofício, no caso. Agora, o sr. está dizendo que seria necessário uma nova lei para oficializar tudo isso em seguida?
O que eu tenho defendido é que, para a recuperação do Brasil, da situação ser até mais rápida, nós temos que ter gestos, gestos com a sociedade, gestos com o mercado, que mostrem que vai vir um governo novo para um novo momento do Brasil, com outras prioridades e outras práticas políticas.

Mas deixa eu detalhar no caso do Banco Central. Os diretores do Banco Central e o seu presidente seriam, por exemplo, a eles conferidos mandatos com tempo determinado e, durante esse mandato, não seriam demissíveis ad nutun pelo presidente, por exemplo. Como é que seria essa lei para dar autonomia para o BC?
É exatamente este modelo que está sendo discutido: se o mandato é do presidente, ou o mandato é do diretor. Há países em que você tem 12 diretores e que o mandato é do presidente, quando o diretor vira presidente por dois anos, ele está blindado na função de presidente. Esse debate que estamos fazendo.

O sr. tem opinião sobre isso?
Tenho. Eu acho que o Brasil precisa de uma carta forte para mostrar que o Brasil vai ser...

Mas o mandato seria de quem?
O mandato seria do presidente.

Do Banco Central?
Do Banco Central.

Não seria demissível no período em que estive ali?
Na presidência.

Entendi. O sr. defende mandatos de quantos anos para o presidente do Banco Central?
Eu acho que ele deve ter um mandato de três anos.

Não coincidente e reelegível, reconduzível?
Por uma vez.

Entendi. Assim de maneira a não coincidir com o mandato com o chefe do Executivo.
A partir daí ele não coincide com o mandato do Executivo.

Aí o sr. vai defender, eventualmente, junto com os seus colegas de campanha, com Marina Silva, formatar esse tipo de modelo para apresentar um projeto de lei para o Congresso?
É esse o debate que estamos fazendo nesse momento e devemos tratar desse assunto no programa de governo, que vamos apresentar até o final de junho.

Ou seja, lógico de se imaginar que, o sr., ocupando a Presidência da República, provavelmente proporia essa lei, que daria os mandatos fixos para o presidente do Banco Central e durante esses mandatos ele seria indemissível?
Esse é o estágio que estamos, fazendo um debate interno. Já assumindo de pronto e isso já está resolvido, já é consenso, que o Banco Central deve ter autonomia para que ele cumpra o seu dever.

Que reformas econômicas, uma ou duas, porque senão a gente vai falar só disso aqui, o sr. acha que são absolutamente urgentes e fundamentais para o país?
Olha, Fernando, tem as reformas clássicas que o país precisa. Reforma tributária, reforma política, mas eu acho que a gente tem que ter...

Na área econômica?
...Eu acho que a gente tem que ter um foco muito claro, mais muito claro, na busca de alavancar a produtividade da economia brasileira. Esse é um desafio de um lado. Um outro desafio é a qualidade de vida do povo brasileiro. A qualidade de vida caiu muito nos grandes centros, nas médias cidades brasileiras. Desde a mobilidade, a insegurança, a qualidade dos serviços públicos de saúde, de educação. Eu acho que o grande desafio da produtividade é a questão da educação. Nós precisamos, de uma vez por todas, acabar com o apartheid que choca o Brasil que é entre a qualidade da escola privada e da escola pública que estamos oferecendo ao povo brasileiro. Eu acho que esse deve ser um grande centro, uma grande bandeira de um novo ciclo que o Brasil precisa ver. É um pacto em torno da educação de qualidade que vai conduzir o Brasil a um outro padrão de produtividade na sua economia.

O sr. falou de produtividade até, a propósito, a revista britânica “Economist”, acabou de publicar um texto muito crítico dizendo que quando a gente coloca o pé no Brasil já começa a perder tempo. E que há muito pouco de avanço na produtividade do trabalhador brasileiro ao longo de décadas. Quando se fala nisso no Brasil, em geral, o discurso toma várias direções, uma delas é a necessidade de algum tipo de aperfeiçoamento ou reforma trabalhista, das leis trabalhistas. O sr. enxerga necessidade de alguma reforma nessa área?
Eu acho que ninguém nesse país vai ter condição de assumir um compromisso com a sociedade que vai tirar direitos sociais nos próximos quatro anos. Quem fizer isso vai estar mentindo para a sociedade, não há ambiente político, no Brasil, para nenhum candidato a presidente da República ter condições de assumir um compromisso que vai retirar direitos sociais. O que que tem, na verdade? Sobretudo a nossa campanha, a nossa proposta, vem de um conjunto de forças que tem, historicamente, compromissos com as lutas sociais brasileiras. O que nós precisamos fazer para alavancar a produtividade no Brasil? Nós precisamos fazer um grande esforço de qualificação profissional, um grande esforço da educação, de inovação, e precisamos ter, exatamente, um esforço continuado de desonerar a geração de trabalho, porque a produtividade em uma fábrica, nos Estados Unidos, e em uma fábrica no Brasil, se elas têm padrão tecnológico assemelhados, a produtividade física, física, ela se dá praticamente no mesmo tamanho. Ela é tocada pelos custos que vêm da logística, muitas vezes da carga tributária que existe sobre o salário, mas não da renda do trabalhador.

Não, claro. Mas eu ia perguntar para o sr. Por exemplo, uma empresa de médio porte, que contrata lá 100 ou 200 funcionários, que paga, digamos, R$ 2 mil para um funcionário contratado por meio da CLT, totalmente correto. Ela, em geral, que os tributaristas dizem é que, para contratar um funcionário e pagar um salário de R$ 2 mil, gasta-se, em geral, mais R$ 1 mil. Quer dizer, gasta 100% do salário em encargos. Isso é alto ou é adequado para o Brasil?
Não. Eu acho que o Brasil tem uma oneração do trabalho que não deveria ter, mas isso não são ganhos do trabalhador, isso é da carga tributária, é de um sistema que é antigo. Nós temos, por exemplo, sobre o consumo, nós temos, praticamente, cinco tributos cobrados, às vezes, pelos Estados, na maioria das vezes os Estados e a União, mas o próprio ISS, em alguns casos, vai no serviço que atinge o setor de consumo, o varejo, ou seja, nós precisamos de uma reforma tributária. Agora, o Brasil fica insistindo em fazer reforma tributária para amanhã e aí termina não fazendo nunca. Nós precisamos fazer uma reforma tributária fatiada, no Brasil, olhando, inclusive, a geração do trabalho.

No caso do trabalhador, dos trabalhadores, dos encargos que incidem sobre o salário do trabalhador, estou entendendo que o sr. não vê ambiente político para, nos 4 anos do próximo governo, fazer uma alteração a respeito disso? Fundo de garantia, INSS, férias, décimo terceiro, todos esses custos adicionais ao salário. Quanto a isso o sr. não vê espaço político?
Nós não vamos colocar na nossa plataforma nada que retire direitos dos trabalhadores. Tocar em férias de trabalhador, décimo terceiro salário, de forma nenhuma. Agora, nós vamos sim fazer um esforço para melhorar a produtividade, para melhorar a possibilidade das empresas brasileiras gerarem trabalho sem oneração. Como? Através de uma reforma tributária que possa melhorar a composição dos custos no trabalho.

Reajuste do salário mínimo. A atual política que existe no Brasil é a mais adequada?
Eu acho que a gente não pode pensar que esse país vai renunciar ao direito, a classe trabalhadora vai perder o direito de ter um reajuste da inflação para a sua remuneração. Ou que vamos resolver o problema das contas públicas no Brasil tirando a possibilidade dos trabalhadores que ganham o salário mínimo ter um ganho real. Nós temos um problema que não é o salário mínimo ter ganho em real, nós temos um problema é na Previdência, de um passivo que foi sendo formato ao longo dos anos.

Mas no caso do salário mínimo, a política atual, que leva em conta o crescimento dos anos anteriores, faz uma média, joga para frente. O sr. acha boa essa política atual ou o sr. gostaria de modifica-la?
Acho que nós podemos de discutir a política. Nós temos que ter a possibilidade do salário mínimo seguir tendo reajustes para garantir o poder de compra real do salário mínimo, no Brasil, que é fundamental para que a gente possa ter um país mais equilibrado socialmente, para que a gente tenha um mercado interno, sobretudo nas regiões mais pobres, que ajude através do consumo o crescimento da economia.

O sr. está dizendo então, basicamente, que essa política, que nos últimos anos deu ao salário mínimo um ganho real, em relação à inflação, deve ser mantida e seria mantida em um eventual governo seu?
Eu não estou falando que exatamente essa política que está aí, que vai até 2015. Eu estou falando do princípio. No nosso governo o salário mínimo terá a recomposição do poder de compra da inflação...

Sempre é um pouquinho em cima da inflação?
...E algum ganho real, sim.

Previdência. Previdência pública, previdência privada. A previdência pública tem um rombo, um déficit grande que, em geral, é quase que equivalente ao da previdência privada que tem dezenas de milhões de mais trabalhadores a ela associados. Como resolver esse problema?
Esse é um problema que o Brasil foi tocando aos poucos. Houve mudanças no governo Fernando Henrique, houve mudanças no governo do presidente Lula, há matérias, inclusive, que não foram completamente colocadas para funcionar e nós precisamos discutir, sobretudo nesse momento que temos uma janela demográfica que temos, até para garantir à juventude de hoje, aos trabalhadores de hoje, esse direito lá na frente, é preciso que a gente faça um debate sobre a reforma da Previdência.

Uma medida objetiva sobre a Previdência, por exemplo, a idade da aposentadoria, o formato como é a aposentadoria dos trabalhadores do setor público. O sr. tem alguma proposta objetiva sobre o que poderia ser pensado e executado?
Não. Nesse momento, nós temos um intenso debate, estamos ouvindo especialistas que tratam dessa matéria fazendo uma segregação do que muitos Estados estão fazendo e a União fez dos novos servidores, distinguindo dos antigos servidores, tem muito debate sobre a questão das pensões, mas não temos nenhuma posição tomada. Esse debate está acontecendo nesse momento.

Vários países europeus têm aumentado a idade de aposentadoria. É o caso de o Brasil começar a pensar também em aumentar a idade de aposentadoria de seus trabalhadores?
Olha, o Brasil já fez isso, né.

Pois é, mas comparado a países europeus ainda é mais baixo.
Na medida em que haja um processo em que a idade média do país vai crescendo, é natural que vá crescendo também a idade média da aposentadoria, as pessoas estão vivendo mais, é natural que as pessoas também queiram trabalhar ou possam trabalhar mais do que antes.

60 anos é uma idade adequada no Brasil ou 65, qual o sr. acha que seria a idade adequada hoje de aposentadoria?
Esse é o debate que os especialistas estão fazendo...

O sr. tem opinião?
Tenho, opinião tenho, mas não fechamos a opinião porque não só minha opinião que vai fazer o programa.

Mas a sua qual é?
Na nossa posição é que é preciso fazer um debate sobre a questão da Previdência, inclusive, animando a previdência complementar no Brasil que é fomentando, incentivando a previdência complementar para o mundo privado como uma forma de a gente ter um lastro de poupança que possa nos ajudar a alavancar os investimentos. O Brasil cuidou muito pouco de incentivar a previdência privada complementar e agora também há espaço para a previdência complementar pública porque os novos servidores não terão a paridade. E aí tem uma oportunidade de você garantir renda para os aposentados, até porque Previdência é algo estratégico para a harmonia de uma sociedade, para o equilíbrio da sociedade e pode ser, economicamente, uma grande oportunidade para o Brasil superar esse gargalo da poupança interna.

Mas estou entendendo que, ao longo desse debate, vai ser inevitável fazer alguma correção na idade mínima de aposentadoria?
Não, não tomamos essa decisão.

Não?
Nesse horizonte desses quatro anos agora, não.

O Brasil tem 39 ministros, nem todos de ministérios, mas de secretarias com status de ministérios, 39 ministros. Quantos ministros o Brasil teria de ter idealmente?
Eu acho que entre 15 e 20. 

Isso é possível?
É claro. É possível.

Por que tem tanto ministro?
Tem que perguntar à Dilma, né Fernando?

Mas deixa eu perguntar uma coisa. Em Pernambuco, o sr. governou o Estado com 28 secretários que são, em nível estadual, os ministros, vamos dizer. Por que em Pernambuco não tinha de 15 a 20?
Porque você não pode comparar a máquina de um Estado com a máquina de um país. Muitas vezes em um Estado, que tem máquinas muito mais precárias, uma situação bem diferente da União do ponto de vista de recurso, do ponto de vista de equipes técnicas, para você chegar e fazer inovação, como nós fizemos em Pernambuco na gestão, tanto que é que nosso governo foi premiado pela ONU, pelo modelo de gestão, a gente precisava empoderar áreas que não existiam no serviço público. Por exemplo, a área de cultura no Estado, um Estado forte culturalmente como Pernambuco, você precisa ter uma política para o cinema, você precisava ter uma política para a música, para as artes e tinha que ter uma equipe que cuidasse da estruturação da área cultural.

Precisava ser um secretário?
Precisava porque esse é o nome da função de confiança que tinha. Agora o que eu posso te dizer é o seguinte: nós diminuímos o número de cargos, a expressão do número de cargos de confiança sobre a folha. Ou seja, a gente não criou nenhum cargo novo, diferente do que houve na União. Nós pegamos os cargos existentes e redistribuímos eles para cumprir um programa de governo. Num modelo de gestão que fez exatamente meta, remuneração variável, transparência na gestão, participação popular, de um modelo de gestão que foi premiado como um dos casos de êxito. A ONU dá cinco prêmios anuais de excelência e gestão e deu ao governo de Pernambuco por montar esse sistema.

Deixa só eu problematizar aqui. No plano federal, o ex-presidente Lula e a presidente Dilma que continuou a política do presidente Lula, argumentam o seguinte, tal como o senhor: era necessário, vamos dizer, empoderar determinados setores com cargo de ministro para dar relevância àquele setor. Por exemplo, a Secretária de Igualdade Social, que combate o racismo, a Secretária das Mulheres, a dos Direitos Humanos, que não eram ministérios e viraram ministérios porque o ex-presidente Lula e, agora, a presidente Dilma dizem “é muito importante que sejam ministérios para dar um sinal para a sociedade da nossa prioridade”. Não é a mesma coisa que o sr. fez em Pernambuco?
Não, porque o governo federal em regra ele não executa, a execução se dá através de Estados e municípios, ele define políticas, estruturas políticas, programas e pode fazer a execução através dos Estados e da União. São situações completamente distintas.

Quando a gente olha os 39 ministros do atual governo, as pastas que a gente imagina que poderiam ser extintas e virarem apenas secretárias de algum ministério são exatamente essas da área social. Poderiam estar todas agrupadas, digamos até, no Ministério da Justiça. É lógico esse meu pensamento, faz sentido ou não?
Eu acho que a estrutura tem que refletir o programa. Nós primeiro vamos terminar o programa, porque você não pode fazer uma estrutura sem saber para fazer o quê. Nós vamos definir um programa e com base no programa vamos definir a estrutura.

Porque veja só, a gente olha a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, Ministério da Fazenda vai ter, Ministério dos Transportes, da Justiça, Relações Exteriores, são os clássicos, Indústria e Comércio, aí quando a gente olha aqueles que são os mais novos, são esses justamente que eu citei, são secretarias que viraram ministério, com status de ministério. É licito supor que, no seu governo, eventual se o sr. vencer, essas secretarias seriam agrupadas em um ministério só?
Não fizemos esse debate sobre a estrutura. Eu acho que a gente não é só...

O sr. está falando de 15 a 20 ministérios.
Não é só diminuir o número de ministérios, é mais do que isso. É conceber um modelo de gestão que tenha transparência, que tenha metas, que possa formar uma equipe com pessoas sérias, capazes, competentes, que sejam líderes, que inspirem as equipes e não essa partilha que, muitas vezes, a gente assiste ser feita de colocar no ministério alguém que foi indicado só porque o partido A está fazendo bloqueio da votação no Congresso ou coisa do gênero. Nós precisamos, mais do que diminuir o número de ministérios, de um programa para ser cumprido, de um time que entusiasme o Brasil, que dê exemplo, que selecione boas pessoas para que a gente possa dar conta da missão, que é fazer mais com menos, é aumentar a produtividade do setor público. Nós precisamos, a população fala da redução da carga tributária, do outro lado quer mais serviço e com qualidade. Como é que você vai dar conta desse desafio se você não melhora a produtividade do serviço público? Como é que se melhora a produtividade botando gente incompetente, que não tem capacidade, que não tem liderança, que não conhece a área?

Falando nisso, estamos falando aqui de coligações que sustentam o governo, porque um governo precisa fazer política, porque são três poderes na República e há uma integração grande, pelo menos, entre o Executivo e o Legislativo, não é? No Legislativo estão os partidos que vão, eventualmente, dar sustentação a um governo, ao seu ou de quem for eleito. O atual governo tem uma base ampla de partidos no papel que o apoia, eles estão representados, em certa medida, nos ministérios. O sr. está dizendo que isso não vai ser a lógica do seu governo? O número de partidos que o sr. terá de apoio, eventualmente, no Congresso, não estarão todos na Esplanada, até porque nem haverá 39 ministérios, é isso?
Eu acho que essa lógica está superada pelos fatos, pela história, pelo tempo, pela manifestação da população.

Quem vai falar isso para os partidos?
Eu estou falando já aqui, você já está publicando no UOL. Eles todos vão estar lendo. Na verdade, você sabe que esse processo que vem desde a Nova República, na verdade, desde a transição para a democracia, ele passou pelo ciclo da transição econômica e ele passou agora nesse último ciclo. Nós precisamos ler claramente que ele está superado, ele é insustentável. Nós precisamos, para que o Brasil saia do caminho errado, entre no caminho certo, nós precisamos que a sociedade volte a olhar para Brasília e se reconhecer. E a sociedade não vai se reconhecer em Brasília se a gente continuar criando ministério, provendo esses cargos da forma que estão sendo colocadas as pessoas para geri-los. Nós precisamos juntar os bons no Brasil, apostar que a sociedade vai apoiar quem assume esse compromisso e cumpre esse compromisso e se a sociedade vai apoiar, esse apoio da sociedade vai se refletir no Congresso Nacional. Eu não tenho a menor dúvida disso, a menor dúvida. Veja bem, Fernando, você viu o segundo semestre de 2012 o Congresso, mesmo a presidenta tendo uma base muito ampla, votar muita pouca coisa. O primeiro semestre de 2013 muita pouca coisa. Quando a população foi para a frente do Congresso, o Congresso em 15 dias votou o que não votou em um ano.

Agora, essa lógica de governar com vários partidos e dar a eles cargos funcionou em certa medida, no Brasil inteiro, em vários governos, inclusive no seu, em Pernambuco também um pouco, não funcionou? Por que o sr. tinha 17 partidos na sua coligação que o elegeu. Eles, em certa medida, estavam representados no seu governo.
Absolutamente.

Não?
Se você for ver o que nós fizemos em Pernambuco foram acordos de programa. Eu disputei a eleição em 2010, o PV disputou a eleição comigo, apoiando a Marina, na época, Sérgio Xavier, do PV, um militante histórico do PV.

Foi seu secretário?
Passada a eleição, tive 83% dos votos. Ele me fez observações críticas ao governo, sugestões, que terminaram por me levar a chamá-lo para me ajudar. Ele apresentou 14 pontos que o governo deveria ter compromisso na questão ambiental e foi trabalhar conosco. É uma visão diferente. Você vai na Alemanha, terminou a eleição, os partidos se reúnem e discutem questões programáticas.

O sr. acha possível ter uma dezena de partidos, mas com base em programa?
Se não tiver os partidos, vai ter pessoas, que estão nesses partidos, mas que vão ver algo certo, direito, sendo feito. Ele vai chegar em casa, as pessoas no prédio dele, na comunidade que ele representa, vão dizer “aposta nesse governo, as coisas estão sendo feitas de maneira direita, eu vi ser nomeado para a pasta da educação alguém que expira confiança, que conhece a educação, que vai fazer um trabalho bonito, não vamos desperdiçar essa oportunidade”. A própria presidenta Dilma, Fernando, teve no primeiro ano do governo dela, em 2011 e até um pedaço de 2012, ela teve uma torcida extraordinária do Brasil para fazer alguma coisa diferente. Essa oportunidade, ela deixou passar.

Isso tudo que o sr. está falando, na teoria, parece realmente que tem muita lógica. Agora, na prática, quem acompanha Brasília sabe que as coisas não são tão simples assim. O sr. disse, por exemplo que, apesar do grande apoio a presidente não conseguia aprovar determinadas coisas no Congresso, quando a população foi às ruas, em junho de 2013, o Congresso rapidamente atuou. Só que esses episódios, de a população ir às ruas, são muito raros no Brasil. Teve esse de junho de 2013, antes desse teve o impeachment, em 1992, depois teve Diretas Já, em 1984. Não é uma coisa que acontece todos os anos, esperar que a população fique pressionando o Congresso. 
Fernando, eu vi no Estado e ainda existe isso em vários Estados do Brasil, diretor de escola ser indicado por deputado, diretor regional de uma determinada região de educação...

E os pais das crianças reclamam?
...Ser indicado pelo deputado mais votado federal. Eu vi isso ser quebrado no meu Estado. Você não acha que teve político achando ruim não? Teve muito político achando ruim, mas foi quebrado. O governo que me antecedeu construiu eleição direita, eu construir certificação de um ano, curso para ser candidato, tinha que ter certificação de capacidade para ser diretor com eleição na escola. E o diretor regional da educação, que antes era indicação de político, ser feito por comitê de busca, que é uma espécie de headhunter da academia. Ou seja, isso no sertão de Pernambuco. Como é que no Brasil nós vamos continuar a chamar para ser diretor das agências que regulam telefonia, energia, a questão de transporte, as pessoas na base da indicação, muitas vezes da aliança do empresário com o partido político, para botar quem vai fiscalizar um setor, para defender o consumir e a economia dessa forma? No século 21, as pessoas acordando cedo, trabalhando muito, pagando muito imposto e vendo lugares estratégicos da nação serem apropriados por partido e a gente vai ficar achando que isso vai ficar desse jeito. Ora, Fernando, se a gente pensasse assim, que não era possível, até hoje a gente tinha um general, designado por alguém, sem ser eleito, comandando o Brasil, a gente tinha ficado na ditadura militar. Se a gente achasse que não era possível, a gente ainda estava com inflação de 200%, ao mês. Eu acho que a gente derrotou uma Ditadura, a gente derrotou uma hiperinflação, colocamos o tema social na mesa do Brasil, é preciso colocar o tema de melhorar a política. Ou melhora a política, ou não melhora nada nesse país.

A propósito, se o sr. tivesse que escolher um ou dois itens, no máximo, dos sistema político partidário para alterá-lo, se o sr. tivesse poder para fazer isso, quais seriam esses dois pontos para serem alterados, principais?
Eu acho que a primeira medida é mandato de cinco anos sem reeleição e coincidência dos mandatos das eleições. São duas medidas que ajudam a abrir um outro padrão político na representação congressual para discutir tudo mais em profundidade do que tem que ser feito.

Posso ler essa proposta como ter menos eleições no Brasil?
Não, é ter mais eleições no Brasil.

A gente tem eleição a cada dois anos, teríamos só a cada cinco.
Eu acho que a gente precisa ter eleições onde o Brasil inteiro fale, onde não tenha a visão eleitoralizada da política que hoje tem, de cada dois anos ter eleição, termina que quem paga essa conta é a população porque isso...

Nos países desenvolvidos têm eleição todo ano?
Isso cria uma série de dificuldade no pacto federativo, da cooperação entre Estados e municípios, entre União e Estados em ano que tem eleição, ou seja, quatro anos pode ser pouco, cinco seria o suficiente, acaba o instituto da reeleição, governo fazendo tudo em função da eleição. Você está vendo agora, o Brasil está aí com problema de energia e as pessoas escondendo o problema por que tem eleição. Um problema na inflação, um problema na Petrobras, um problema em toda a parte e se escondendo sem se tomar as medidas que têm que ser tomadas por conta de questão de reeleição.

Quando não tiver reeleição, como já não teve no Brasil, o governador de Estado, que teve eleição de governador de Estado desde 1982, não havia reeleição até 1998. O governador de Estado, que não podia ser reeleito, também escondia tudo, em muitos casos, para fazer o seu sucessor. Aqui, em São Paulo, temos um caso clássico com Orestes Quércia, que elegeu Luiz Antônio Fleury Filho e, à época, tem uma declaração atribuída a Quércia que era a seguinte: Quebrei o Banespa, que era o banco estatal aqui de São Paulo, mas elegi meu sucessor. O fato de não ter a reeleição vai impedir isso?
Eu acho que melhora muito.

Será? O sr. tem certeza? É convicto disso?
Sou convicto. Convicto de que é bom para o Brasil ter eleições coincidentes no mesmo ano e o fim da reeleição e mandato de cinco anos.

O sr. mencionou, em uma viagem ao Maranhão, que em seu eventual governo, se for eleito presidente, José Sarney estaria na oposição. José Sarney e sua família têm muitos filiados ao PMDB, sua filha Roseana... O sr. governaria sem o PMDB ou com uma parte do PMDB, eventualmente, no seu governo?
Tem gente no PMDB que tem uma história ao nosso lado, como, por exemplo, Pedro Simon, é um PMDB que honra qualquer governo a participação dele. O senador Jarbas Vasconcelos, o senador como Luis Henrique da Silveira, como tanto outros pemedebistas históricos, do velho MDB que ajudou a resistência democrática, que tem uma posição de decência, de comprometimento com a política em outros termos, essas pessoas deverão nos ajudar.

O sr. governaria com quadros políticos e com pessoas de partidos e não necessariamente com os partidos?
Não, eu respeito os partidos, eu sou dirigente de um partido. Eu tenho quatro partidos apoiando a nossa proposta e nós vamos recebendo já, desde já, a opinião de pessoas que são de outros partidos e que amanhã poderão até ser dirigentes de seus partidos, mas enquanto não forem vão exercer a sua cidadania, seu exercício do mandato. Vão nos ajudar na construção de um momento, Fernando, que é um momento de mudança muito expressiva na vida pública. Nós não estamos em um momento singelo da vida pública brasileira e os partidos não estão representando exatamente o que a sociedade pensa, nesse momento. Tanto é que a sociedade foi às ruas e não levou nenhum partido na frente.

É que temos aí uma disjuntiva. Eu entendo tudo que o sr. está falando, as pesquisas, o Datafolha capta esse sentimento de mudança, sentimento de as pessoas estarem refratárias aos partidos políticos tradicionais. Ainda assim, um presidente da República será eleito no Brasil, em outubro, tomará posse no dia 1º de janeiro e começará a governar e terá que ter ajuda do Congresso e o Congresso é composto por deputados e senadores que pertencem a partidos. O que eu estou perguntando para o sr. é, o sr. vai procurar, digamos, se for eleito, como qualquer outro, alguns partidos para ajudá-lo no governo, as suas propostas, aí o sr. vai ter que discutir com a direção desses partidos, digamos, o PMDB, que é um partido grande, ou o Democratas, que seja, alguns partidos. O sr. vai falar com o PMDB e vai dizer “olha, vamos fazer um acordo programático assim assado, mas eu não quero dar cargos para a família Sarney, não quero isso etc.”, é isso que o sr. está dizendo?
Não, estou dizendo o seguinte, que nós vamos tirar da base do governo, depois de 30 anos, aquelas mesmas figurinhas que estão lá e que precisam ir para a oposição para surgir uma nova prática política no Brasil, vai surgir um novo quadro político que vem das urnas. Não imagine que as urnas, em 2014, não vão fazer uma parte da limpeza que eu estou falando aqui. A base congressual vai ser alterada pelo voto popular, um terço do Senado e 100% da Câmara vão ao voto, agora em outubro. Nós vamos ter um novo quadro. Uma vitória nossa vai possibilitar um novo arranjo político, inclusive, eu acho até, partidário no Brasil, e nós precisamos fazer uma grande frente política em torno de um ideário. O que nós queremos do Brasil? Como é que a gente vai fazer a educação nesse país mudar a vida das pessoas? Escola integral, creche de qualidade, um esforço para que a gente possa ter crescimento sustentando de 4%, um olhar para a segurança, que é um tema gravíssimo, fazendo o velho debate político sobre pedaços do Estado sendo distribuído, com partidos com velhas raposas que já tiveram do Brasil tudo que queriam ter do Brasil?

Agora, captei na sua fala “um novo quadro partidário”. O sr. enxerga, inclusive, a possibilidade de haver alguma grande fusão de partidos para criar uma nova sigla, a partir do ano que vem?
Eu acho que a gente vai ter que ter uma frente política, respeitando, inclusive, os partidos existentes. É natural que surja algum movimento de fusão partidária e que possibilite uma base. Não precisamos ter 400 deputados, não, e nós...

Precisa ter quantos?
Precisamos ter uma base que nos dê a maioria possibilidade de discutir, inclusive, composição...

Aí é 257 na Câmara.
É isso. Ter uma maioria e ter a possibilidade...

Isso seria o quê? Uma frente ou um grande partido com esse número?
Uma frente, ter partido e ter, sobretudo, a capacidade do diálogo. Se nós apresentarmos ao Congresso Nacional, por exemplo, para designar para as agências reguladoras os diretores não mais na indicação política, como se faz hoje, mas através de mecanismos de busca, como headhunter, e comitê de busca, para escolher esses diretores. Uma proposta dessa tem, eu acho que, 100% de aprovação na opinião pública. Por que o Congresso vai ficar contra isso?

Essa sua proposta, no caso para as agências reguladoras, fazer uma contratação profissional dos diretores?
Profissional dos diretores, por mecanismo público, discrição, transparente, banca examinadora, ou seja, é uma mudança de era, é necessário que alguém se apresente à sociedade brasileira compreendendo o que a sociedade disse nas ruas, está dizendo nas redes. É hora de dar um salto. Teve uma hora que as pessoas chegaram à conclusão “não dá mais para ficar com generais”, teve uma hora que as pessoas disseram “não dá mais para ficar com essa inflação”, teve uma hora que a população disse “olha, não dá para não cuidar da população pobre”. Hoje, as pessoas estão dizendo “não dá mais para ficar com essa velha política”. Eu e a Marina, nós estamos nos apresentando como um caminho seguro para que as pessoas possam perceber que há possibilidade de governar o Brasil sem esses fisiológicos, sem os patrimonialistas. Nós temos o dever de consciência de tentar fazer isso.

Mas deixa eu perguntar para o sr. O sr. propõe isso: profissionalizar as agências reguladoras, um sistema profissional de capitação de nomes para a escolha dos diretores das agências. Aí a opinião pública apoia, como o sr. diz, digamos. Aí o Congresso fala “não, nós não queremos”. E aí? E a população não vai para frente do Congresso fazer uma passeata a favor das agências reguladoras.
Você já está respondendo pelo Congresso.

Mas é que o Congresso já fez isso várias vezes sobre boas propostas...
Não, mas...

E a população não foi protestar.
Não, mas você está vivendo em um outro momento, em um outro momento social.


O sr. acha que a população vai protestar?
Eu acho que sim. Eu acho que a população vai estar nas redes sociais.

O sr. vai trabalhar para que a população proteste em frente ao Congresso?
Eu vou trabalhar para explicitar ao Congresso Nacional de que nós estamos com a sociedade cada vez mais exigente, os parlamentares que chegarem ao Congresso vão ter vindo de um debate com a sociedade, um debate com a sociedade que está cada vez mais irrequieta, impaciente, vendo que está pagando tributos cada vez em maior quantidade, que os serviços públicos não estão de maneira adequada. E se um governo, legitimamente constituído, tem a coragem de propor isso, a população vai apoiar e eu tenho certeza que o Congresso também. Tenho certeza. Eu vivi no Congresso, fui deputado estadual, fui deputado federal três vezes, a Marina foi senadora. Nós sabemos que o Congresso, na hora em que sente que o governo não tem dois pesos e duas medidas, o Congresso acho que não apoiaria se eu dissesse “ninguém indica mais” e meu partido, por de baixo do pano, estivesse indicando. Mas se eu estou propondo uma regra que é boa, que é saudável, que é transparente, que é republicana, na expressão da palavra, eu acho que a gente vai ter êxito

Sobre indicações, sobre patrimonialismo. Seus adversários o criticam pelo fato de sua mãe ter sido indicada, com o seu apoio, para ser ministra do Tribunal de Contas da União. Foi uma boa decisão a indicação da sua mãe, Ana Arraes, para o Tribunal de Contas da União?
Quem indicou Ana, quem é Ana Arraes? Ana Arraes é uma advogada, servidora pública por concurso, que ao longo da vida, desde muito cedo, teve que trabalhar. Ficou órfã aos 13 anos de idade, criou oito irmãos, ajudou a criar outros sete irmãos. Foi perseguida pelo golpe, pelo regime de 1964, que nunca teve um emprego público que não fosse por concurso, que ela teve e entrou na Justiça e que nunca esteve na política. Na eleição que eu disputei para governo em 2006, eu tinha 5%, nós não tínhamos nenhuma máquina política, estava na oposição no Estado e ela foi lançada deputada federal pelo movimento de mulheres do partido. Ganhou a eleição, foi para o Congresso, fez um mandato respeitado, está lá consignado o mandato que ela fez. Foi reeleita com o dobro dos votos, em 2010. Houve uma vaga no Tribunal de Contas da União, à vaga caberia indicação da Câmara, um conjunto de parlamentares, inclusive, a bancada feminina, a bancada do partido dela e uma série de pessoas preocupadas em não ir ao Tribunal de Contas um quadro que não respeitasse aquela instituição tão importante para fiscalizar os gastos públicos, no Brasil, pensou no nome dela, exatamente, porque não tinha nenhuma mulher no Tribunal de Contas da União e ela tinha uma ampla relação no Congresso Nacional. Ela tinha, inclusive, os predicados exigidos pela Constituição, inscreveram ela. Eu como dirigente do partido a que ela é filiada, eu iria votar em quem? Contra ela? Eu não votei porque eu não tinha voto, mas algumas pessoas votaram nela, inclusive porque não eram nem do conjunto político nosso, mas pela atitude, pela correção. Eu acho que ela tem honrado esse trabalho no Tribunal de Contas da União.

Então é errado falar em patrimonialismo, ou prática não republicana no caso da indicação da sua mãe? O sr. refuta isso?
Qual é o patrimonialismo que há?

Eu estou apenas reproduzindo as críticas que fazem do sr.
Eu estou falando o seguinte: ela não pode ser cassada da condição de exercer uma função porque ela é minha mãe. Ela já foi cassada em outros tempos, quando faltou democracia, porque era filha de alguém, mesmo sendo uma adolescente. Ela não pode perder o direito de disputar, e disputou no voto, porque é a minha mãe. Aí fica um negócio completamente desequilibrado.

Programas sociais. Bolsa Família. O sr. disse que é necessário ampliar um pouco o número de pessoas que são, hoje, beneficiarias do Bolsa Família. Até quanto deve ser o número, no seu entender, dos beneficiados aí pelo Bolsa Família? Quanto tempo esse programa deverá existir até que exista uma porta de saída para que isso não seja mais necessário?
O Bolsa Família, ele se soma a um conjunto de outras políticas que vêm desde a Constituição Federal. A Constituição Federal garantiu salário mínimo para o mundo rural integral, porque antes trabalhador rural que não havia feito previdência era aposentado pelo Funrural com meio salário mínimo. A lei orgânica da assistência social garantiu benefício continuado, por exemplo, para famílias que tenham deficientes em sua casa, para um idoso que não contribuiu, e veio a Bolsa Família como um aperfeiçoamento das políticas que iniciadas no segundo governo do Fernando Henrique e depois o Lula tentou o Fome Zero e consolidou o Bolsa Família, um programa que tem 14 milhões de pessoas hoje que são atendidas pelo Bolsa Família. Neste momento, existe um grande esforço de fazer um terrorismo eleitoral em cima de desse público. Há uma estratégia por parte do governo, de um lado desanimar os mais jovens a votar, transformar em indignação, em voto branco e nulo, e do outro lado um terrorismo, medo em cima daqueles que estão recebendo o Bolsa Família, dizendo que se eles perderem, como eu acho que vão perder, acaba o Bolsa Família. Ora, é preciso que se deixe claro, ninguém vai acabar com o Bolsa Família nesse país. O Bolsa Família veio porque o Brasil teve um modelo de desenvolvimento que excluiu milhões de brasileiros. Agora, nós precisamos garantir, que tem uma porção de pessoas, foi isso que eu falei, tem 25 milhões de pessoas no cadastro único e tem 14 milhões de pessoas atendidas. Entre 14 e 25 [milhões], tem um número, que não se sabe exatamente qual é esse número de pessoas, que poderiam e deveriam e têm direito a estar no Bolsa Família e que precisam ser incorporados. E há um outro direito, que é comum a todos do Bolsa Família, o primeiro: é ter o valor reajustado do Bolsa Família para dar para comprar o que dava antes, porque a inflação que voltou está tirando a possibilidade de as pessoas que têm o Bolsa Família comprar as mesmas coisas que compravam antes. E o segundo, e fundamental, é que além do Bolsa Família, essas famílias recebam as outras políticas públicas que estão faltando. As mães do Bolsa Família percebem que as escolas que suas filhas e seus filhos vão estudar não são escolas ainda adequadas. E aí o que pode acontecer? Se você só dá o Bolsa Família e não dá escola, não dá saúde, não dá o saneamento, aquela filha do Bolsa Família hoje, vai ser a mãe do Bolsa Família amanhã, que é o ciclo que a gente não quer ver no Brasil.

Qual é a estimativa de necessidade de reajuste no valor médio do Bolsa Família?
Eu acho que é recompor o poder de compra, ter a possibilidade de recompor...

Tem algum percentual?
Ter isso como uma regra geral, mas não tenho o percentual ainda. Ter o compromisso de poder reajustar e dar as condições do Bolsa Família a ser a complementação que ele pretendia ser lá na sua origem.

Teria que haver, enfim, uma recomposição já no início do ano que vem, o sr. diz, já do Bolsa Família?
Isso vai constar do nosso programa diante da situação macroeconômica do país, mas ter um compromisso, exatamente não permitir como hoje. As pessoas estão percebendo, as pessoas que têm uma complementação de renda pelo Bolsa Família estão percebendo que cada vez que vão ao supermercado estão comprando menos coisa.

O sr. tem algum reparo para fazer ao programa Mais Médicos ou acha esse um bom programa do governo federal?
Eu acho que o Brasil ficou duas décadas assistindo ao fechamento de vagas nas universidades federais de medicina. Esse é fato. Sobre o silêncio geral da sociedade brasileira. Esse final de semana, eu estive na região Norte, estive em Manaus, por coincidência, falando com um médico lá, ele me dava conta que de que há trinta anos, quando ele tinha se formado, em Manaus tinha mais vaga na Universidade Federal do Amazonas para médicos do que havia naquele instante. Ou seja, isso gerou o quê? Gerou um vazio, gerou um déficit enorme. Nós não podemos abdicar da possibilidade de formar os médicos que o Brasil precisa. Nós precisamos formar os médicos que o Brasil precisa. E precisamos ter um olhar em uma área que o Mais Médicos ainda não atingiu, que é a média complexidade. Com a ação básica que está sendo feito por esses médicos que vieram de fora, ele vai descobrir uma porção de pessoas que precisam fazer exames de média complexidade, procedimentos de média complexidade. E aí está o grande gargalo do SUS, é a estruturação da média complexidade e de áreas de cuidado como, por exemplo, área materna infantil. Nós temos um déficit de maternidade no Brasil a fora, um déficit de formação de pediatra que está chegando ao limite de a gente assistir Estados ricos a mulheres tendo filho nas calçadas.

Mas o Mais Médicos, o sr. manteria o programa se eleito?
Eu acho que a gente não tem como desmontar o programa se ele for dando certo. A gente tem que analisar o impacto do programa, verificar exatamente qual é o impacto dele para a população.

No melhor do seu juízo, tem dado certo?
Até agora, eu vejo, em alguns lugares, elogio, em outros, preocupação. Eu não tenho uma análise técnica, aperfeiçoada, do resultado do programa. Se o programa tiver resultado nós vamos efetivamente aperfeiçoá-lo e mantê-lo. Não tem por que agora retirar esses médicos dessas comunidades se eles estiverem atendendo bem, cumprindo o papel. Agora, eu não posso imaginar que isso seja a solução para o Sistema Único de Saúde, onde falta governança, melhor financiamento.

É um programa de transição, é isso?
Não, eu acho que é uma parte que tentou ser vendido pelo governo como uma ação de saúde porque o governo fez muito pouco na área da saúde. A verdade, Fernando, é que em 1988 a União colocava 85% dos recursos na saúde pública do Brasil e hoje a União coloca 45%. E como na pesquisa de opinião publica a saúde aparece em primeiro lugar, a União criou um programa, se valendo da situação que há uma carência, efetivamente, de médicos, criou um programa, faz uma propaganda enorme desse programa, como se esse programa fosse resolver todos os problemas. E a gente sabe que esse programa não vai resolver todos os problemas, que a questão da saúde exige muito mais trabalho do que importar médicos.

A construção da refinaria Abreu e Lima, no complexo portuário de Suape, em Pernambuco, está na mira do TCU e também pode vir a ser alvo de uma CPI no Congresso. Qual é, se houve, o envolvimento da sua gestão, no governo de Pernambuco, com a construção de Abreu e Lima?
A construção da refinaria foi feita diretamente pela Petrobras. A contratação das obras, o gerenciamento das obras. O envolvimento do Estado foi doar o terreno, uma parte foi doada ainda no governo que me antecedeu, a outra parte que foi necessária já no nosso governo. Nós também recebemos da Petrobras o adiantamento de pagamentos de taxas portuárias para que o porto fizesse com os seus recursos, mais esse adiantamento e alguns recursos que o Estado repassou para o porto, nós fizemos obras de acesso viário, um píer e algumas obras de infraestrutura que não estão exatamente nos contratos da Petrobras, que foram contratos feitos diretamente pelo Estado que devem e estão sendo analisados por todos os órgãos de controle.

O sr. declarou recentemente ser a favor de manter as regras atuais sobre a prática do aborto, é isso mesmo?
É isso mesmo. Já temos regras, temos que cumprir as regras.

E se, durante um eventual governo seu, o Congresso Nacional aprovasse uma lei que desse, de maneira mais ampla, à mulher a decisão final sobre praticar o aborto na circunstância que ela julgar correto. Como é que o sr. reagiria?
Eu acho que eu tenho uma posição muito clara de separar o que são as minhas posições pessoais, enquanto cidadão, cristão, do que é o Estado. Eu acho que essas coisas devem ser separadas. Hoje já, na legislação atual, já existem algumas situações que são permitidos, em não todas, mas que são permitidos, e qualquer dirigente que já foi prefeito de um município que tem uma maternidade, já foi governador ou presidente da República já viu essa legislação ser cumprida, em algumas circunstâncias, por determinação legal.

Agora, se o Congresso tomasse a iniciativa de aprovar uma lei que ampliasse as situações nas quais o aborto seria considerado legal, o sr. faria carga contra o Congresso.
Sinceramente, eu não acredito que o Congresso vá tratar desse tema, nem que passe no Congresso.

Mas se tratasse?
Se tratar ,vamos ver exatamente qual é a natureza dessa mudança e observar ela.

Mas o sr. daí trabalharia politicamente para manter as regras atuais, é isso? Mesmo que o Congresso tomasse a iniciativa?
Não, a depender das mudanças, se for um aperfeiçoamento, algo que não seja tão complexo, não veria nenhum tipo de problema.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo, o casamento gay, hoje, no Brasil, é permitido. O sr. acha essa uma boa regra?
Eu acho que a gente precisa... A união civil, o casamento na terminologia religiosa, e a união civil, como um casamento civil de heterossexuais, é um direito já conferido pela Suprema Corte do país, como o direito à aposentadoria, e nós não podemos efetivamente, por um dever de cumprir a Constituição Federal, discriminar as pessoas por orientação sexual ou por relação homoafetiva. Nós não podemos ter esse tipo de discriminação. Veja, nem o papa, nem o papa Francisco, tratando desse tema, já trata com outra compreensão.

Casais gays têm condições de adotar e educar uma criança?
Precisa que tenha uma avaliação psicológica, porque tem casais heterossexuais que não podem criar nem seus filhos, quanto mais adotar. Eu acho que quem pode fazer essa avaliação são especialistas, psicólogos, terapeutas, médicos.

Mas o sr. não se opõe?
Não, eu acho que tem que ter é o parecer de pessoas que vão analisar efetivamente, tecnicamente, se aquelas pessoas... Você pode ter uma pessoa, e não um casal, adotando uma criança. Não precisa ser um casal para adotar uma criança. E muitas vezes você tem os pais biológicos que não têm equilíbrio para adotar as crianças e a Justiça toma a guarda para colocar um num abrigo ou numa outra família. Esse é um assunto que não deve ser visto na base do “eu acho” ou da opinião vazia, distante ou preconceituosa. Quando se trata da vida de uma criança, que não pode ser criada... Eu falo muito à vontade, pois sou pai de cinco filhos. Que não pode ser criado pela sua família, pela sua mãe natural, pelo seu pai natural, você já está tratando de uma circunstância bem especial. Se ele vai para uma outra família, uma família tradicional, para uma pessoa, uma família homoafetiva, é preciso que haja uma análise muito complexa de uma equipe multidisciplinar, como exige a Justiça brasileira, para que você não condene essa criança a uma outra situação de constrangimento.

Mas, uma vez especialistas, ou um conselho tutelar da criança e do adolescente, aprovando, o sr. acha que não há problema?
Eu acho que o importante é que a criança vá para um lugar onde ela seja amada, cuidada e respeitada.

Independentemente de ser um casal homoafetivo ou não?
Ou até ser um casal. Ela pode ser entregue a uma mulher que não tem um marido, ou um homem que não tenha uma mulher, e ser criada com a maior decência, com o maior respeito, e com muito amor, que é o importante para criar uma pessoa.

É positivo que casais gays tenham filhos por meio de inseminação artificial?
Eu acho que esse é um direito que o cidadão tem. O direito à reprodução é um direito que existe. Eu acho que é possível... Existem casos desses no mundo, uma coisa que... E acho que esses temas não são temas de Estado, são temas das pessoas, da liberdade, dos direitos humanos. Eu acho que não são temas... Às vezes eles ganham relevo nas eleições para tentar dividir as pessoas por questões religiosas, então eu acho isso, sinceramente, uma coisa muito ultrapassada, uma coisa antiga, acho que a gente precisa discutir, nesta eleição, é o Brasil, o Brasil que nós queremos. Qual o propósito que a gente... Como é que a gente vai legar aos brasileiros de todas as orientações um Brasil crescendo, um Brasil cuidando da educação, da mobilidade que está ruim, da insegurança, e não buscando temas que por ventura possam dividir o Brasil de uma forma que não é legal.

Educação, o sr. mencionou. O sr. é a favor da inclusão de crianças com deficiência em escolas regulares?
Sou a favor sim, sou inclusive... Eu tenho um filho, meu caçula, Miguel, nasceu com Síndrome de Down, então hoje eu conheço mais ainda essa realidade. Se eu já conhecia, conheço mais ainda essa realidade. Tenho, assim, um enorme respeito, sobretudo pelas mães das crianças que têm deficiência e nós precisamos reduzir os preconceitos, a segregação...

O sr. é a favor da inclusão, na mesma escola?
Da inclusão, da inclusão delas. E, claro, essas crianças precisam de, além da inclusão na escola, elas precisam de mais coisa. Elas precisam de foco, precisam de terapeuta ocupacional, de outro apoio muito mais complexo do que uma criança completamente sadia.

O sr. já se declarou contra a redução da maioridade penal, que é de 18 anos no Brasil. Como resolver os casos de menores de 18 anos que cometem crimes de maneira continuada e que não podem ser detidos e punidos como adultos pelo sistema que temos hoje?
Na verdade, esse debate é complexo, porque ele envolve a situação de medo em que as pessoas estão. Então todo mundo quer uma saída mágica, acha que reduzir idade penal resolve. 90% da população é favorável. Como eu estudei muito esse tema, Pernambuco tinha a capital mais violenta do país e hoje tem a capital mais tranquila do Nordeste brasileiro, nós temos um pacto pela vida que é uma política de êxito, eu estudei esse tema, ouvi especialistas, e me aprofundei muito nele. E acho que o Brasil precisa, o governo brasileiro precisa assumir a causa da segurança, que não assumiu até a data de hoje. E esse tema das crianças e adolescentes eu acho que a gente tem como resolver, compreendendo que, se fosse a idade penal, a gente não tinha ninguém com mais de 18 anos cometendo crime. Estava resolvido por uma lei. O que nós precisamos é aumentar o tempo de internamento das crianças e adolescentes que cometem esse tipo de infração, de conflito com a lei continuado, porque eles precisam sim ficar mais tempo internado para se recuperar, se tentarmos recuperá-los, tentarmos refazer o projeto de vida desses adolescentes. Eu acho que a gente precisa ter clareza que o número de adolescentes e crianças em conflito com a lei é um número muito pequeno. O que acontece é que na maioria das vezes não há uma coordenação entre prefeituras, para fazer a ação de acompanhamento desses jovens, de voltar aos laços familiares, de voltar à escola, como é uma coisa muito trabalhosa, termina os municípios não cumprindo para fazer a LA, a liberdade assistida, que os juízes tanto tentam. Como não tem a estrutura para fazer a liberdade assistida, o que que acontece? O que seria colocar dois monitores para cada grupo de quatro jovens desses, para acompanhar o dia-a-dia deles? Como não tem, o juiz termina internando. Eles são internados nessas fundações, tipo Fundação Casa, termina fazendo curso, se especializando na criminalidade. Se colocarmos um foco no número dessas crianças e na vida delas, nós podemos resgatar muitas e evitar muitas que elas partam para crimes como assalto, homicídio, coisas assim.

O sr. mencionou que essas crianças que cometem os delitos continuadamente precisariam ficar talvez mais tempo internadas. Por outro lado, tem a liberdade assistida, que não é cumprida, daí acabam ficando mais tempo internadas porque o juiz manda para essas fundações. Como é que resolve?
Resolve a gente botando luz sobre esse problema. Você sabe quanto... Nós precisávamos ter um portal no Brasil que mostrasse quantas crianças deveriam estar em liberdade assistida em cada capital dessas, em cada cidade com [mais de] 500 mil habitantes. Ter o ranking das prefeituras...

Mas isso é o governo federal que precisa fazer ou é a prefeitura e o governo estadual?
São todos, porque senão fica um jogando a culpa no outro, e depois ficam dizendo à sociedade que resolve com a lei...

O sr. acha que o governo federal deveria assumir isso?
... Aí vai dizer que resolve com uma lei. Se uma lei resolvesse, era muito simples, manda a lei, pede para os deputados e senadores votarem, estava resolvido, [reduzindo para] 16 anos. É claro que não resolve com a lei. Resolve com o trabalho, a gente tem que ter escola para essas crianças estarem.

Mas como é que o governo federal atuaria nesse caso? Porque não é sua atribuição.
Tem que atuar como... Não é sua atribuição e é também, né. Esse é um desafio nacional, é um problema. Como é que a gente resolve? Uma parte a gente resolve com escola integra. Eu fiz em Pernambuco a maior rede de escola integral no ensino médio. Você sabe que a metade dos jovens que deveriam estar no ensino médio, inclusive aí estão os adolescentes, eles nem estão na escola nem estão trabalhando. É a geração “nem-nem”. Nós construímos a maior rede de escola integral em tempo integral no ensino médio do Brasil. Tem em Pernambuco, um Estado pobre do Nordeste, mais aluno em ensino médio integral do que São Paulo, Rio e Minas juntos. Juntos. Nós precisamos ter mais escola integral no ensino médio para que os jovens passem o dia na escola, três refeições, atividades, e com isso a gente vai ter a condição de muitas mães e pais que trabalham não verem seus filhos serem perdidos para o tráfico. Temos que ter foco nos que já foram, para ter cuidado com os que estão com dependência química, ter LA para salvar essas crianças. Muitas vezes a criança tinha uma dependência do crack, fez um roubo, tomou um celular ou coisa do gênero. Se ele não é cuidado, ele vai para uma Fundação Casa, lá ele se junta com outros e já faz assalto a banco. Daqui a pouco ele já está matando gente. Aí daqui a pouco você tem que ter um nível de internamento diferente do que era antes.

A intervenção do governo federal nesses casos seria qual, de coordenar um programa nacional dessa ordem?
O governo federal precisa entrar na construção de um sistema único de segurança pública. O governo federal não pode ficar omisso, como se encontra. Hoje você tem um problema, todo mundo sabe que um grave problema da segurança é droga. A quem é que cabe tomar conta das fronteiras? À União. Qual é a droga que está pegando, destruindo vidas aí? É o crack. Ele vem de quê? Da cocaína. Da onde vem a cocaína? Todo mundo sabe. Como é que está a nossa Polícia Federal, que deveria tomar conta das fronteiras? Está passando por uma severa crise, tem 3 mil homens e mulheres a menos do que tinha há 4 anos atrás na Polícia Federal. As nossas fronteiras estão desguarnecidas. Como é que a União não tem nada a ver com isso? Tem tudo a ver com isso.

Aproveitando, sobre drogas. O sr. acha que o Brasil deveria, como alguns países já fizeram, descriminalizar certas drogas, como por exemplo a maconha?
Não.

Por quê?
Porque nós vivemos uma crise muito severa nessa questão da droga, que tem tudo a ver com a questão da violência, hoje. E neste ambiente o que nós precisamos efetivamente é fazer um enfrentamento ao tráfico, precisamos cuidar dos dependentes químicos, que é algo onde o Brasil está super...

Mas uma droga como a maconha para muitos nem produz dependência química nenhuma.
Nós precisamos neste instante não é fazer esse debate, no meu entender. O debate que nós precisamos neste instante fazer é focar o combate ao tráfico e, no tráfico, sobretudo, do crack, que é a droga que está arrasando, exterminando, a vida de muitas famílias Brasil afora.

O Brasil tem mais de mais de meio milhão de presos hoje, no seu sistema prisional. São 548 mil aproximadamente, um número que sempre muda um pouco. Cerca de um quarto desses presos são pessoas que foram apanhadas com pequenas quantidades de drogas. Maconha, alguma coisa assim. Estão lá presos, um quarto. Mais de 100 mil pessoas. É boa essa política, de prender essas pessoas e mandar para a prisão, porque estavam ali com um pouquinho de maconha?
Quem nós temos que botar na prisão são os grandes traficantes, não são os usuários.

Pois é, mas o sistema permite que se faça isso.
Mas hoje o que nós precisamos, no Brasil, é compreender que há um processo de prender mal e julgar lento. O que termina tendo dois terços dos presos brasileiros em muito Estados que estão aguardando o seu julgamento. Então nós precisamos ter foco para a pena de prisão, as penas alternativas estão aí como solução para uma série de crimes. Nós precisamos priorizar a pena de prisão para quem comete crimes contra a vida, crimes contra a mulher, crimes contra a criança, quem estupra, quem efetivamente corrompe. Esse é o foco que deveríamos ter, que infelizmente não é.

Pois é, mas veja esse número que eu citei para o sr. São 548 mil presos, eu estou vendo aqui. Cerca de 25% deles são pessoas apanhadas com pequenas quantidades de algum tipo de droga. E que foram considerados, de acordo com a nossa atual legislação, traficantes. Foram condenados e estão cumprindo pena. Tem que mudar essa legislação?
Uma coisa é o traficante. O traficante precisa estar preso mesmo, o traficante é para ser preso, é para ser combatido. Outra coisa é um usuário, é um jovem da periferia...

Mas e essa pessoa que não é nem traficante nem usuário, estava carregando ali...
...que precisa de um tratamento, que às vezes precisa de uma qualificação profissional, de uma assistência psicológica. Que pode até cumprir uma pena alternativa, trabalhar um mês numa escola, num posto de saúde, num trabalho comunitário, numa creche, num abrigo de idosos, que é muito melhor para a vida dele e para a comunidade do que estar num presídio, custando ao Estado e aprendendo o que não deveria estar aprendendo.

Mas o sr. há de convir que há traficantes grandes, que controlam tudo, e o pequeno traficante, que é um sujeito que precisa trabalhar, às vezes numa comunidade carente, pobre, e acaba levando uma droga daqui pra lá, não é uma pessoa que move quantias de dinheiro, enfim, é uma pessoa, um pária da sociedade. Ele é condenado e vai para a prisão do mesmo jeito. Não haveria a necessidade de distinguir entre um e outro, grande e pequeno?
Essa é uma distinção que cabe ao juiz fazer...

Mas do jeito que a legislação é hoje...
... E também às vezes não é tão neutro assim. Um traficante desses é uma pessoa que numa favela, num bairro pobre, ou num bairro de classe média ou até rico, ele, com seu ofício, pode ter arrasado a vida de muitas crianças oferecendo uma pedrinha de crack, transformando aquele cidadão num dependente químico, depois ele, com medo de não poder pagar a droga, pegou um revólver, matou alguém, roubou uma senhora, matou um jovem, um pai de família, então as coisas não são tão pueris assim como muitas vezes parece, não.

O sr. tem 48 anos. Já consumiu algum tipo de droga considerada ilícita no Brasil?
Não. Sempre fiz esporte, sempre tive uma vida muito saudável.

Na sua juventude, conviveu com pessoas que eventualmente acabaram indo para a área do consumo de drogas?
Sim, eu conheci pessoas que terminaram que tiveram problemas com drogas, sim.

E acha que, em resumo, a legislação que temos hoje é adequada, pelo que estou entendendo.
Eu acho que a legislação pode até ser discutida, não me oponho a discutir. Mas esse não é um assunto central do Brasil. O assunto central do Brasil, em questão de droga hoje, é fechar nossas fronteiras, combater o crack, botar os grandes traficantes na cadeira, isso só vai ser feito se a União entrar pesado na questão da segurança pública, se a gente prestigiar a Polícia Federal, aumentar o efetivo da Polícia Federal e der conta da nossa missão. A gente não pode aliviar no debate da droga neste instante no Brasil, porque tem muito da insegurança, tem tudo a ver com a questão da droga.

Uma outra pergunta de caráter de costumes e comportamental. O sr. é a favor de haver uma regulação no Brasil a respeito da eutanásia?
Sinceramente, Fernando, eu nunca tive oportunidade de debater este tema. Mas me proponho a ouvir opiniões e tal e discutir, mas eu nunca...

Mas não tem posição formada?
Não, nunca tratei desse tema.

Ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, pré-candidato a presidente da República pelo PSB, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.