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Leia a transcrição da entrevista de Rodrigo Janot ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

31/05/2014 06h00

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, participou do Poder e Política, programa do UOL e da "Folha" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 30.mai.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Rodrigo Janot - 30.mai.2014

Narração de abertura [EM OFF]: Rodrigo Janot Monteiro de Barros nasceu em Belo Horizonte e tem 57 anos. É bacharel e mestre em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Fez especialização em direito do consumidor e ambiental na Itália.

Rodrigo Janot trabalha há 30 anos no Ministério Público Federal. Ingressou na carreira em 1984. Já foi procurador-chefe substituto do Distrito Federal e diretor da Escola Superior do Ministério Público da União.

Ele teve teve uma breve passagem pelo governo Itamar Franco. Foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça de abril a dezembro de 1994.

Rodrigo Janot também presidiu a entidade de classe dos procuradores, a Associação Nacional dos Procuradores da República, e foi conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Em 2003, Rodrigo Janot tornou-se subprocurador-geral da República. Dez anos depois, em agosto de 2013, a presidente Dilma Rousseff o nomeou Procurador-Geral da República.

Folha/UOL: Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é a uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada sempre aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

Folha/UOL: O entrevistado dessa edição do Poder e Política é procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Muito obrigado por sua presença aqui no estúdio do Grupo Folha.
Rodrigo Janot: É uma honra para mim.

Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, acaba de anunciar que vai pedir aposentadoria, vai sair do Supremo. Como será o comando do Supremo Tribunal Federal com Ricardo Lewandowski na comparação com o que tem sido com Joaquim Barbosa, na sua opinião?
Na condição técnica, não vejo muita diferença. O funcionamento do Supremo tem a sua praxe, a sua rotina, e nisso aí eu acho que, a tendência é não alterar. O que vai mudar, a meu ver, é o comportamento pessoal de cada um. O ministro Joaquim Barbosa é mais retraído, é mais ensimesmado, e o ministro Lewandowski é uma pessoa mais expansiva, uma pessoa que se relaciona de maneira mais fluída. Então, eu acho que essa será a diferença de um e de outro, mas a condição técnica será a mesma.

Que juízo o sr. faz do ano e meio da presidência de Joaquim Barbosa à frente do Supremo?
Acho muito positivo, ele teve uma atuação marcante, uma atuação firme, e que trouxe o Supremo para a pauta da sociedade. Hoje, a sociedade conhece o Supremo mais do que conhecia antes da intervenção do ministro Joaquim Barbosa.

Ele tomou uma decisão, que teve muita repercussão, que vem a ser a respeito do cumprimento da pena de condenados na ação penal 470, conhecida como mensalão, que têm direito ao regime semiaberto. No entendimento de Joaquim Barbosa, só que quem cumpre um sexto da pena pode ser autorizado a trabalhar fora. Isso é uma polêmica. Qual é a sua opinião a respeito disso?
O dispositivo legal, ele admite as duas interpretações, em que o regime semiaberto imporia ao condenado a obrigação de cumprir encarcerado o primeiro sexto da pena e depois se dedicar ao trabalho. A outra corrente, que é a majoritária e à qual eu me filio, é que a condenação ao regime semiaberto, desde que haja oferta de trabalho digno, sério, correto e trabalho que permita a ressocialização do condenado, ela possa ser, imediatamente, o condenado pode, imediatamente, engajar nesse trabalho externo.

Foi um excesso cometido por Joaquim Barbosa, nesse caso então?
Não. São interpretações jurídicas que a lei permite. A interpretação majoritária é essa. E me parece que são 77 mil presos, na realidade carcerária brasileira, que assim desfrutam desse sistema. Agora, são interpretações jurídicas. 

O sr. acredita que a composição do Supremo hoje, com a saída de Joaquim Barbosa e, certamente, há os agravos lá já apresentados, a interpretação do Supremo será no sentido de, talvez, rever essa decisão?
Aí é uma...

O sr. defenderá que sim?
Eu defenderei que sim, com certeza. Já fiz isso por escrito. Já me manifestei. Agora, antecipar o julgamento da corte não tenho condição de fazê-lo.

E o sr. evidentemente espera que a corte siga, enfim, o seu pedido?
Eu acho que a pena, ela tem uma finalidade, a pena não pode ser um castigo em si mesmo. A pena, qualquer que seja ela, ela tem que ter um destino de reinserção do condenado no convívio social e de reeducação do condenado. Eu acho que esse caráter, ou esse aspecto da pena de ressocialização e de reinserção na vida social, ela se apresenta mais positiva se você permite o trabalho imediatamente e não em encarceramento, e no sistema carcerário brasileiro que é, no mínimo, vexatório e vergonhoso.

O sr. acha que, talvez, o presidente Joaquim Barbosa tenha ficado emocionalmente envolvido e tomou uma decisão, talvez, um pouco mais dura do que deveria ter tomado nesse caso?
Não. Eu vejo como decisão técnica mesmo, interpretação jurídica e, repito, a lei permite essa interpretação.

E agora vai depender da composição que ficar, porque quando os agravos forem julgados eles vão dizer se mantem ou não essa decisão...
São dez ministros que vão julgar, né. A maioria dirá qual é o destino dessa interpretação jurídica para o cumprimento da pena.

Mas o sr. tem uma convivência ali, conhece todos eles. Assim, o seu sentimento sobre o rumo que pode se tomar, qual é?
Seria leviano da minha parte antecipar julgamento do que a Corte dirá, né.

Essa prisão dos condenados do mensalão levantou muita discussão na mídia, chamou atenção para o estado das prisões brasileiras. O que precisa ser feito para melhorar no sentido de fazer com que os presídios brasileiros realmente trabalhem pela reinserção daqueles que são apenados?
Precisa melhorar muita coisa.

O quê, por exemplo?
Nós, a partir do episódio do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, que foi no final do ano passado, novembro, dezembro, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério da Justiça, o Conselho de Defensores Públicos e os conselhos dos secretários de Justiça dos Estados despertaram para esse problema. O problema do sistema carcerário brasileiro, ele vem sendo negligenciado há muitos e muitos anos. Tanto o Estado não se preocupa com ele como a sociedade também não. Uma relação direta que me parece que se pode tirar é que toda vez que esse sistema carcerário, ele chega a essa situação que chegou, recrudesce a questão da violência e da segurança pública fora do presídio. Como estamos hoje, o sistema é um formador de criminosos, e esses criminosos dentro do presídio atuam fora dele. Em razão desta constatação, todos esses órgãos envolvidos, nós desenvolvemos um trabalho em três ou quatro meses que foi apresentado na quarta-feira, às 9h30 da manhã, e esse programa se chama Segurança Sem Violência, que apresenta medidas de curto, de médio e de longo prazo. Como o sistema carcerário chegou a este ponto você não tem condição de mudar isso do dia para a noite, mas você tem medidas que podem ser usadas agora, para aliviar um pouco esse terror que está nos presídios, medidas de médio e medidas de longo prazo.

Não é uma decisão que está muito nos Estados, nos governadores de Estado e, em certa medida, também no governo Federal? Porque o que a gente observa é que precisa ser alocada verba do orçamento para melhorar as condições e, em geral, os políticos que são eleitos não gostam de gastar dinheiro com isso. Como é que resolve?
Esse programa oferece uma cesta de produtos. O que a gente identificou? Quais são as dificuldades que os Estados têm para implantação da melhoria no sistema carcerário. Identificados esses problemas, a gente ofereceu várias soluções. De fato, o sistema carcerário, ele está diretamente ligado com os Estados e os presídios federais não se destinam ao cumprimento de pena normal. O programa se destina, visa o quê? Induzir os Estados, convencer esses Estados que adotem medidas de política pública para a melhoria desse sistema. Os Estados serão convidados a integrar esse programa e, se não houver por parte do Estado, interesse em aplicar essa política definida, eles serão estimulados judicialmente a fazê-lo. Essa é a intenção que se pretende.

E de que forma?
Ações civis públicas, ajuizadas pelo Ministério Público Federal e Estadual a obrigar o Estado a implementar essa política pública que é a melhoria do sistema carcerário brasileiro.

O sr. acha que para chegar esse nível, teria que realmente ajuizar essas ações?
Acho que não. O problema foi, a sociedade como um todo se despertou para esse problema, e a cobrança virá. Se for necessário, nós chegaremos a ir até a ajuizamento, mas não é a melhor. Com certeza não é a melhor solução, judicializar a questão.

Ou seja, se os Estados resistirem a implantar programas de melhoria nas condições dos presídios o Ministério Público está propenso...
A ajuizar ações civis públicas para induzir a implantação de melhoria do sistema. Essa, aliás, foi uma estratégia utilizada na Califórnia nos anos 1980. Em que, o Ministério Público ali, ele tentou implementar a melhoria no sistema penitenciário da Califórnia, houve resistência de alguns municípios, ou o equivalente ali, e essa indução veio judicialmente. Esse é um caso clássico nos anos 1980 em que a melhoria do sistema penitenciário da Califórnia foi induzida através de ações judiciais.

Olhando os políticos e alguns governadores, eu tenho a impressão que vai ser meio inevitável acontecer isso porque há uma resistência grande.
Se chegarmos a isso né... Mas a vantagem de hoje é que a questão está sob luz. A sociedade se despertou para isso. E a sociedade tem que entender que quando piora o sistema carcerário, piora a segurança pública na rua. Há uma relação direta entre piorar o sistema de apenamento, do cumprimento de pena, e o recrudescimento da questão da piora da segurança pública.

Por quê? Por que acontece isso? Por que há essa relação?
Grupos criminosos se criam nesse ambiente de, enfim, de maltrato. As pessoas começam ali as proteger e conseguir eventuais melhorias episódicas através deles próprios. Isso gera então, é algo nascedouro de grupos criminosos.

Qual é a medida principal, primeira que deveria ser tomada para melhorar o processo de reinserção de pessoas que ficaram na prisão e depois saem?
Acho que são várias as medidas.

Mas tem alguma que seria assim a principal, o pontapé inicial?
Acho que você tem que atacar saúde dentro dos presídios, você tem que atacar a educação profissionalizante dentro dos presídios, você tem que trazer, dar oportunidade para presidiários e regressos de se inserirem no mercado de trabalho. Nós temos aí empresas que já fazem isso, tem o sistema S que pode colaborar com isso e tem uma experiência italiana que é a criação de cooperativas sociais, em que essas cooperativas absorvem esse tipo de mão de obra e prestam serviço de modo a permitir o trabalho.

Além da violência que se vê desses relatos em presídios atuais, nota-se também uma precariedade enorme nas instalações. E aí é que a gente entra com o dinheiro, porque construção ali, enfim, obras físicas. Qual a importância disso nesse processo de melhoria?
O Ministério da Justiça admite, hoje, disponibiliza para os Estados em torno de R$ 1,5 bilhão. A lógica, esse programa oferece o quê? De um lado sugestões sobre o projeto dessas penitenciárias, enfim, auxiliar os processos licitatórios para a construção dessas penitenciárias e propõe a inversão da lógica que existe hoje. Hoje se busca a construção de presídios para a aplicação da pena exclusivamente do regime fechado. Nós temos hoje em torno de 80 mil presos que cumprem regime semiaberto e que ocupam vaga no sistema que deveria ser daquele do fechado. A construção de um presídio de um regime semiaberto é muito mais simples e muito mais rápido do que a construção de um presídio de regime fechado. A gente propõe que se inverta a lógica, que essas construções venham para atender o regime semiaberto, no primeiro momento agora, que seria mais ágil, e que essas vagas desafoguem esses presídios que acolhem ou que são destinados a acolher o cumprimento de pena fechada. E outra, é a resistência social de implantação do presídio. O que a gente propõe são benefícios fiscais para os municípios que aceitarem hospedar essas construções.

Procurador, o que aconteceu no caso da Operação Ararath, que teve, da sua parte, um requerimento, um pedido para que o Supremo Tribunal Federal determinasse que os policias federais envolvidos não dessem declarações à imprensa a respeito do caso?
Primeiro esclarecimento, que o meu pedido não foi para que os polícias federais envolvidos não dessem declarações, é que nenhum ator envolvido no caso, inclusive eu, pudesse dar qualquer declaração a respeito, porque eu imaginei: quando você faz, foram 57 medidas de busca e apreensão, quando você faz essas medidas invasivas, você tem que estar focado nessas diligências, a divulgação parcelada do que se tem pode gerar uma entendimento também parcial sobre a prática de crime e sobre o autor desses crimes. Então, qual é a ideia? É você focar na diligência, fazer essas diligências invasivas, analisar o material apreendido e só depois então, amplamente, divulgar com segurança, o que se conseguiu, quais são os delitos a serem perseguidos e quais são os prováveis autores. Essa foi a finalidade. Eu tenho dito e redito, desde que assumi, é que Ministério Público não avisa o que vai fazer, Ministério Público depois do que fez, explica o que fez.

O que aconteceu nesse caso específico é que alguns delegados classificaram o seu pedido como uma atitude equivalente e censura e disseram que essa não tem sido a prática em outras operações. Como o sr. responde a essa crítica?
Eu diria que essa foi a minha primeira operação. Essa será a tônica das operações da qual eu participarei e eu não vi censura nenhuma. O que eu, volto a repetir, o que eu visei foi focar no trabalho, focar na diligência em si. Eu não acho que no meio de um processo invasivo desse quem quer que seja pode fazer juízos preliminares parciais e divulgar esses juízos a terceiros. Eu acho que a probabilidade de dano é enorme.

Então o sr. está dizendo que a partir de agora, em todas as operações nas quais a Procuradoria-Geral da República estiver envolvida, tiver alguma relação...
Essa será a regra.

A regra.
Essa será a regra.

E sempre vai ser necessário que o Supremo determine, como que funciona isso?
Não. As pessoas com foro privilegiado no Supremo, essas reclamam a minha atuação, as que não são, que não reclamam atuação do Supremo, eu não posso indicar aos demais colegas como eles devam trabalhar. Eu dou o exemplo daquilo que eu acho que é correto. Ninguém é obrigado a seguir ou não. Então eu falo por mim.

Tudo aquilo que tiver respeito àqueles que tiverem prerrogativa de foro e que, enfim, virão aqui, vão subir aqui pro Supremo, o sr. vai ser instado a dar o seu parecer, o sr. vai determinar que ninguém envolvido se pronuncie a respeito até o final das diligências e análises?
Exatamente, para que a gente possa com segurança informar à imprensa e permitir que a imprensa possa informar à população o que efetivamente acontece para evitar distorções.

Nesse caso do Mato Grosso, a Operação Ararath, houve uma imbricação com procuradores e, primeiro, há suspeitas de que havia uma planilha com nomes de procuradores que teriam recebido pagamentos, não se sabe quais, não se sabia e, segundo, doações de campanha oficiais ao senador Pedro Taques [PDT] que é do Mato Grosso e que é seu colega também no Ministério Público. E o fato de haver um envolvimento, ou citação, para ficar mais exato, de procuradores teria levado o sr. a tomar essa decisão. Essa foi uma interpretação de alguns delegados. Como é que o sr. responde a isso?
Esse documento que chegou, esse é o exemplo típico do porquê nós temos que guardar sigilo da diligência até que ela concluída. Foi feita uma apreensão na casa de um alvo e que era secretário de Fazenda do Estado do Mato Grosso e constava ali um documento, que era uma planilha, não de pagamento a promotores e procuradores, constava ali uma planilha de cartas de crédito que essas pessoas que tinham crédito junto ao Estado do Mato Grosso obtiveram as cartas de crédito para ressarcir os seus créditos que são lícitos.

Mas por que um procurador ou promotor tem que ter uma carta de crédito do governo de Mato Grosso?
Essa é uma regra do governo como um todo, não é só procurador e promotor, são todos, são mais de 40 mil cartas de crédito que foram expedidas.

Para funcionários do Estado do Mato Grosso?
Para funcionários do Mato Grosso também.

Por que o Estado do Mato Grosso faz isso?
Arranjou uma solução inovadora para fazer os pagamentos dos seus créditos já que não dispunha de verba orçamentária para tal. Então emitia essa carta de crédito, a pessoa recebe o seu crédito através dessa carta, dá quitação ao Estado e esse documento público, esse título público, tem valor no mercado. Ele vai ao mercado e vende esse título público.

Para uma empresa que compra por um valor menor que o de face?
Uma empresa que compra por um valor menor que de face e aproveita o valor de face para pagar os seus próprios tributos junto ao governo do Estado de Mato Grosso.

Mas por que um servidor público de um governo estadual aceitaria receber uma carta de crédito e não obrigaria o Estado, na Justiça, a pagar em dinheiro?
O problema é que se você obriga o Estado na Justiça a pagar em dinheiro você cai, primeiro, na morosidade da Justiça, segundo, na morosidade do pagamento através de precatório, e o Estado ofereceu essa saída para os seus servidores públicos. Não há uma lista de propina, como foi dito, nada disso. Foi apreendida uma lista com a relação de promotores e procuradores que receberam os seus créditos através de carta de crédito. Como o sigilo foi levantado pelo juiz de primeiro gerou toda essa confusão, por quê? Tendo levantado o sigilo a gente tem acesso parcial a determinado documento e gera todo esse tipo de ilação, gera todo esse tipo de confusão que só vem a atrapalhar a investigação.

E no caso do senador Pedro Taques, que recebeu doações vultosas de um dos que estão citados na Operação Ararath?
Parece que não foi só ele. Parece que vários políticos locais receberam doações de campanha. Esse é o tormentoso tema de financiamento de campanha com dinheiro privado.

O sr. acha que a divulgação dessas operações, cada vez mais frequentes da Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público, a divulgação disso, mais ajuda ou atrapalha o trabalho de quem investiga?
A repercussão da operação em si?

A divulgação e a repercussão.
Eu acho que mais atrapalha do que ajuda. A gente tem que ter transparência e esclarecer é o resultado que se obteve com ela. Aí sim. Chamar-se os meios de comunicação e dizer “olha, os investigados são esses, as medidas invasivas aconteceram por esses motivos, esses foram os fundamentos e o que se obteve? Se obteve isso”. Para dizer “nós tínhamos razão no que a gente imaginava”, ou não, “erramos, essa pessoa não tem absolutamente nada a ver com esse ilícito que a gente pretendia ou achava”.

O sr. é procurador e está há décadas na carreira e sabe que, muitas vezes, em algumas regiões do país ou, enfim, o procurador, o policial federal, às vezes, sofre resistências quando está investigando e que, pelo fato de a investigação ser divulgada isso impede que alguns, de maneira incorreta, impeçam que a investigação vá para frente. Não existe esse fator positivo também, às vezes na divulgação de uma investigação?
É. Eu acho que a gente está falando de duas coisas diferentes. Eu estou me referindo ao sigilo daquelas medidas invasivas a que se refere. A investigação em si, o processo não é sigiloso, o processo é aberto. Não há nenhum problema em você identificar o que se faz e como se faz. O sigilo que eu me bato é o sigilo das medidas invasivas até que o resultado delas seja obtido...

Mas uma vez que tudo está analisado e tabulado...
Abrir. A sociedade tem o direto de saber. E tem um outro efeito também que concorre, efeito extremamente positivo, com a divulgação do processamento em si. Por exemplo, não raro, colegas meus e policiais, são ameaçados de morte pela razão do desenvolver do que faz e a divulgação da investigação, não das medidas invasivas, ela é uma forma de proteger a pessoa que é alvo de ameaça de morte.

O sr. defende que o processo da Operação Lava Jato seja desmembrado mantendo no Supremo apenas o trecho que envolve aqueles que têm direito a chamada prerrogativa de foro. Agora, como deve ser esse desmembramento na sua opinião? Fica no Supremo aquilo que tem personagens com prerrogativa de foro, chamado foro privilegiado, e volta tudo para Curitiba, no Paraná, onde a operação Lava Jato começou, ou não volta para o Paraná e vai para diversas praças, porque há envolvidos em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e por aí?
O material que está hoje no Supremo, eu vou analisar, deve estar chegando para mim vários inquéritos e processos, deve estar chegando hoje.

Foram enviados ao ministro Teori Zavascki?
Que me enviou de ontem para hoje, não chegou ainda fisicamente na Procuradoria, mas está chegando. A análise que a gente faz agora é o seguinte: primeiro, aquelas pessoas que têm foro privilegiado, que têm prerrogativa de função, para ser processado perante o Supremo, esses necessariamente serão processados perante o Supremo. Uma segunda análise é: outras pessoas que podem não ter essa prerrogativa de foro, mas em razão da conexão de prova para que eu possa desenvolver bem a investigação é melhor que essas pessoas sejam processadas juntas, em razão da conexão de prova. Por isso então se estende a elas a prerrogativa de serem julgadas pelo Supremo em razão daquele que tem o foro privilegiado. É isso que a gente tem que analisar: a conveniência na feitura da prova de manter alguém além daqueles que tem prerrogativa de foro ou não.

O sr. acha que há essa possibilidade?
Há essa possibilidade também.

De ficarem alguns que não têm essa prerrogativa que fiquem no Supremo juntos?
Desde que isso seja vital para a instrução, para a produção de provas.

Mas não há clareza ainda a respeito disso?
É porque eu não vi ainda o material.

Entendi.
E o restante será devolvido ao Paraná, que deve continuar as suas investigações daqueles que não têm prerrogativa de foro ou que a conexão probatória não recomende que sejam processados pelo Supremo e aí a investigação no Paraná, o juiz de lá decidirá o que deve ficar no Paraná e o que deve ser encaminhado para outras...

Pelo que eu entendi, alguns dos citados defendem que sejam processados em suas cidades de origem, esses que não têm prerrogativa para chegar até o Supremo. O sr. acha que nesse caso não, eles devem todos ficar no processo do Paraná?
Quem vai decidir é o juiz do Paraná, porque ele também...

Juiz Sérgio Moro, juiz federal.
E os colegas que atuam nessa investigação.

Não é o Supremo que decide isso?
Se fique lá ou não? Não. O Supremo vai decidir aquilo da matéria que lhe é própria...

...O que fica no Supremo?
O Supremo diz quem fica no Supremo e o que volta para o Paraná. A condução da investigação no Paraná, quem diz é o juiz e são os promotores naturais que atuam no caso. E a avaliação que eles podem fazer é como essa, que é possível fazer no Supremo. Há interesse da prova de que todos sejam processados juntos? Se há o interesse da prova que sejam processados juntos, eles serão processados juntos no Paraná. Não havendo, haverá o desmembramento e cada um então será encaminhado para o local do fato delituoso, esse é que fixa a competência. O fato delituoso.

Entendi. O juiz Sérgio Moro, juiz federal do Paraná, que conduziu esse processo, que conduz ainda esse processo, foi requerido pelo Supremo Tribunal Federal, pelo ministro Teori Zavascki que remetesse todo o processo, todas as provas para Brasília, onde tudo seria analisado. No final do requerimento da resposta dele, ele disse que os autos correspondentes ao Supremo, que foram requeridos, estavam à disposição do Supremo lá dizendo que era desnecessária a remessa física. Então, ele dá a entender que uma parte física, porque não foi nem analisada ainda, porque o volume era grande, continuou no Paraná. Aquilo que já estava analisado e processado ele remeteu ao Supremo. Esse entendimento, se ele se comprovar, se isso existir, foi o procedimento correto do juiz Sérgio Moro nesse caso?
Eu tenho que avaliar. Eu não vi os processos ainda, eu tenho que avaliar. O material em princípio, em tese, quem decide o que interessa para a investigação do Supremo é o próprio Supremo e o procurador-geral da República. Eu tenho que ter acesso a essa material para dizer o que interessa para a investigação do Supremo e o que não interessa para a investigação do Supremo. Em princípio, eu vou analisar a questão, mas se ainda sobejar documentos e material probatório no Paraná eu vou pedir para que eles sejam remetidos também, em tese.

Em tese, claro, porque estamos aqui supondo, né. Pelo que ele escreveu, nas respostas, o juiz Sérgio Moro, uma parte física ficou no Paraná. Se ficou não deveria ter ficado, deve subir para cá, para Brasília.
Mas ver o que ficou também, às vezes não guarda relação de interesse com essa investigação do Supremo.

Mas quem decide isso?
É o Supremo. Para não ficar especulando eu prefiro olhar no próprio processo ver e, se ficou lá, o que ficou. Se eu dúvida tiver eu pedirei para que venha.

Mas mesmo se ficou algo lá que o juiz diz que não tem correspondência com interesse do Supremo. Se é o Supremo que diz se tem ou não, ele tem que mandar de toda forma.
Em princípio ele tem que mandar sim. Eu quero ver o que é esse material. Se realmente tem interesse para o Supremo ou se não tem. Isso só posso ver...

E para ver o sr. tem que olhar?
Para ver eu tenho que olhar ou ele faz...

Para saber, para ver tem que olhar, um pleonasmo...
Ou ele faz a referência do material que tem lá: “aqui tem...”

Caixas...
“Caixas de lata de cerveja”. Isso não me interessa.  Já fez alguma perícia para ver se é cerveja mesmo que tem dentro? Sei lá. Quer dizer, a gente não pode especular sobre um fato que eu ainda não tive conhecimento direito dele.

Mas, em princípio, todo material que seria usado para se transformar em prova deveria ser remetido para cá e depois devolvido para lá, se for o caso?
Essa é a regra. A regra é essa.

Tendo ficado lá...
O Supremo delibera o que é de interesse para investigação do Supremo e o que não é de interesse para a investigação do Supremo. Essa é a regra geral.

E se ficou algo que pode virar prova lá no Paraná...?
A gente vai pedir que venha.

Entendi. Esse foro por prerrogativa de função, o foro privilegiado, o sr. é simpático a essa regra que existe há tanto tempo no Brasil? Ela é a apropriada para uma democracia como a brasileira, para o sistema judiciário brasileiro ou deveria ser aperfeiçoado e alterado?
A questão da prerrogativa de foro, ela tem pontos positivos e tem pontos negativos. Um ponto negativo, que eu vejo, que os tribunais em geral, eles não estão aparelhados para formatar o processo. A vocação disso se faz com o juiz de primeiro grau. O tribunal está vocacionado para julgar recursos, ou seja, processos já aparelhados, processos prontos, e vai analisar a prova já produzida e as questões jurídicas ali discutidas. O desenrolar do processo você vai ter que produzir a prova e formular as questões jurídicas e decidir as questões incidentes no que se refere à tramitação do processo. O tribunal não está vocacionado para isso. Esse é um ponto negativo.

Do Supremo Tribunal Federal estamos falando?
Nenhum tribunal.

STJ.
STJ, Tribunal de Justiça, nenhum deles. De outro lado, você tem autoridades que mexem com interesses, interesses políticos, interesses econômicos e que, se processadas perante um juiz singular, a lógica, não minha, mas a lógica desse sistema, é que um juiz singular, ele pode receber mais pressão do que um juiz coletivo. Então, você tem que exercer pressão em um tribunal, no Supremo são 11 ministros, se você está nas mãos de um juiz a pressão se dará em um juiz. Tem pontos positivos e tem pontos negativos. Especificamente no caso brasileiro, eu acho que, o que incomoda é a quantidade de autoridades sujeitas ao foro privilegiado. Eu acho que poderia haver uma redução. Eu não estou convencido de que acabar seja simplesmente a solução, mas estou convencido de que reduzir o número de autoridades que possam...

Por exemplo, quem o sr. acha que deveria ter e quem talvez não precisasse ter o foro privilegiado?
Olha, eu acho que deveria ter como a Constituição fala hoje: presidente da República, vice-presidente da República...

Ministros...
Ministros do Supremo e o procurador-geral da República. Esses a Constituição... é o núcleo duro de competência do Supremo.

Ministros de Estado?
Ministros de Estado... Não vejo.

Deputados e senadores?
Também acho... Senadores talvez, que é uma Corte, assim é... Federativa, talvez uma certa deferência ao Senado, mas é complicado. Prefeitos, secretários de prefeituras, membros de Ministério Público, membro magistratura, todo mundo tem direito ao... Tribunal de Contas... Assim, se estende muito.

O sr. faria um enxugamento dessa lista?
Faria sim.

O Supremo decidiu que agora vai julgar muitos desses casos nas suas turmas e não mais no plenário.
Está certo.

Decisão acertada?
Eu acho que sim.

Por quê?
É a maneira que se tem de dar agilidade aos processos que tramitam ali no Supremo.

Muita gente reclamou que não vai mais passar na televisão.
Mas isso é só colocar a TV Justiça nas turmas. É simples. É só colocar o aparelhinho ali e pronto.

O sr. é a favor da transmissão ao vivo dos julgamentos?
Sou, sou. Eu acho que põe luz...

Muita gente acha que atrapalha o julgamento do juiz que fica sob a pressão das câmeras. O sr. acha que é...
Eu acho que quando você está ali no julgamento, eu, pelo menos, eu nem lembro que eu estou de frente para uma câmera.

Muita gente lembra.
É, mas eu acho que é bom que a sociedade conheça o julgamento, como é que se dá o julgamento e a posição dos juízes, porque se isso interfere, não sei, na postura do juiz, permite também que a sociedade controle a própria manifestação que o juiz faz. A sociedade tem que conhecer isso.

O sr. acha positivo?
Eu acho positivo.

E a ida para as turmas também?
É. O plenário do Supremo se reúne duas vezes por semana. Nas quartas e quintas-feiras. Os processos penais são julgados nas quintas-feiras. Tramitam no Supremo, estimativamente aí, em torno de 250, 270 processos penais. Cada processo desse, ele tem que ter duas sessões. Uma sessão para o recebimento ou a recusa da denúncia e uma segunda sessão para o julgamento propriamente dito do processo. É só fazer a conta e ver quanto tempo levaria para julgar esses 250. Se você manda para as turmas, você multiplica por dois a possibilidade de julgamento, porque são duas turmas a julgar, e o funcionamento da turma ele é mais leve do que o funcionamento do plenário.

São menos votos também.
São cinco votos.

O sr. acha que o Supremo tomou a decisão acertada na ação penal 470, o mensalão, quando achou que todos os réus deveriam ser julgados ali na corte suprema?
Olha, decisão judicial a gente não cumpre. Então tem um ditado que diz “Roma locuta causa finita”. A questão foi definida, está definida, foi já, passou, então...

Mas, o sr. acompanhando com o procurador, o seu antecessor, por exemplo, advogou, se eu não me engano, de maneira diversa, não foi?
Houve um pedido, lá atrás, para que houvesse a cisão do processo e o Supremo entendeu da necessidade pela conexão probatória de o processo ser julgado em conjunto. Essa que foi a questão, mas está superada, a ação 470 acabou. “Roma locuta causa finita”.

Agora, em geral, o sr. acha que deve se usar com parcimônias essa possibilidade de trazer mais réus que não têm foro para o Supremo ou o sr. acha que não faz diferença?
Olha, vai depender do caso, da necessidade de prova.

Claro, mas quando não houve prejuízo?
Aí sim, a cisão. Essa é inclusive a jurisprudência do Supremo, porque uma coisa é você trabalhar com o processo de vários réus, outra coisa é você trabalhar com o processo de menos réus. Agiliza muito mais.

Como homem do Ministério Público, o sr. ficou satisfeito com o processo final do julgamento do mensalão?
“Roma locuta causa finita”, né? Eu acho que todos nós temos que ficar satisfeitos em razão do processo ter se encerrado, o processo acabou. Houve o julgamento. Juízo de valor sobre o conteúdo desse julgamento eu não faço.

O sr. teve uma reunião hoje para tomar algumas providências sobre a operação Ararath, do Mato Grosso. Que tipo de providência vai ser tomada nos próximos dias a respeito dessa operação?
Deliberamos hoje de que na terça-feira se reúna o Conselho Superior do Ministério Público Federal. Na terça-feira, eu vou submeter ao colegiado o pedido de criação de uma força-tarefa para auxiliar os colegas locais na análise dos documentos apreendidos por essas medidas invasivas.

Por que isso é necessário?
O material é muito. Então nós temos que colocar colegas que tenham expertise para análise desses documentos de forma a permitir a agilização do processo. Serão três colegas e outros técnicos da Procuradoria-Geral da República nas áreas de conhecimento de contabilidade, enfim, de economia etc.

Ao todo, quantos devem participar dessa força tarefa?
De colega serão três: um procurador regional da República e dois procuradores da República, de servidores... Saí para vir para cá e continua lá a reunião para decidir o quantitativo de servidores.

E uma vez aprovado pelo conselho...
Imediatamente eles irão para Cuiabá.

E a ideia é que eles ajudem a acelerar o processo de análise?
Exatamente. Os colegas envolvidos nessa investigação pediram esse auxílio e eu estou submetendo essa questão ao conselho e acho que não há problema nenhum, não é a primeira vez que se faz isso, nem será a ultima.

Existe alguma espectativa a respeito de prazo para analisar o volume de documentos e provas apreendidas?
Eu não consigo avaliar isso hoje. O que a gente quer é que seja o mais rápido possível para acabar com essas incertezas que ficam com essas apreensões e para que a gente possa apresentar para a sociedade o resultado do trabalho.

O sr. pediu no Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para investigar congressistas suspeitos no envolvimento no chamado casos Siemens. Como estão essas investigações?
Bom, estão em curso. O inquérito está tramitando, está seguindo a sua tramitação regular e ficaram dois congressistas, e eu pedi a cisão dos demais para que voltassem para São Paulo. Estão ficando dois aqui, ambos têm prerrogativa de foro e os demais foram para São Paulo. Se no curso da investigação outros surgirem esse processo será novamente remetido para que o Supremo analise a cisão ou não do restante da investigação.

No mês de março, alguns congressistas pediram ao sr. que apurasse se houve envolvimento da presidente da República Dilma Rousseff na compra de refinaria por parte da Petrobras lá nos Estados Unidos. O que que sobrou desse caso, que providência foi tomada?
Está em apuração.

O que isso significa?
Nós estamos analisando se houve ou não a imputação que foi feita a ela. A imputação foi de ato de improbidade administrativa e nós estamos analisando essa imputação.

Demora muito pra terminar essa análise?
Não, deve estar já acabando, mais aí uns 30 dias acho que a gente tem condição de encerrar.

Tudo isso?
É, porque é muito material, informação, tem que colher informação fora.

Porque a informação básica é que ela, pelo fato de fazer parte do Conselho da Petrobras à época que a refinaria foi comprada, responsabilidade teria, assim como os outros envolvidos ali, sentados no Conselho. Só essa informação seria insuficiente, teria que analisar o contexto todo, é isso?
É, tem que analisar o contexto para olhar. Primeiro, uma deliberação pode ser correta ou incorreta. Isso não é nem crime nem improbidade. A deliberação de um colegiado você tem que sopesar a participação de cada um daquele do colegiado naquela decisão. O simples fato de ter havido deliberação, e se essa deliberação é correta ou incorreta, não gera em si crime ou ato de improbidade. Não há.

É necessário averiguar o grau de conhecimento...
Dolo, e se houve dolo.

Estamos no final de maio, o sr. acredita que ao longo do mês de junho conclui essa sua análise?
Exatamente.

O sr. é a favor de acabar com a regra, no Brasil, que existe há muito tempo, de delimitar muito estritamente os prazos eleitorais, e que proíbe políticos de fazer campanha aberta até 3 meses [antes] da data da eleição?
A regra está posta e a regra há de ser cumprida.

É boa essa regra?
Na formulação da regra, eu acho que quem delibera sobre isso, deve pensar, segundo eu imagino, que a disputa eleitoral é uma disputa que deve gerar possibilidade de discussões, de confronto de ideias. Quanto maior a discussão e quanto maior o confronto de ideias, mais esclarecido fica o eleitor.

Nesse sentido, o sr. acha que seria desejável que o Congresso, enfim, que as autoridades pensassem em alterar?
Alterar o sistema como um todo, porque hoje, em matéria eleitoral, nós temos, de leis principais: Código Eleitoral, Lei Geral das Eleições, Lei Complementar da Inelegibilidade, você tem a Lei dos Partidos Políticos, lei que disciplina as consultas populares, iniciativas populares. Tem a questão do financiamento de campanha. Eu acho que o que se está a reclamar é um estudo e um novo desenho do sistema eleitoral brasileiro como um todo.

O Supremo Tribunal Federal adiou nesta semana, todos vimos, a pedido do sr., o julgamento sobre as perdas na caderneta de Poupança, por parte de poupadores durante ali os planos econômicos nos anos 80 e 90. O seu objetivo é rever os cálculos para ter um pouco mais de clareza no valor dessas ações todas. Agora, primeiro, já passou bastante tempo que essas ações estão tramitando. Não teria como ter feito esse cálculo antes? Número dois, alguns argumentam, esteve aqui outro dia nessa cadeira o presidente da Febraban, que defende evidentemente os bancos, ele disse assim, “tudo vai depender também de como as ações estaduais vão ser interpretadas, elas valem só para o Estado, daí vão ser aplicadas para os outros, são ações em diversas unidades da Federação”. A impressão que se tem é que o cálculo disso sempre será inexequível. O que vai saber, é depois, porque daí as ações se estão nos Estados, daí não se sabe se vai se aplicar a elas ou não. É possível chegar a esse valor? E dois, se é possível, por que que não se chegou antes?
Há um equívoco aí sobre a questão dos cálculos. O que eu pedi para rever foram cálculos feitos pela própria Procuradoria, no começo no ano passado, se não me engano, não do reflexo econômico dessas demandas, mas foram cálculos em que se apontou o lucro dos bancos no somatório dos diversos planos econômicos. Nós chegamos a um valor, nesses cálculos oferecidos ao Supremo, de R$ 441 bilhões. Esses nossos cálculos foram impugnados pela AGU [Advocacia-Geral da União], pelo Banco Central e pela própria Febraban. Os três indicam erro nos nossos cálculos e que esses lucros, o somatório desses lucros, estariam girando em torno de R$ 50 bilhões, e não R$ 441 bilhões.

Uma diferença enorme.
Em razão dessa diferença brutal, eu me senti obrigado de olhar esses pontos em que eles apontam erros nos cálculos...

...Lucros dos bancos com os planos?
Exatamente. E isso terá influência na eventual modulação no caso de condenação pelo Supremo. Então o cálculo não é vazio em si, ele vai ter um reflexo jurídico. E como a diferença é brutal, eu não podia adotar uma postura leviana quanto a esses cálculos –nem fui eu que apresentei. Mas eu não poderia adotar uma postura leviana com o próprio Supremo de, se eu errei, se a Procuradoria errou, induzi-lo a erro. Se eu errei, falarei com todas as letras: errei, e o cálculo correto é este. Se não errei, vou dizer. Não está errado não, o cálculo é esse certinho, e é esse aí mesmo.

Agora, há uma sensação no Brasil, em geral, a gente sabe, de demora na Justiça. O sr. acha que essa vai ser o último detalhe para que o Supremo possa de fato julgar? Exceto, é claro, se algum ministro pedir vista, daí também, mas... Fora isso.
Mas o julgamento já começou né. Nós estamos em, o julgamento já começou. Foi lido o relatório...

...Pois é, mas já se foram mais de 20 anos, é tão antigo.
Mas essa é a realidade de grande parte da Justiça brasileira. Lenta.
Qual sua opinião sobre isso, o que que pode ser fazer para melhorar isso?
Você tem que investir no princípio da oralidade desses processos, excesso de formalismo desses processos. Nós temos uma mentalidade também muito litigiosa, tudo, qualquer questão da nossa vida privada ou que seja a gente, não satisfeito com aquilo que quer, leva a juízo.

Mas isso é no mundo inteiro hoje em dia.
Mas aqui acho que tem um pouquinho mais, e nós já temos aí uma herança disso, antiga. Então a gente [precisa] incentivar outras formas de composição de litígio que não seja só o Judiciário. Arbitragem, enfim.

No caso aí da Poupança o sr. se sentiu pressionado por alguma das partes, sobretudo o governo, a respeito de como proceder?
Não, eu não fui procurado por ninguém. Eu recebi uma visita da Febraban, que me levou um estudo de uma auditoria independente, apontando erros no cálculo. Só. Mais nada. A comunicação do Banco Central e da AGU foram feitas no próprio processo, com petições que eles ali encartaram, mas não foi... Nem do lado dos poupadores, nem do lado do governo. Não recebi pressão de quem quer que seja.

População carcerária no Brasil, cerca de um quarto dela está lá presa por conta de envolvimento com drogas. Às vezes, tráfico de pequenas quantidades. Já chegou o momento, no Brasil, de pensar em descriminalizar certos crimes relacionados a drogas e descriminalizar algum tipo de droga, como a maconha, por exemplo?
Eu não tenho elemento para observar se essa descriminalização vai ou não vai aliviar a questão da sobrecarga no Judiciário. Onde eu acho que se pode evoluir é o que se está evoluindo hoje, que é descriminalizar o uso da droga. O novo projeto de Código Penal ele dá uma saída interessante que é exatamente a de o juiz verificar se o sujeito é usuário, porque aí é um doente, tem que ser tratado como doente, e não como criminoso. A proposta inicial constando do anteprojeto era tabelar por quantidade. E aí você cria uma presunção de inocência complicada.

E um grama a mais...
E quantas vezes também, né? Então assim, estabelece x gramas, mas foram três, quatro, cinco vezes com x gramas. É uma presunção complicada de aplicar no dia-a-dia do Judiciário. Eu acho que anda melhor agora a proposta em que o juiz possa analisar a questão do indivíduo mesmo.

E qual sua opinião a respeito de simplesmente descriminalizar a maconha, como, por exemplo, ocorreu no Uruguai agora?
Eu não tenho elemento para dizer que descriminalizando nós teremos diminuição do crime. Eu não sei.

Mas ainda sim, o sr. tem opinião?
Não, não me debrucei ainda sobre o assunto.

Se o sr. pudesse mudar uma regra para melhorar o sistema político brasileiro, qual seria?
Incrementar mais ainda a Lei da Ficha Limpa.

Como assim?
Hoje se exige uma condenação em segundo grau para que o sujeito fique inserido no rol dos inabilitados ao concurso eleitoral. Eu acho que bastaria uma condenação de primeiro grau para tanto.

O sr. já declarou seu voto nas últimas eleições presidenciais?
Não.

Nunca declarou?
Não, o voto é secreto.

Não declara?
Não.

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Eu que agradeço.