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Após faltar a audiência, major Curió será convocado à Comissão da Verdade

Sebastião Curió, conhecido como major Curió, que foi denunciado por crimes contra ditadura - Edinaldo de Sousa/Folhapress
Sebastião Curió, conhecido como major Curió, que foi denunciado por crimes contra ditadura Imagem: Edinaldo de Sousa/Folhapress

Bruna Borges

Do UOL, em Brasília

12/08/2014 17h04Atualizada em 12/08/2014 17h36

Convocados pela Comissão Nacional da Verdade, quatro militares, entre eles o major Curió, não compareceram à audiência pública desta terça-feira (12) para depor sobre sua atuação na Guerrilha do Araguaia. Os militares serão agora convocados pela comissão para prestar esclarecimentos.

Considerado um dos episódios mais violentos da repressão durante a ditadura militar, a Guerrilha do Araguaia foi caracterizada por prisões ilegais, tortura, desaparecimentos e extermínio dos guerrilheiros. A guerrilha rural ocorreu entre 1967 e 1974 em uma região que compreende áreas do Pará, Maranhão e Tocantins (à época Goiás) e atuava como resistência ao regime autoritário.

O coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, um dos comandantes da repressão à guerrilha, foi um dos que não compareceu à audiência pública. Após negociação, ele deve ser ouvido no Hospital das Forças Armadas, em Brasília.

Como ele foi convocado, caso se recuse a comparecer, a comissão pode solicitar ajuda da Polícia Federal para obrigá-lo a prestar esclarecimentos ao colegiado. “Não tenho dúvidas de que teremos o depoimento do Curió”, afirmou Pedro Dallari, coordenador da comissão.

O advogado de Curió encaminhou um ofício no último dia 8 alegando que o coronel reformado não iria comparecer por estar respondendo a uma ação penal por sequestro e cárcere privado após denúncia do Ministério Público e pela Procuradoria da República de Marabá.

Segundo Dallari, o fato de Curió ser réu nesta ação não interfere em nada na convocação feita pela comissão. Hoje, o advogado mudou a versão da justificativa da ausência e apresentou novo laudo médico, emitido pelo Hospital das Forças Armadas, que atesta que Curió foi internado com problemas urológicos. 

O coronel Thaumaturgo Sotero Vaz, que também não veio hoje, se dispôs a comparecer a nova audiência se a comissão custear sua vinda à Brasília. Ele deve ser convocado novamente na próxima semana. Segundo a comissão, o militar já afirmou, em entrevista ao “Jornal do Norte”, que “é preciso aproveitar o momento psicológico da prisão para arrancar a informação” quando fazia comentários sobre tortura.

O militar Leo Frederico Cinelli não foi localizado pela Polícia Federal, e José Conegundes do Nascimento não apareceu nem apresentou justificativa para a ausência e será reconvocado.

A comissão vai usar a autoridade policial para forçar o comparecimento de militares convocados a depor que não se apresentaram e não entregaram justificativa válida pela ausência. Caso os militares não apareçam para depor, o colegiado expedirá um mandado, que será executado pela Polícia Federal para garantir seus depoimentos. Na prática, a medida determina que policiais busquem os depoentes em suas casas ou onde eles se encontram e os encaminhe até as oitivas à força.

Audiência pública

Segundo o secretário-executivo da comissão, André Saboia, a guerrilha resultou em 70 pessoas desaparecidas. “As baixas militares são significativamente menores, foram registradas oito mortes. Isso caracteriza uma ação com a intenção de extermínio dos militantes.”

A comissão também revelou que os militares que atuaram na repressão do grupo inicialmente não tinham experiência em guerrilha rural e se infiltraram nas comunidades camponesas disfarçados de agentes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ou de posseiros para obter informações antes do combate armado.

Ainda de acordo com a comissão, os militares da repressão confirmaram que usaram nomes falsos durante as ações de inteligência para obter informações sobre guerrilheiros. Todos eles foram condecorados e, após a atuação no Araguaia, eram recompensados com altos postos do governo. Isso, segundo o colegiado, não ocorria sempre com agentes da repressão à guerrilha urbana.

Durante a audiência, a comissão revelou que o general reformado Nilton Cerqueira afirmou, em depoimento reservado em novembro do ano passado, que “prender os terroristas não era uma opção” -- ele se referia aos guerrilheiros que eram capturados com vida e desapareceram. Para o colegiado, o testemunho do agente da repressão é uma nova prova de que o Exército executou presos políticos na guerrilha.

Cerqueira também chefiou a operação que matou Carlos Lamarca, em 1971. O militar foi reconvocado pela comissão para depor sobre o atentado do Riocentro, mas se recusou a falar.

Outra revelação da comissão foi a de que o sargento João Sacramento relatou ter visto com vida, após serem capturados, ao menos três desaparecidos guerrilha: Divino Ferreira de Souza, Daniel Callado e Antônio de Pádua.

A comissão também revelou informações sobre o depoimento do sargento João Santa Cruz Sacramento, que depôs em novembro de 2013, e descreve a “Casa Azul”, um centro clandestino de prisão e tortura utilizado pelo Exército. O militar também que viu alguns dos desaparecidos com vida antes de elas sumirem. “A chave para achar os corpos ou restos mortais é o Curió, ele era o chefe, ele tinha acesso a tudo e nós não tínhamos”, diz trecho do depoimento do sargento.

O colegiado mostrou ainda detalhes sobre o depoimento do general Álvaro de Souza Pinheiro, que confirmou ter atuado na guerrilha na fase decisiva do combate, mas não ofereceu detalhes específicos. O militar disse que em combate na selva “não existe tiro para ferir”, e que os militares a partir de 1964 estavam “prontos para matar pela Pátria”. O general deve ser ouvido de novo pela comissão para falar sobre o uso de napalm na Operação Papagaio.

Depoimentos

Maria Eliana de Castro Pinheiro, irmã do guerrilheiro Antonio Teodoro de Castro, que foi morto na guerrilha, contou a trajetória de seu irmão e contou que seu irmão provavelmente deixou uma filha no Araguaia, que foi adotada por camponeses. Ela foi localizada e aguarda a resposta do Estado para que realize o exame de paternidade.

“A probabilidade dela ser nossa sobrinha é muito grande. O laudo é do nosso coração e a fisionomia. Ela é muito parecida com a minha irmã. Ela já é nossa sobrinha de coração, mas espero que consiga realizar o exame, espero que o Estado que sequestrou nossa sobrinha que a traga de volta”, defendeu Eliana.

Também deu seu depoimento Elizabeth Silveira e Silva, irmã do desaparecido Luiz Rene da Silva, que contou como familiares de militantes tinham e têm dificuldade de encontrar informações sobre eles.

“As famílias buscavam com os mecanismos que conseguiam por meio de advogados. Mas no caso do Araguaia era mais característico porque estavam longe. Ninguém sabia onde eles se encontravam, só militantes de alta direção, alguns familiares sabiam que o militante estava envolvido politicamente, mas muitos nem isso”, comentou Elizabeth.

Mais cedo, a ex-guerrilheira Criméia Schmidt de Almeida, que sobreviveu à guerrilha, afirmou que militares que a interrogavam mostravam cabeças degoladas de guerrilheiros mortos pelos agentes de repressão para forçá-la a identificar as vítimas.