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Empreiteiras citadas na Lava Jato contrataram militares para suas diretorias

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Imagem: arte UOL

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

10/12/2014 10h53Atualizada em 10/12/2014 16h31

Empreiteiras que estão sendo investigadas ou foram citadas na operação Lava Jato, da Polícia Federal, possuíam, segundo o relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade) divulgado nesta quarta-feira (10), contatos diretos com agentes do aparelho de Estado durante a ditadura, e chegaram a contratar militares para suas diretorias.

De acordo com um dos nove textos temáticos presentes no segundo volume do relatório, que aborda a colaboração de civis com a ditadura, as empresas Mendes Júnior, Setal e Rabello admitiram membros das Forças Armadas em cargos de comando "para tentar facilitar sua atuação junto a agências estatais". As duas primeiras estão, hoje, entre as empreiteiras suspeitas de pagar propina para fechar contratos com a Petrobras.

O vice-presidente da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes, foi um dos executivos presos em uma etapa da Lava Jato no mês passado. Dias depois, a Setal acertou um acordo de leniência com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que investiga eventual existência de cartel em licitações da estatal. A reportagem pediu posicionamento das duas empresas, mas até o momento não obteve resposta.

Outras três empreiteiras citadas no documento são hoje citadas na operação, e teriam sido favorecidas durante a ditadura. “Se antes do golpe civil-militar de 1964 havia no Brasil empresas importantes no setor de construção civil, ao final do regime tínhamos um quadro de grandes grupos de diversificada atividade econômica e atuação internacional, formados a partir de firmas da construção. Esses conglomerados econômicos, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, permanecem poderosos até hoje”, relata o texto.

O relatório aponta ainda que “em vários ramos da economia, grandes grupos econômicos nacionais se formaram sob o protecionismo estatal”. O caso da construção civil é mencionado como exemplo da prática. “As empreiteiras brasileiras, logo depois de formadas, organizaram-se em aparelhos da sociedade civil, desenvolvendo atuação coletiva para pressionar e influenciar a produção de políticas públicas favoráveis”, explica o documento, elaborado sob a responsabilidade da conselheira Rosa Maria Cardoso da Cunha. Onze pesquisadores participaram das investigações.

O texto, no entanto, não faz nenhuma menção explícita à operação Lava Jato.

Ainda sobre a formação de grupos econômicos de grande porte, o relatório afirma que o governo militar, "comprometido e a serviço da classe empresarial nacional e internacional", reorganizou a estrutura e a administração estatais "para atender aos seus interesses imediatos".

A reportagem do UOL entrou em contato com o Ministério da Defesa, que responde pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), mas o órgão federal informou que não se pronunciaria sobre o conteúdo do relatório. Por meio de sua assessoria de comunicação, o órgão informou ainda ter colaborado com os trabalhos da comissão desde a sua criação. Já os representantes do Clube Militar não foram localizados.

"Lua de mel" na ditadura

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a história das empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato com as obras públicas teve sua "lua de mel" durante a ditadura militar. O historiador Pedro Campos, autor da tese de doutorado "A ditadura dos empreiteiros", avalia que, neste período, as empreiteiras começaram a se nacionalizar e se organizaram, ganhando força no cenário político e econômico.

A construção de Brasília, fundada em 1961, três anos antes do golpe militar, é considerado um marco na trajetória das construtoras. "Ali, reuniram-se empreiteiras de vários Estados e começaram a manter contato, se organizar politicamente. Depois, passaram pelo planejamento da tomada de poder dos militares e pautaram as políticas públicas do país", analisa Campos, que é professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

De acordo com o historiador, a partir da chegada dos militares ao poder, as empreiteiras passaram a ganhar contratos do governo muito mais volumosos que os atuais. "Se eles era grandes, cresceram exponencialmente no regime militar. Se elas hoje são muito poderosas, ricas e têm um porte econômico como construtoras, posso dizer que elas eram maiores. O volume de investimentos em obras públicas era muito maior. Digamos que foi uma lua de mel bastante farta e prazerosa".

Clique aqui para acessar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade na íntegra