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Igreja Católica sofreu com mortes, expulsões e até fechamento de rádio

Padres tentam evitar choque com policiais durante missa em memória do estudante Edson Luis de Lima nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio, em 1968 - Arte/UOL
Padres tentam evitar choque com policiais durante missa em memória do estudante Edson Luis de Lima nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio, em 1968 Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

10/12/2014 10h54

“O Estado de segurança nacional do regime militar entendeu que a Igreja Católica era um dos seus inimigos públicos”, afirmam os responsáveis pelo relatório final da Comissão da Verdade, divulgado nesta quarta-feira (10). Na condição de inimigos, os católicos sofreram com mortes, expulsões e até o fechamento de uma emissora de rádio durante a ditadura (1964-1985).

Em 1966, somente dois anos depois do golpe, o Centro de Informações do Exército já produzia o documento “Frente religiosa. Infiltração esquerdista no Episcopado brasileiro”. Trinta bispos eram apontados como hostis ao golpe, sendo que 16 eram considerados “francamente esquerdistas”.

A avaliação dos militares resultou em diversos tipos de repressão aos católicos. O Centro Ecumênico de Documentação e Informação produziu em 1988 uma lista de 12 formas de ataque sofridas pela Igreja: difamações, invasões, prisões, tortura, mortes, sequestros, processos, intimações, expulsões, censura, proibições e falsificações.

Entre 1969 e 1981, houve 15 mortes ou desaparecimentos de clérigos ou leigos. O primeiro caso foi o do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, auxiliar direto do arcebispo Dom Hélder Câmara. Ele foi sequestrado, torturado e morto no Recife, em maio de 1969.

O relatório também considera a morte por suicídio do frei Tito de Alencar Lima, preso e torturado aos 24 anos, em 1970, pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Frei Tito foi deportado para o Chile e cometeu suicídio em 1974 quando estava exilado na França.

Entre os leigos, há os casos de Santo Dias, líder da Pastoral Operária, morto com um tiro pelas costas disparado por um policial militar durante uma greve em São Paulo; do estudante Alexandre Vanucchi Leme, aluno da Universidade de São Paulo, morto por lesões provocadas por tortura nas dependências do II Exército, na capital paulista; e do líder estudantil Honestino Guimarães da Silva, integrante da Juventude Estudantil Católica, preso e torturado nas dependências do Cenimar, na Ilha das Flores, no Rio – seu corpo está desaparecido.

A reportagem do UOL entrou em contato com o Ministério da Defesa, que responde pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), mas o órgão federal informou que não se pronunciaria sobre o conteúdo do relatório. Por meio de sua assessoria de comunicação, o órgão informou ainda ter colaborado com os trabalhos da comissão desde a sua criação. Já os representantes do Clube Militar não foram localizados.

Expulsões e censura

Foram 18 casos de banimento ou expulsão. O padre James Murray foi expulso, por exemplo, por celebrar missa vestido de preto e por ler a Declaração dos Direitos Humanos durante a homilia.

A imprensa vinculada à Igreja Católica sofreu fortes ataques desde o início da ditadura. O tabloide “Brasil Urgente” circulou pela última vez em 31 de março de 1964, dia do golpe. O último número estampou na capa: “Fascistas preparam golpe contra Jango”. Os militares determinaram o fechamento do semanário, que chegou a circular com 60 mil exemplares.

Criada em 1953, a rádio “9 de Julho”, de São Paulo, foi lacrada e cassada em 1973, quando tinha dom Paulo Evaristo Arns como coordenador. “Um dos programas impactantes era o ‘Encontro com o Pastor’, no qual dom Paulo difundia a luta em favor dos direitos humanos.”

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Araguaia

No campo, houve repressão a católicos em regiões como o Araguaia. “Mesmo após a eliminação de todos os guerrilheiros da região, a área seguiu sendo considerada uma zona delicada, motivo pelo qual há inúmeros relatórios produzidos pelos organismos de inteligência monitorando as condições para o desenvolvimento de atividades ‘subversivas’. A preocupação com os conflitos agrários e a influência dos religiosos progressistas na região levou o governo a criar, em fevereiro de 1980, o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), cujo objetivo era dirimir as tensões sociais produzidas pelas disputas fundiárias”, relata a Comissão da Verdade. “Caso exemplar dessa dinâmica de disputa em torno da terra e de produção de informação por parte dos órgãos repressivos é a prisão dos padres franceses Aristide Camio e Francois Gouriou (1981)”. Os dois engrossaram a lista de expulsos.

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No período anterior, de combate à guerrilha, os militares atacaram os cerca de 70 integrantes do PC do B (Partido Comunista do Brasil) que se alojaram na região e os camponeses que prestaram algum apoio a estes guerrilheiros.

Foi justamente o caso do Araguaia que levou o Brasil a ser condenado, em 2010, na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sessenta e duas pessoas tiveram o “desaparecimento forçado” na região entre 1972 e 1974.

“O uso desproporcional da forca atingiu guerrilheiros, camponeses e indígenas. Mesmo nos marcos da ordem jurídica vigente à época, as violações foram flagrantes e recorrentes. A montagem de um verdadeiro sistema de repressão na região do Araguaia teve, como resultado final, a eliminação de quase todos os envolvidos com a experiência da guerrilha, mesmo daqueles que se renderam ou buscaram abandonar a área. Como demonstram os documentos militares, a decisão de executar os guerrilheiros partiu do comando das Forcas Armadas e não pode, portanto, ser considerada excesso dos agentes presentes em campo em situações específicas: se eles conduziram torturas, execuções e desaparecimentos forçados foi porque essas condutas estavam previstas nos manuais de guerra que inspiraram as ações militares na região e nas decisões políticas e estratégicas adotadas pelo alto escalão do poder político no país”, conclui a Comissão da Verdade.

Buracos do Vietnã

Documento produzido à época pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) apontou o número de 161 moradores presos por serem suspeitos de apoiar os guerrilheiros. “Camponeses relatam ter sido presos em valas de três metros de comprimento por dois de profundidade, sem latrinas e sem telhado, cavadas nas bases militares da Bacaba e de Xambioá: eram cobertas com grades de ferro e chamadas de ‘buracos do Vietnã’. Muitos camponeses foram torturados, conforme relataram alguns sobreviventes à Comissão”, diz o relatório.

“Os moradores, lavradores e comerciantes da região eram acusados de ‘subversão’ por terem simpatizado ou contribuído de alguma forma com a guerrilha. (...) moradores da região foram forcados a trabalhar na condição de guias do Exército”, afirma.

O relatório estima em 27 a quantidade de vítimas no Araguaia, sendo 12 casos tidos como consolidados. A Comissão da Verdade também aponta repressões a camponeses durante a ditadura nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Mato Grosso e Acre . No Rio de Janeiro, por exemplo, 20 pessoas morreram ou desapareceram em Cachoeiras do Macacu.

Clique aqui para acessar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade na íntegra