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Dez anos depois do mensalão, o que falta para combater corrupção? Especialista explica

Bruna Borges

Do UOL, em Brasíla

05/06/2015 06h00

Dez anos após o escândalo do mensalão vir à tona, o Brasil ainda patina no combate efetivo à corrupção. É como avalia Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo). Para o especialista, o Brasil precisa democratizar os partidos e definir o marco legal sobre a atividade do lobby.

Segundo o professor, quando há escândalos como o investigado pela operação Lava Jato, é difícil acreditar que o governo combate efetivamente a corrupção. Durante a operação foi descoberto um esquema de pagamento de propina a ex-diretores da Petrobras e a partidos políticos.

“[Há] movimentos populares liderados pela OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], pela CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil], outras entidades e o trabalho de imprensa contra a corrupção. São vários os elementos para combater a corrupção, mas estamos muitíssimo longe de medidas eficazes”, declarou.

Para Romano, o principal avanço do combate à corrupção foi incluir na Constituição de 1988 a autonomia da Polícia Federal e do Ministério Público, que passaram a investigar irregularidades sem influência do Poder Executivo.

A criação da CGU (Controladoria-Geral da União) é outra medida importante, segundo o professor. O órgão é responsável por investigar, fiscalizar e punir agentes públicos que cometam atos ilícitos com recursos do governo. O professor explica que a CGU também busca orientar sobre como usar de maneira correta o dinheiro público, pois eventuais desperdícios identificados pelo órgão podem ter ocorrido por falta de qualificação do agente público e não por má fé.

“A CGU realiza um trabalho pedagógico importante. Se ela localiza um prefeito que está fazendo algo errado, mas que não tem muita informação sobre gestão, ela pune. Mas não da mesma forma que um puniria um prefeito corrupto com qualificação. Ela orienta”, diz Romano.

O professor afirmou ainda que a aprovação da Lei de Acesso à Informação forneceu “armas” para que a imprensa e a sociedade civil cobrem do governo o bom uso dos recursos públicos.

Romano também destacou a Lei da Improbidade Administrativa, aprovada em 1992, que responsabiliza e pune maus gestores que tenham gerado prejuízo à administração pública por corrupção e que tenham enriquecimento ilícito comprovado.

O que ainda falta? 

No entanto, essas medidas, apesar de importantes, não são suficientes.

Para o professor de ética e filosofia política, o país precisa realizar uma profunda reforma política por meio do que ele chama de “democratização” e renovação qualitativa dos partidos. “É preciso efetivamente exigir a democratização dos partidos políticos. Eles são dominados pelos donos dos partidos. Você tem partidos que não dão a mínima atenção aos eleitores de base. Esse é o grande núcleo da corrupção política. Essa falta de democracia leva aos abusos dos dirigentes”, disse Romano.

Romano defende a renovação dos dirigentes dos partidos que estão no comando há 20 ou 30 anos como uma maneira de combater a corrupção. Na avaliação do docente, essa falta de renovação vicia o processo de mudanças que a sociedade precisa. Sem alterar o quadro partidário, o cenário político tende a ser clientelista e acobertar a corrupção interna. “Ajudaria muito se você obrigasse um diretor de partido ter no máximo dois anos [de mandato], aí sim seria possível a renovação”, defendeu.

Segundo Romano, há uma concentração excessiva de poder na esfera federal sobre os recursos obtidos por impostos e para que políticos da base, como prefeitos, obtenham dinheiro, é necessário apoio político. “E não basta que o prefeito tenha os recursos retornando aos municípios. Porque o tempo é um elemento importante. É preciso que o dinheiro retorne a tempo de fazer as obras ou vai precisar dos intermediários, os lobistas. Ninguém consegue verba no Brasil sem um lobby forte no Senado ou na Câmara dos Deputados”, explica Romano.

Para o professor, essa dependência dos agentes públicos da base com o lobby acaba sendo uma “fonte de corrupção”. A atividade, no entanto, ainda não foi regulada no Brasil e seu controle não feito. Fica assim aberta uma brecha para atos ilícitos.  Por isso, Romando defende a regulação do lobby como segunda medida principal de combate à corrupção.

“Há aí a bancada da bala, a bancada evangélica. Esses grupos estão defendendo interesses próprios e nem sempre o da população. [Lobby] é uma fonte de corrupção é muito grande, não se distingue quando um deputado é representante popular ou lobista.  É um ponto gravíssimo e tem muitíssimo pouco discutido na universidade e na imprensa”, afirmou.

O professor também critica o apadrinhamento político em estatais. Segundo ele, é preciso desvincular cargos do executivo de funções de gerencia de um partido para evitar favorecimentos indevidos.

Questionado sobre a reforma política capitaneada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Romano classifica propostas como o “distritão” de “firulas”.