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Sei o que foi passar pela mão de Ustra, era uma besta-fera, diz vereador

O vereador Gilberto Natalini ao prestar depoimento à Comissão Nacional da Verdade  - Wilson Dias - 10.mai.2013/ABr
O vereador Gilberto Natalini ao prestar depoimento à Comissão Nacional da Verdade Imagem: Wilson Dias - 10.mai.2013/ABr

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

15/10/2015 11h27

“Eu sei o que foi passar pela mão dele. O Ustra foi uma besta-fera”. Foi assim que o vereador paulistano Gilberto Natalini (PV-SP) definiu sua convivência com o ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que morreu na madrugada desta quinta-feira (15) aos 83 anos em Brasília.

Natalini tinha 19 anos em 1972 quando foi preso por agentes da ditadura militar. Natalini conta que foi torturado por Ustra, então major, e por seus subordinados por quase um mês. “Não me lembro os dias todos porque quando você é torturado, tem coisas que você prefere não lembrar com exatidão”, diz Natalini.

Segundo Natalini, entre as torturas utilizadas por Ustra e seu grupo, uma das que deixou marcas até hoje foram os choques elétricos. “Tomei tanto choque elétrico que tive lesões nos ouvidos. Até hoje, eu tenho problemas de audição causados pelos choques que eu levei”, afirmou.

Quarenta e um anos depois de ser torturado, em 2013, Natalini confrontou Ustra durante uma audiência da Comissão Nacional da Verdade, que investigava crimes cometidos pelo governo durante a ditadura militar. Após sugerirem que Natalini e Ustra fossem colocados frente a frente em uma acareação, Ustra reagiu. “Eu não faço acareação com terrorista”, disse o militar. Natalini respondeu. “Eu não sou terrorista. Terrorista é você”, replicou Natalini.

 

Apesar dos embates durante e depois da ditadura, Natalini diz que recebeu a notícia da morte de Ustra com um sentimento ambíguo. “Como ser humano, eu fico triste com a morte dele. Sou médico e a gente nunca fica feliz quando alguém morre. Mas como militantes e alguém que foi torturado por ele, eu lamento que ele não tenha sido punido pelos seus crimes”, disse.

Natalini disse que a impunidade a torturadores no Brasil é uma “covardia” e que a presidente Dilma Rousseff (PT), que também foi torturada durante a ditadura militar, terá de prestar contas com a “história” por não ter tomado medidas que resultassem na punição dos agentes do Estado envolvido em torturas. “O que aconteceu no Brasil é uma covardia. Diversos países na América Latina tiveram ditaduras, mas ninguém foi punido no Brasil. Na Argentina, houve punições, mas aqui não”, disse. “O governo tem medo político. Dilma arregou diante dos torturadores. Isso ela vai ter que responder para a história”, completou Natalini.

Em dezembro de 2014, a CNV (Comissão Nacional da Verdade) entregou seu relatório final. O documento listou 434 vítimas e 377 responsáveis por crimes na ditadura.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o Brasil a investigar os crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura e a punir os seus responsáveis.

No mesmo ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter a Lei da Anistia, de 1979, que perdoou os crimes políticos cometidos durante o período da ditadura militar. 

Ustra negou ter cometido torturas e disse que agiu "dentro da lei".