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Pedido de impeachment da oposição usa argumentos já rejeitados por Cunha

Em outubro, Cunha (centro) recebeu novo pedido de impeachment feito por juristas - Pedro Ladeira/Folhapress
Em outubro, Cunha (centro) recebeu novo pedido de impeachment feito por juristas Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

11/11/2015 06h00

Dois dos principais argumentos a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) têm sido rejeitados pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nas decisões pelo arquivamento dos pedidos de afastamento da presidente apresentados ao Congresso este ano.

Os pedidos de impedimento têm que ser apresentados à Câmara, e cabe ao presidente da Casa decidir se há elementos para o prosseguimento do processo ou se o pedido deve ser arquivado.

Até o momento, Cunha já determinou o arquivamento de 20 dos 34 pedidos recebidos. O documento apresentado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, tratado pela oposição como o principal deles, ainda não recebeu decisão da Presidência da Câmara e traz pontos que têm sido rejeitados pelo peemedebista.

As decisões pelo arquivamento não obrigam o presidente da Câmara a seguir o mesmo posicionamento ao analisar outros pedidos de impeachment. Ou seja, em tese Cunha pode utilizar um argumento jurídico oposto aos já adotados e aceitar o prosseguimento do processo.

Pedaladas

Nos arquivamentos publicados nos dias 2 e 8 de outubro no Diário da Câmara – assinados por Cunha --, os pareceres sustentam que a decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) contrária às chamadas pedaladas fiscais serve apenas para orientar o julgamento das contas do governo pelo Congresso Nacional e que o acórdão do TCU que analisou especificamente as pedaladas não imputa a Dilma responsabilidade direta pelas operações.

“Ainda que fosse juntada reprodução da mencionada peça opinativa [do TCU], ela serviria à finalidade de instruir o Congresso Nacional para exercer sua prerrogativa privativa de julgar as contas da Presidente, nos termos do art. 49, IX, da Constituição”, diz trecho de uma das decisões.

“Registro, com interesse para o caso presente, que o acórdão n.825/2015 [que analisou as pedaladas], produzido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União nos autos do processo TC n. 021.643/2014/8, imputa como responsáveis por descumprimentos à Lei de Responsabilidade Fiscal diversos titulares de órgãos da Administração Federal Direta e de entidades da Administração Federal Indireta, sem mencionar, de forma direta, a titular da Presidência da República”, cita trecho de outro parecer da Presidência da Câmara pelo arquivamento de pedido de impeachment.

A prática do governo de atrasar repasses a bancos públicos para o pagamento de programas federais ficou conhecida como pedalada fiscal. O TCU entendeu que se trata de empréstimo dos bancos ao governo, o que é proibido por lei.

O pedido de impeachment de Bicudo e Reale Júnior sustenta que o envolvimento de Dilma com as pedaladas se deve ao fato de a presidente se reunir constantemente com o secretário do Tesouro Nacional, a quem caberia executar as operações. “A conduta da denunciada, Dilma Rousseff, na concretização destes crimes, é de natureza comissiva, pois se reunia, diariamente, com o Secretário do Tesouro Nacional, determinando-lhe agir como agira”, diz o texto da denúncia dos juristas.

Decisões de Cunha pelo arquivamento dos pedidos também afirmam que supostas violações à Lei de Responsabilidade Fiscal podem não significar que tenha havido crime de responsabilidade, única categoria legal de infração que permite afastar o presidente da República do cargo, após julgamento pelo Congresso.

“Quanto aos atos de improbidade administrativa e violações à Lei de Responsabilidade Fiscal supostamente praticados pela denunciada [Dilma], insta observar que: a apreciação dessas alegações não cabe ao Congresso Nacional”, diz texto de uma das decisões publicadas no dia 2 de outubro.

Em entrevista recente, Cunha afirmou que a prática das pedaladas "por si só" não é suficiente para a abertura do processo.

Corrupção

Três dos pareceres pelo arquivamento ressaltam não ser possível responsabilizar Dilma por “omissão” no combate à corrupção por ela ter sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras.

Esse argumento foi repetido no pedido de Bicudo e Reale Júnior: “A condição de Presidente do Conselho de Administração da Petrobras entre os anos de 2003 e 2010 não permite que a denunciada apenas negue não saber da corrupção existente”, diz o texto dos juristas.

Nas decisões assinadas por Cunha é afirmado que “o simples fato de alguém exercer posição de superioridade hierárquica na estrutura político-administrativa não o torna responsável por ilícitos praticados por seus subordinados”, diz trecho do parecer.

Além disso, as decisões se atêm à regra constitucional que impede processo de impeachment por atos praticados antes do mandato.

“É vedada a responsabilização do presidente da República, na vigência de seu mandato, por atos estranhos ao exercício de suas funções, impedimento que obstaculiza a análise de supostas condutas omissivas ou comissivas da atual Presidente da República à época em que integrava o Conselho de Administração da Petrobras”, diz uma das decisões.

Decretos e dívida

As decisões pelo arquivamento dos pedidos de impeachment não trataram, explicitamente, de dois dos quatro argumentos principais utilizados por Bicudo e Reale Júnior.

Apesar de alguns pedidos já negados citarem os decretos presidenciais que aumentaram despesas em 2014 sem autorização do Legislativo, a reportagem do UOL não encontrou nos pareceres publicados menção direta a esse ponto.

Outra questão levantada pelos juristas, e não abordada nos pareceres pelo arquivamento dos pedidos, é a não inclusão no cálculo da dívida do governo dos repasses em atraso aos bancos públicos por causa das pedaladas fiscais.

Pressão

A prerrogativa de decidir sobre o prosseguimento de um processo de impeachment aumentou o prestígio de Cunha com o governo e a oposição. Alvo de um processo no Conselho de Ética que pode cassar seu mandato, o deputado tem sido poupado de críticas mais fortes tanto por deputados da base quanto por oposicionistas.

Cunha prometeu para este mês a decisão sobre os principais pedidos que ainda restam em sua mesa.

'Não há argumentos'

O advogado Flávio Caetano, que atua na defesa da chapa que elegeu a presidente Dilma Rousseff (PT) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), afirma que as decisões anteriores são “relevantes” para delimitar juridicamente a posição da Câmara sobre o tema.

Caetano afirma que as decisões pelo arquivamento têm deixado claro ser necessária a demonstração de um ato da responsabilidade direta da presidente para a abertura do processo de impeachment. “Nenhum argumento usado nas denúncias apresentadas até agora é suficiente para sustentar que houve crime de responsabilidade”, afirma o advogado.

A reportagem do UOL procurou o jurista Miguel Reale Júnior na segunda-feira (9), mas ele informou que não teria tempo disponível para conceder entrevista em função de compromissos já assumidos.