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Delações e ajuda internacional explicam sucesso da Lava Jato, diz ONU

Doleiro Alberto Youssef fez acordo de delação premiada na Operação Lava Jato - Ueslei Marcelino/Reuters
Doleiro Alberto Youssef fez acordo de delação premiada na Operação Lava Jato Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

11/01/2016 06h00

A ONU (Organização das Nações Unidas) acompanha de perto a operação Lava Jato. Para a advogada Indira Fernandes, especialista em Anticorrupção e Lavagem de Dinheiro do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) no Brasil, as delações premiadas e a realização de acordos de cooperação internacional sustentam os êxitos do trabalho feito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal para desvendar esquemas de corrupção na Petrobras.

Otimista, a representante da ONU elogia a operação e diz que o Brasil tem diante de si uma grande oportunidade, “como nunca teve”, de derrotar a corrupção.

Iniciada em março de 2014, a Lava Jato já tem 80 condenações e 179 pessoas acusadas criminalmente. A operação fez 86 pedidos de cooperação internacional, 40 acordos de delação premiada e cinco acordos de leniência com empresas. Os crimes denunciados envolvem o pagamento de R$ 6,4 bilhões em propinas. A operação conseguiu recuperar R$ 2,8 bilhões até o momento.

Indira Fernandes tem mestrado em direito internacional pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e trabalhou como especialista legal na área de antilavagem de dinheiro na OEA (Organização dos Estados Americanos). Confira abaixo a entrevista concedida por ela ao UOL.

UOL - Que avaliação a sra. faz da operação Lava Jato?
Indira Fernandes - A grande diferença da Lava Jato e das outras operações é que em nenhuma outra investigação as informações que chegaram do exterior tiveram tanta importância e relevância. Nunca antes tantos pedidos de cooperação internacional foram feitos e atendidos e nunca antes o país conseguiu a repatriação de tantos recursos desviados do país.
Um dos institutos responsáveis pela repatriação desses recursos desviados e que diferencia a Lava Jato das outras operações é a colaboração premiada. A devolução do dinheiro e dos bens obtidos de recursos ilícitos fazem parte dos acordos brindados nas colaborações premiadas.
A colaboração está prevista no artigo 26 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que permite aos Estados Membros o emprego de réus colaboradores na elucidação de crimes graves ou previstos na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, assegurando-lhes a redução de pena, direito a imunidade em caso de colaboração substancial, direito a medidas de proteção e a benefícios premiais em cooperação internacional.

Que comparação se pode fazer entre a Lava Jato e a operação Mãos Limpas, realizada na Itália na década de 1990?
A operação Mãos Limpas envolveu um número muito maior de pessoas. Apesar de existir semelhanças quanto ao grande impacto sobre a opinião pública ao trazer a disputa judicial para o campo da mídia, a corrupção na operação Mãos Limpas foi muito além de uma única empresa.

Como a ONU vê a Lava Jato? O Brasil está sujeito a algum tipo de restrição internacional devido aos escândalos?
Estamos acompanhando de perto o desfecho das investigações. Para nós, qualquer investigação ou operação que vise combater a corrupção é louvável, pois é necessária para o avanço da democracia de qualquer país, além de ser necessária para a diminuição da ideia de impunidade arraigada na sociedade.
O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção há anos, e passa periodicamente pelo mecanismo de revisão da convenção. Nos últimos anos o Brasil demonstrou grandes avanços em relação ao combate à corrupção, tais como o Portal da Transparência da CGU (Controladoria-Geral da União) e a Lei da Empresa Limpa, de 2013. É claro que ainda há muito o que melhorar, porém o Brasil está no caminho certo e vem seguindo a maioria das recomendações internacionais no que tange à prevenção e combate à corrupção.
Porém, com base na Lei Anticorrupção dos EUA, a Justiça norte-americana pode responsabilizar e punir executivos de empresas estrangeiras envolvidas em fraudes. Portanto, sob essa ótica, as empresas brasileiras podem sim ser investigadas e punidas.

Quais as consequências da operação no país?
O Brasil tem agora uma grande oportunidade de derrotar a corrupção como nunca teve. A população está esperançosa e disposta a agir para que se alcance as mudanças necessárias para que o país combata a corrupção e a impunidade.

O que o Brasil tem de fazer para aumentar o combate à corrupção e ter eficácia nisso? É necessário criar órgãos específicos e mexer na legislação?
A legislação anticorrupção brasileira é bem completa. O combate pode ser feito por várias frentes. Para a prevenção, recomenda-se a educação e conscientização da população dos danos sociais e individuais causados pela corrupção.
Além disso, algumas recomendações quanto ao combate são a agilização do processo penal, a extinção de brechas da lei que permitem a prescrição dos casos criminais, a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos e a ação civil de extinção de domínio, que possibilita dar perdimento a bens de origem ilícita independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos.

Como intensificar o combate à corrupção nos Estados e municípios?
Por meio de educação e conscientização da população. E pelo controle de gastos públicos. A CGU tem feito um trabalho excelente com seu portal de transparência.

Qual sua opinião sobre a realização de acordos de leniência com empresas envolvidas em escândalos?
Os acordos de leniência e colaborações premiadas são bem-vindos para o combate à corrupção. O acordo de leniência é instituto de origem norte-americana e também é sugerido por organizações internacionais tais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico e vem sendo utilizado em diversos países. O acordo de leniência representa importante tendência no combate à corrupção, porém seu desenvolvimento e aperfeiçoamento dependerá em grande medida do diálogo entre as autoridades envolvidas, de uma melhor comunicação com o instituto da colaboração premiada e dos resultados obtidos a partir da experiência concreta.

É possível um país combater isoladamente a corrupção?
Praticamente impossível. Sem a cooperação internacional é muito difícil conseguir material probatório do crime devido à globalização e por ser a corrupção um crime que ultrapassa fronteiras.

A corrupção é invencível?
Não. Mas é necessário que se aprofunde a transparência, com a participação cada vez maior da sociedade, agindo como fiscal, bem como a educação da população sobre ética e integridade, e sobre os males causados pelos atos corruptos, incluindo as pequenas corrupções.