Topo

Presidente da OAB pede autos da Lava Jato para se posicionar sobre impeachment

Cláudio Lamachia afirma que a OAB vai pedir acesso a documentos da Lava Jato para avaliar posição da entidade sobre o impeachment de Dilma Rousseff - OAB/Divulgação
Cláudio Lamachia afirma que a OAB vai pedir acesso a documentos da Lava Jato para avaliar posição da entidade sobre o impeachment de Dilma Rousseff Imagem: OAB/Divulgação

Leandro Prazeres*

Do UOL, em Brasília

25/02/2016 16h21

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) enviou nesta quinta-feira (25) à Justiça Federal do Paraná um pedido para ter acesso aos autos da Operação Lava Jato ao juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações na primeira instância. A informação é do presidente nacional da entidade, Claudio Lamachia. Se o acesso for concedido, diz Lamachia, os documentos serão encaminhados aos membros do Conselho Federal da entidade que avalia um posicionamento oficial sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Em entrevista ao UOL, Lamachia criticou a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de autorizar a prisão de réus condenados em segunda instância, negou que a entidade use “dois pesos e duas medidas” na sua atuação contra envolvidos na Operação Lava Jato e disse que a política se transformou em uma disputa entre lados “tentando desesperadamente se segurar no poder e não perder seus mandatos”.

UOL - A OAB pediu o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara alegando que ele interfere no julgamento do processo que tramita contra ele no Conselho de Ética. Ao mesmo tempo, a OAB ainda não se pronunciou oficialmente sobre o processo de impeachment contra a presidente Dilma. Por que a demora?

Claudio Lamachia - Nosso posicionamento em relação ao presidente Cunha é de que, com seu poder, ele está interferindo no processo legal dentro do Conselho de Ética e usando a sua condição de presidente, para influenciar em determinados procedimentos. Exemplos disso são as manobras e trocas de deputados na Conselho de Ética. O que a OAB defende é o afastamento dele, sem juízo sobre a culpa dele ou não, para que ele tenha o direito à defesa.

Após manobras de Cunha, presidente do Conselho de Ética apela à OAB

UOL Notícias

Mas o afastamento dele da Presidência não seria uma punição antecipada?

Não. O afastamento dele redundaria na possibilidade de termos o devido processo legal. Porque uma vez afastado, ele não terá condições de interferir e vai poder cuidar da própria defesa. Se deixarmos ele fazer o que ele está fazendo, aí, sim, estaríamos agindo contra o devido processo legal. Queira ou não queira, ele está interferindo no Conselho de Ética. No processo do impeachment da presidente Dilma, por outro lado, nós estamos, sim, discutindo isso. Mas decidimos ampliar o espectro das nossas análises para termos uma opinião. São coisas distintas. No processo de impeachment, não detectamos um ferimento ao processo legal. Não estamos vendo nenhuma movimentação que esteja travando esse processo na Câmara.

Dentro do entendimento de que Cunha manobra para se livrar da cassação, o impeachment poderia ser visto como uma dessas manobras?

É muito difícil de afirmar. Não estamos lá dentro. O que estamos vendo hoje é que a política perdeu a capacidade de diálogo e articulação. O que se vê são lados tentando desesperadamente se segurar no poder e não perder os seus mandatos. E ali, nesse contexto todo, vemos em alguns setores fazendo determinados movimentos que acabam, sim, se transformando em artimanhas para a manutenção no poder.

Se o presidente Cunha pode influenciar no processo contra ele no Conselho de Ética, não seria plausível imaginar que a presidente Dilma poderia exercer influência nos processos que tramitam contra ela no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por exemplo?

Se houver qualquer avaliação de que ela esteja fazendo isso, vamos avaliar no âmbito do nosso conselho. O que fizemos agora em relação ao impeachment foi ampliarmos o leque de avaliação. Nós fizemos uma análise com base no parecer do TCU (Tribunal de Contas da União) que pedia a desaprovação das contas da presidente de 2014. Mas esse parecer sequer foi votado no Congresso Nacional.

Entendemos que é importante ampliarmos a nossa análise e por isso que pedimos hoje acesso aos autos da Operação Lava Jato ao juiz Sérgio Moro

Não queremos ficar aguardando a manifestação do Congresso Nacional. Queremos os autos para que a Ordem possa acompanhar o que está lá.

Mas quando a OAB deverá se manifestar sobre o impeachment da presidente Dilma?

Acredito que até o final de março isso deva ir para a nossa reunião do Conselho.

Um grupo de advogados apresentou uma carta aberta criticando a Operação Lava Jato e a condução do juiz Sérgio Moro. Como o senhor vê a atuação do juiz na Lava Jato? Na sua avaliação, o senhor acredita que ele vem cometendo abusos e, em caso positivo, esses abusos chegam a comprometer a o conjunto da dela até agora?

A OAB tem uma posição histórica contra a impunidade, corrupção e o crime. Uma posição de muitos anos na luta pela celeridade processual. Com relação ao aspecto concreto, não tenho como opinar porque não conheço a fundo os casos. Não atuo na Lava Jato. Se a Lava Jato tiver como viés o combate à corrupção, impunidade e se estiver trabalhando dentro da lei, nós temos que reconhecer o papel do Poder Judiciário, do MP e da Polícia Federal. O que temos que avaliar é se há descumprimento de prerrogativas de advogados.

Como lidar com o aparente paradoxo que existe no fato de a OAB encampar uma campanha contra a corrupção em uma sociedade que entende que a classe dos advogados é também responsável por esquemas de corrupção?

Eu acho um equívoco essa concepção que alguns setores da sociedade têm. O advogado não participa de crime. Quando detectarmos um advogado agindo fora do que a lei diz, ele não age mais como advogado, ele age como um criminoso. O advogado é indispensável à administração da Justiça. Se não tivermos a advocacia, não vamos ter o Estado de direito.

Mas o senhor acha que a sociedade faz hoje essa distinção?

Acho que ela tem que fazer. E a imprensa tem que mostrar isso à população. A função do advogado é fazer, sim, a defesa dos seus clientes. Se não tivermos isso, não estamos mais em uma sociedade democrática. Conquistamos isso a duras penas e precisamos mostrar que isso é necessário para a sociedade. As pessoas não podem ser declaradas culpadas a partir de uma mera acusação.

Na última semana a OAB criticou a decisão do STF que autoriza a prisão de pessoas condenadas em segunda instância. Como justificar esse posicionamento quando parte da população brasileira entende essa decisão como “bem-vinda” diante da queixa de que a justiça não pune?

Não podemos passar a ideia de que a Ordem esteja defendendo a impunidade. No caso da decisão do STF, nós entendemos que essa decisão poderá causar injustiças. Não se pode pensar em combater o crime tomando o risco de cometer outro crime que é prender alguém de forma injusta. E a Constituição Federal é clara ao afirmar que alguém só é culpado depois que a sentença transitar em julgado.  Qualquer um de nós pode passar por isso. Imagina que você se envolve em um acidente de trânsito. Aí você acaba condenado em primeira e em segunda instância. Você vai preso. Mas daqui a cinco anos, o STJ entende que houve um erro nas sentenças anteriores e você é inocentado.

Quem é que vai devolver esses cinco anos que você passou na cadeia? A solução pro problema da impunidade não pode passar por desrespeitar a Constituição

A solução é investimento na Justiça, sobretudo no primeiro grau.

Gilmar Mendes critica a OAB - Alan Marques/ Folhapress - Alan Marques/ Folhapress
Gilmar Mendes disse, em 2015, que a OAB e o PT agiam "em conspiração" ao se referir à ação movida pela entidade contra o financiamento empresarial de campanhas
Imagem: Alan Marques/ Folhapress

No ano passado, o ministro do STF Gilmar Mendes disse que a OAB agiu em “conspiração” com o PT na ação movida pela entidade contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Como senhor classifica a declaração do ministro?

Foi um desrespeito com a instituição. Nossa história se confunde com a própria história da democracia no Brasil. A OAB não é instituição do governo ou da oposição. É do cidadão. Nosso partido é a Constituição Federal. Essa tem que ser nossa ideologia.

O pedido de vistas de Mendes em relação a essa ação durou mais de um ano. Como o senhor classificaria esse período? 

Acho que foi um equívoco. Era um tema relevantíssimo para a população brasileira. A sociedade brasileira tinha muita expectativa sobre essa decisão, mas temos que respeita o tempo do julgador, e o tempo do julgador, muitas vezes, não é o tempo que a sociedade espera.

 

A OAB pediu o afastamento do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) embora ele ainda não seja réu na Operação Lava Jato. Por que pedir o afastamento dele e não o de outros senadores como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Bezerra (PSB-PE), entre outros que também são investigados pela operação?

 

Por que só ele está preso. O Delcídio hoje está preso [apesar de ter sido solto nesta semana, Delcídio cumpre medidas restritivas de liberdade como a de se recolher à residência no período noturno e durante as folgas como senador].

Mas por esse argumento, não caberia o pedido e afastamento contra Eduardo Cunha?

Mas o Eduardo Cunha influencia no processo no Conselho de Ética. O senador Delcídio está preso. É um deboche com o cidadão brasileiro termos um senador da República exercer o seu mandato enquanto está preso. Enquanto senador da República e ex-líder do governo, ele tinha todas as condições de influenciar no seu julgamento no Conselho de Ética do senado. Se tivermos Delcídio fazendo um pronunciamento dele na tribuna, isso vai ser notícia no mundo inteiro.

Já não seria um deboche termos os presidentes da Câmara e do Senado sendo investigados?

Todos eles respondem a processos, mas não estão presos.

Não estou dizendo, por exemplo, que a situação do senador Renan Calheiros não possa ser gravíssima.  Vamos avaliar isso no momento certo.

O senhor é a favor da ampliação do direito ao aborto como nos casos de fetos diagnosticados com microcefalia ou outras situações em que a sobrevida do bebê é limitada?

A ordem tem uma posição histórica contrária ao aborto e com relação a esse tema. Diante da questão o vírus da zika, vamos esperar que esse debate chegue ao Conselho Federal da OAB. Se chegar, vamos ter que colocar em debate. Mas a ordem tem uma posição histórica contra o aborto.

*Colaborou Flávio Vinícius Moreira Costa, do UOL, em São Paulo