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Brasil não tem risco de romper com democracia, diz Ayres Britto

Carlos Ayres Britto - Pedro Ladeira/Folhapress
Carlos Ayres Britto Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Em São Paulo

07/03/2016 21h57

O jurista Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), admite que a crise atual é mais grave que a do mensalão, mas afirma que não há risco político que aponte para uma ruptura e que a democracia brasileira é uma "viagem de qualidade sem volta". Ele presidiu o STF em 2012 em pleno julgamento do mensalão.

Ayres Britto ressalta que o Brasil vive em uma democracia há 30 anos e a Constituição tem 27 anos. Na análise do ex- presidente do STF, a democracia é a via institucional mais adequada para enfrentar e resolver crises. Ele alerta que, quando as instituições democráticas deixam de funcionar, o país entra em "colapso cardíaco" e o povo não tem saída a não ser convocar uma assembleia nacional constituinte, o que significa começar tudo de novo com ruptura da ordem vigente e a refundação jurídica do País com uma nova constituição.

"Não estamos nessa situação de jeito nenhum", diz Ayres Britto. "É de se supor que a democracia brasileira já tenha amadurecido o suficiente para não prolongar agonias institucionais com potencial de levar o país ao impasse".

Na visão do ex-presidente do STF, "democracias não têm vocação para o suicídio ou compromisso com seus próprios funerais". Ele fez essa referência para reforçar que acredita que a atual crise seja resolvida em pouco tempo. Ele admite que a solução ideal é a saída da crise sob a liderança da presidente Dilma Rousseff porque foi eleita, mas faz a ressalva de que ela terá de se revelar "corajosa e competente o suficiente para se reinventar, concebendo uma agenda nacional de superação dessa crise".

Ayres Britto reconhece que, se essa solução ideal fracassar, há outras fórmulas para sair da crise como a renúncia da presidente, o impeachment ou a cassação pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"A democracia é forte o suficiente para conviver com qualquer dessas saídas, mas a melhor de todas, sem dúvida, seria a presidente liderar um processo suprapartidário de salvação nacional, passando a agir como uma verdadeira magistrada da política, com toda a equidistância que se exige de quem se dispõe a governar suprapartidariamente nessa transição até 2018", diz.

Ayres Britto afirma que torce pela solução da crise que mantém Dilma no poder e que todos devem torcer por isso. "A única saída que não presta é o golpe", alerta. "A nossa democracia já está internalizada; é uma viagem de qualidade institucional sem volta; não há atualmente risco político que ameace a democracia no Brasil".

O STF foi presidido por Ayres Britto em 2012, em pleno julgamento da Ação Penal 470 do "mensalão". Na avaliação dele, o Brasil tem jeito porque respeita sua Constituição e pratica a democracia para valer. "Na crise do mensalão, não houve abalo na economia do País, mas agora há uma tríplice crise, ética, política e econômica", diz.

O que Ayres Britto chama de "crise ética" é o fato de segmentos expressivos da classe política se emparceiraram com segmentos expressivos da classe econômica para, "ao que tudo indica", desviar recursos públicos sistematicamente com benefícios recíprocos para agentes políticos, partidos políticos e empresas. Para ele, a Operação Lava Jato "permeia todo esse processo de emparceiramento espúrio".

"A tradição ética brasileira não é das melhores, infelizmente", lamenta Ayres Britto. "Basta lembrar o trocadilho do padre Antonio Vieira no Século 17, segundo o qual, os governadores chegam pobres às Índias ricas e retornam ricos das Índias pobres". A América era chamada de Índias Ocidentais naquele tempo.

Os últimos anos se caracterizam, de acordo com Ayres Britto, por uma "gula financeira" bem maior porque, segundo se diz, os valores são de bilhões. "Se for verdade que tiraram R$ 8 bilhões da Petrobras, as cifras são incomparáveis com as de outras épocas e os protagonistas são em número bem maior", diz.

Para o ex-presidente do STF, sem o bom exemplo do resultado do processo penal do mensalão, não teríamos tanta disposição de apurar as coisas do "petrolão".

A delação premiada atribuída a Delcídio Amaral, ex-líder do governo no Senado, "pôs lenha nas fogueiras do impeachment e do pedido de cassação de mandatos no TSE" na avaliação de Ayres Britto.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sentiu profundamente incomodado com o mandado de condução coercitiva cumprido na sexta-feira passada, e Ayres Britto admite que esse sentimento é "compreensível". "Eu mesmo não fiquei convencido da necessidade desse mandado", afirma.

Ayres Britto recomenda que é fundamental que o juiz Sergio Moro se mantenha "sereno, sensato, equidistante, primando seus atos pela mais depurada tecnicalidade". Para o ex-presidente do STF, Moro "desfruta, nos meios jurídicos, de bom conceito quanto ao seu preparo técnico, sua honestidade e independência". Para ele, o direito penal verdadeiramente eficaz é o que respeita o contraditório, a ampla defesa e os direitos e garantias individuais.

Ayres Britto não vê no momento razão para impeachment de Dilma

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