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Juíza que pode mandar prender Lula condenou réu não reconhecido pela vítima

Thiago Varella

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2016 16h44Atualizada em 11/03/2016 18h05

Em setembro de 2008, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira condenava à prisão um rapaz acusado de ter tentado assaltar um vigia à mão armada ao lado de um comparsa. O detalhe desta história é que o condenado não foi reconhecido pela vítima em juízo, não possuía antecedentes criminais, trabalhava como porteiro e foi detido pela polícia após o crime em uma rua repleta de outras pessoas. 

O caso ganhou ampla repercussão na época. Foi, talvez, o processo mais polêmico envolvendo a magistrada que, hoje, é a responsável por decidir sobre o pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Veiga era juíza titular da 1ª Vara da Comarca de Embu das Artes, na Grande São Paulo. O porteiro acabou sendo condenado a três anos de prisão em regime fechado por tentativa de assalto. Na sentença, a magistrada afirmou que a vítima sentiu medo no Fórum e, por isso, não pode reconhecer o criminoso. O porteiro ficou mais de seis meses preso, e apenas em 2011 foi totalmente absolvido pela Justiça, em segunda instância. 

Em entrevista ao UOL, ainda traumatizado com tudo o que passou, pediu para não ter o nome divulgado. "Meu caso saiu no jornal na época. Todos que me conhecem choraram e lutaram. Eu sofri, mas Deus existe, e um anjo me tirou de lá", afirmou. 

Na época em que foi preso, o porteiro possuía emprego fixo e nunca havia cometido crime algum. Com o passar dos anos, ele conseguiu reconstruir a vida. Hoje ele trabalha e mora com os pais em Embu. 

Mesmo assim, o caso ainda deixou cicatrizes na família. "Minha família e eu ainda ficamos muito assustados em falar sobre este assunto. Minha mãe ficou doente e precisa de cuidados até hoje por causa da minha prisão", disse.

O defensor público Adenor Ferreira da Silva entrou por acaso na história. A família de sua mulher, na época, era vizinha do porteiro condenado. Por causa de sua função, o defensor não pode ser o advogado oficial do acusado, mas acompanhou todo o processo. "A prisão foi em flagrante. A família dele pediu para eu fazer alguma coisa. Eu analisei o caso e vi que era absurdo continuar na prisão. As provas eram frágeis", contou. 

Segundo Silva, o primeiro advogado designado era omisso e isso acabou fazendo com que o porteiro fosse condenado. "O advogado que assumiu o caso, que é meu amigo, conseguiu anular a condenação. No novo julgamento, a equipe levou mais documentos e conseguiu provar que a sentença da juíza Veiga estava equivocada", disse. 

Procurado, o Tj-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) afirmou que a juíza, por lei, não pode comentar suas sentenças. Com medo, o porteiro preferiu não falar sobre a juíza ou o fato dela ser a responsável por julgar o ex-presidente Lula. 

Outros casos

Em 2014, um advogado acusou a magistrada e um delegado de Embu das Artes de abuso de autoridade. Os dois teriam mantido um suspeito detido de maneira arbitrária por um tempo maior do que o tolerável. 

No entanto, em março do mesmo ano, o desembargador Luiz Pires Neto manteve o parecer da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo e determinou o arquivamento da representação criminal. 

Em 2012, Maria proibiu a Transerp, empresa que gerencia e coordena o trânsito em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, de aplicar multas. Segundo sua decisão, a empresa de capital misto não tem competência para exercer o poder de polícia. 

Somente no ano passado, a 4ª Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, autorizou a Transerp a aplicar multas de trânsito na cidade, anulando a sentença proferida em primeira instância pela juíza. 

Lula

Segundo reportagem da “Folha de S.Paulo”, Maria é conhecida por juízes e promotores por não ceder a pressões. Ela se formou em direito pela USP (Universidade de São Paulo) em 1995 e vai completar, neste mês, 17 anos na magistratura.

De acordo com a assessoria de imprensa do TJ-SP, a juíza está trabalhando em uma área isolada no Fórum da Barra Funda. Segundo o órgão, a medida visa preservar a tranquilidade da magistrada, que decidirá se acata ou não a denúncia do Ministério Público sobre Lula. 

O ex-presidente foi denunciado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, em relação ao caso do apartamento localizado no Condomínio Solaris, no Guarujá (SP). Marisa Letícia, mulher de Lula, e Fábio Luís Lula da Silva, um dos filhos do casal, também são acusados por lavagem de dinheiro.