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Nomeação de Lula é sinal da desorientação do governo, diz historiador

Para professor, Lula ministro é impeachment "branco" de Dilma ou abraço de afogados - Nelson Antoine/AP
Para professor, Lula ministro é impeachment "branco" de Dilma ou abraço de afogados Imagem: Nelson Antoine/AP

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

16/03/2016 14h09

Professor de história contemporânea da UFF (Universidade Federal Fluminense), Daniel Aarão Reis Filho pesquisa as esquerdas brasileiras e afirma que a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil é uma evidência da desorientação do governo Dilma Rousseff (PT).

“Aquela popularidade [que Lula teve como presidente] se deveu, em grande medida, à prosperidade possível naquela época, que estruturou no país um jogo de ganha-ganha”. Se no governo Lula todas as classes ganharam, o momento atual, prossegue o professor, é de crise e de confronto e é preciso saber quem vai pagar a conta da saída. Ou seja, não é mais possível que todos ganhem.

Reis Filho classifica o ex-presidente como um conciliador e duvida que ele seja capaz de contrariar interesses. Confira abaixo a entrevista com o historiador.

Daniel Aarão Reis Filho, professor da UFF - Reprodução/TV Brasil - Reprodução/TV Brasil
Daniel Aarão Reis Filho, professor da UFF
Imagem: Reprodução/TV Brasil

UOL - Qual a chance de a presidente Dilma terminar o mandato? O que ela precisa fazer para se sustentar até o fim de 2018?
Daniel Aarão Reis Filho - Neste exato momento, as chances parecem escassas. Mas vai ser jogada uma cartada importante quando acontecerem as contra manifestações marcadas para a próxima sexta-feira [pró-governo]. Recordemos que Dilma parecia estar por um fio em dezembro passado, mas ganhou fôlego com as decisões do STF. Agora, parece periclitar novamente. Mas as coisas ainda podem mudar. O essencial, no entanto, não é saber se o governo Dilma sobrevive, mas saber para que ele quer sobreviver. O que o governo Dilma propõe para superar a crise? Em outras palavras: por que e para que ela quer continuar governando?

O que significa a nomeação do ex-presidente Lula como ministro de Dilma?
É um desastre ecológico a posse do Lula como superministro. Penso que esta opção é mais uma evidência da desorientação do Planalto. Na melhor das hipóteses, será uma espécie de impeachment "branco" da Dilma porque ela estará reduzida a um papel ornamental, a uma "rainha da Inglaterra". Na pior, nada improvável, será um abraço de afogados.

Mesmo que ele se torne uma espécie de primeiro-ministro, redefinindo Dilma como uma “rainha da Inglaterra”, repõe-se a questão: por que e para que governar?

A grande ilusão de petistas e amigos do Lula é imaginar que ele, voltando ao centro do poder, poderá reeditar a grande popularidade que teve ao fim de seus dois mandatos. Sem subestimar a capacidade de articulação e o carisma do Lula, o fato é que aquela popularidade se deveu, em grande medida, à prosperidade possível naquela época, que estruturou no país um jogo de ganha-ganha. Não é mais o caso agora. Estamos numa profunda crise e, para sair dela, vai ser necessário assumir custos. Quem vai pagar?

Para sair da crise, será preciso contrariar interesses. O Lula bem conceituado no fim de seus dois mandatos era o "Lulinha paz e amor", o homem da conciliação, da harmonia. Será que ele estará disposto a ir para confrontos? A contrariar frontalmente interesses? Não faz seu estilo. Nunca fez. Nem ele, como herdeiro dileto de Getúlio Vargas, se disporia a isto. A não ser que vire mesmo uma "jararaca". Permito-me duvidar desta hipótese. Jararaca não vai abraçar Renan Calheiros nem beija a mão de [Paulo] Maluf.

Que paralelo o sr. faz entre a situação atual e as crises enfrentadas por governos anteriores (José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lula)?
A crise atual, pela sua gravidade, pelas suas múltiplas faces (“tempestade perfeita”), assemelha-se mais à crise que levou Collor de roldão. A grande diferença é que, apesar do desgaste, o PT e seus aliados constituem uma base política e social que Collor nunca teve.

Um grito comum nas manifestações do último domingo (13) foi o "Fora, PT". Por que a imagem de corrupto colou no PT e não cola com a mesma força em outros partidos?
Colou no PT porque o PT se lambuzou, como disse o insuspeito Jaques Wagner (ex-ministro da Casa Civil). E pelas evidências trazidas pela Lava Jato. Agora, a rigor, o PT apenas se integrou a um sistema onde a corrupção é ampla, geral e irrestrita. O sistema político brasileiro está podre, não há como tapar o sol com a peneira, e esta avaliação, compartilhada por cada vez mais gente, não ganha ampla difusão porque há muitos interessados em não vê-la divulgada.

Quem são os interessados em não ver compartilhada a avaliação de que o sistema brasileiro está podre?
Os beneficiários do próprio sistema e os que o parasitam. Vai ser preciso muita pressão "externa" para que esta gente perceba que o país precisa, antes de qualquer outra, de uma profunda reforma política.

Qual o impacto dessa rejeição no futuro do PT?
O impacto será melhor medido nas próximas eleições municipais. Eleição municipal sempre privilegia aspectos locais, mas as próximas serão muito politizadas e por isso serão um bom teste para medir o desgaste do PT. Sejam quais forem os resultados destas eleições, porém, o mal causado pelas opções do PT em ter “relações carnais” com grandes empresas (bancos e empreiteiras), sob o argumento de que tais eram as imposições da “grande política”, é de largo alcance e profundo.

Qual é o impacto dessa rejeição na situação das esquerdas brasileiras?
O impacto é devastador, cria um ambiente deletério de crise de credibilidade nas esquerdas.

Na sua opinião, a intolerância com o PT é seletiva e tem um viés ideológico ou a Justiça e a população condenam casos de corrupção em qualquer partido?
Em muitos, sem dúvida, a intolerância é seletiva e tem viés ideológico. Mas a Lava Jato está criando um padrão. Creio que isto pode incentivar outros juízes a serem mais rigorosos com casos de corrupção de outros partidos. Se isto acontecer, há o risco de um desmantelamento geral do sistema político, pois, como aconteceu no caso da operação Mãos Limpas na Itália, o sistema está podre até a medula.

É possível afirmar que os protestos trazem também ingredientes de um conflito de classes?
Penso que não seria incorreto dizer que a maioria esmagadora dos manifestantes é de classe média, daí para cima, o que não significa subestimar as manifestações. As camadas populares ainda não mostraram sua cara. Aparecerão nas contra manifestações do dia 18? Tenho minhas dúvidas, pois a crise de credibilidade do governo Dilma é grande, pois o estelionato eleitoral que ela cometeu ainda repercute, através da crise econômica e de um conjunto de políticas que é muito seletivo na escolha de quem deve pagar pela crise e pelos erros do governo. A densidade -- ou não -- das manifestações do dia 18 poderá assinalar -- ou não -- o dobre de finados do governo Dilma. Se as camadas populares aparecerem com força equivalente às manifestações do dia 13, haverá um empate, conferindo força e fôlego ao governo. Em caso contrário, teremos uma fuga maciça dos ratos abandonando o navio naufragado do governo Dilma.

As extremas direita e esquerda podem crescer no Brasil?
O que tem limitado o crescimento das extremas é que suas propostas ainda não seduziram grandes contingentes de pessoas. Com o agravamento da crise, porém, esta hipótese não está excluída.

Há conquistas sociais sob risco?
A maciça inclusão social, proporcionada pelo governo FHC, com o controle da inflação, e sobretudo pelo aperfeiçoamento e generalização do sistema das bolsas, nos governos Lula (mantidos pelo primeiro governo Dilma), não foi resultante de reformas sociais ou econômicas, mas de canalização de recursos estatais disponíveis. Com a crise, no entanto, como é usual, trava-se a luta para ver quem é que vai pagar os custos. Os “de cima” clamam pela reforma da Previdência e das Relações de Trabalho. Os “de baixo” falam em reforma tributária e reforma agrária. A luta entre eles vai decidir a parada. Num regime democrático, ganha quem grita mais alto e se organiza melhor.

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