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Ter "dois presidentes" traz insegurança política e econômica ao país?

Evaristo Sá - 16.dez.2015 / AFP
Imagem: Evaristo Sá - 16.dez.2015 / AFP

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

12/05/2016 06h59

A decisão do Senado de afastar provisoriamente Dilma Rousseff (PT) da Presidência recolocou o Brasil numa situação política vivida uma única vez, há 24 anos, durante o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor. Até o julgamento da denúncia por crimes de responsabilidade contra Dilma, o país novamente terá dois presidentes: um temporariamente afastado e outro interinamente empossado.

Essa situação provisória cria dúvidas sobre possíveis limites para a atuação de Michel Temer na Presidência. O presidente em exercício pode sancionar leis? Pode trocar ministros? E mudar políticas econômicas? Além disso: políticos, empresários e integrantes de movimentos sociais vão confiar nas decisões de um presidente com um mandato temporário?

O UOL levou essas questões a oito parlamentares, juristas, economistas e ativistas. Confira abaixo o que eles pensam sobre esses assuntos:

A posse temporária de Michel Temer encerra a disputa política em torno do impeachment de Dilma?

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirma que não. Segundo ele, apesar de o Senado ter afastado Dilma da Presidência, ela ainda precisa ser julgada pelos senadores. Para Teixeira, aliás, há provas suficientes para que Dilma seja absolvida e retome o cargo para a qual foi eleita.

Ele disse ainda que existem motivos para a anulação de todo o processo de impeachment da presidente afastada. Segundo o deputado, Dilma já recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) e pode recorrer outras vezes para evitar que congressistas levem à frente “o golpe”, como ele chama.

Teixeira disse que o caso do impeachment segue indefinido, e apoiadores de Dilma vão intensificar sua resistência. "O que não vamos fazer é entregar o governo a golpistas que tramaram para usurpar o poder", disse. "A disputa pelo impeachment não se encerra agora."

Durante o afastamento de Dilma, vamos fazer oposição ao governo interino

Paulo Teixeira (PT-SP)

O senador Alvaro Dias (PV-PR), por sua vez, diz que que o afastamento põe fim às discussões sobre o impeachment. “Ainda que provisório, o fato consolida o entendimento de que não há mais volta. É quase impossível Dilma retomar a Presidência”, afirmou.

Segundo Dias, chegou a hora de Michel Temer articular um novo governo, anunciar ministros e ratificar o apoio de sua base parlamentar. Assim que isso ocorrer, o presidente interino deve encaminhar ao Congresso Nacional projetos de lei visando à reativação da economia.

O senador afirmou que a Câmara e o Senado têm o dever de analisar essas medidas com celeridade, colocando a discussão do impeachment em segundo plano. Alvaro Dias também não vê possibilidade de o STF recolocar Dilma na Presidência. “Ele não intervirá num julgamento cuja competência é do Congresso.”

O Supremo já apontou que não pretende interferir na questão

Alvaro Dias (PV-PR)

Michel Temer tem todos os poderes de um presidente enquanto Dilma espera julgamento?

Para o advogado José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), Michel Temer tem, sim, todos os poderes já exercidos por Dilma. Pode, assim, nomear ministros, sancionar leis e alterar políticas de governo.

Segundo Ribeiro, a Constituição determina que o vice substitua a presidente nos casos em que a Presidência esteja vaga. De acordo com o advogado, para que Temer substitua Dilma, ele precisa ter os mesmos poderes que ela.

Caso contrário, não seria uma substituição. “Imaginar que o vice-presidente tem alguma limitação de poderes é o mesmo que imaginar um jogador de futebol que substitui o outro numa partida, mas que não pode marcar um gol”, disse.

Qualquer defesa de imposição de limites aos poderes de Temer na Presidência não tem base na lei

José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro

Marcelo Lavenère, advogado e ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), confirma que não há em leis uma previsão de limites aos poderes de um vice empossado interinamente. Ele lembra, porém, que isso não significa que o vice tenha assegurado todos os poderes da presidente.

“Dilma está afastada, mas ainda é presidente. Só perderá o mandato caso seja condenada pelo Senado, o que ainda não ocorreu. Já Temer é um presidente interino, temporário, provisório”, afirmou. Lavenère disse que, hoje, é impossível ter certeza se Temer permanecerá na Presidência.

Levando isso em conta, ele considera que é razoável que partidos, por exemplo, recorram à Justiça para evitar que ele troque ministros, mude acordos internacionais e tome outras medidas até que o julgamento de Dilma seja finalizado. O PT, aliás, já pediu ao STF que Temer seja impedido de nomear ministros. A liminar foi negada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

A tese de que a Presidência interina tem seus limites faz sentido

Marcelo Lavenère

As decisões tomadas por um presidente interino podem fazer a economia do país voltar a crescer e gerar empregos?

Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas), acha que não. O economista vê falta de capacidade do governo Temer para tomar as medidas necessárias para que o Brasil retome o crescimento, reduza o desemprego e controle a inflação.

Para Belluzo, além de interino, o governo Temer não tem legitimidade de levar à frente suas propostas para a recuperação econômica do país.

“Tem sido dito que o governo Temer vai apostar em reformas da Previdência, em mudanças nas leis trabalhistas e na privatização de empresa públicas para reativar a economia. Mas, para isso ocorrer, é preciso levar em conta a opinião das pessoas que serão afetadas por essas medidas”, afirma Belluzo.

Segundo ele, pode até ser que a posse de Temer crie uma euforia momentânea, mas não será suficiente para mudar a economia do país.

Como o governo interino de Temer vai conseguir mudar as regras para a aposentadoria, sendo que não foi eleito para isso?

Luiz Gonzaga Beluzzo

João Luiz Mascolo, professor de economia do MBA do Insper, avalia que Temer pode, sim, mudar a situação econômica do país. Segundo ele, empresários e investidores não acreditam na possibilidade de que a presidente Dilma volte a governar.

Mascolo diz também que Temer tem a legitimidade necessária para tomar as medidas necessárias para reativar a economia, já que ele integrou a chapa que recebeu 54 milhões de votos em 2014 e ganhou as eleições presidenciais.

Levando isso em conta, argumenta Mascolo, basta saber se Temer vai mesmo agir de forma correta para fazer o país voltar a crescer e gerar empregos. “Dizer que reformas serão feitas é uma coisa. Tirar as reformas do papel é outra”, afirmou.

“Não é à toa que a Bolsa de Valores subiu mais de 20% neste ano e o dólar caiu quase 10%. Isso reflete a expectativa de mudança.”

A confiança do mercado o governo Temer dá sinais de já ter

João Luiz Mascolo

O fato de Temer cumprir um mandato interino vai intensificar as manifestações nas ruas?

coordenador do MBL (Movimento Brasil Livre), Kim Kataguiri, diz que não. Segundo ele, a interinidade do governo Temer é uma mera formalidade, já que a chance de Dilma voltar à Presidência depois de ser afastada temporariamente pelo Senado é "nula".

“Ela não vai voltar. Apostou todas suas fichas na votação da Câmara dos Deputados, na qual sofreu uma derrota maior do que a esperada pelo governo”, avalia Kataguiri. Ele afirma, porém, que o afastamento de Dilma não implica o fim de protestos e manifestações organizados pelo MBL.

Kataguiri diz que o movimento permanecerá mobilizado e pronto para ir às ruas caso as reformas liberais defendidas pelos ativistas não sejam levadas à frente por Temer. “Nós faremos pressão desde o início do novo governo para garantir que nossas demandas sejam atendidas”, disse ele.

Não acho que os protestos vão aumentar, mas não acredito em uma trégua a favor de Temer

Kim Kataguiri

Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), por sua vez, prevê um grande aumento das manifestações. Segundo ele, o afastamento de Dilma para julgamento provocará uma "verdadeira convulsão social" no país.

“Se eles [os apoiadores de Temer] pensam que o afastamento encerra o assunto, estão iludidos. Isso é só o começo”, disse Boulos. O coordenador do MTST disse que o impeachment de Dilma é uma tentativa de imposição de uma “eleição indireta”, um golpe, o qual não será aceito pela população.

Boulos diz que o MTST há tempos faz oposição a ações do governo Dilma e que a presidente tomou muitas decisões erradas desde que chegou ao Planalto. Isso, contudo, não justificativa a perda de seu mandato, segundo ele.

Boulos afirma que movimentos sociais e de trabalhadores têm esse entendimento. Por isso, devem intensificar suas ações para que Dilma volte à Presidência.

Se pensam que o afastamento [de Dilma] encerra o assunto, estão iludidos. Isso é só o começo

Guilherme Boulos

O Senado afastou Dilma da Presidência. Você sabe o que acontece agora?

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