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Um mês após afastamento, veja as estratégias de Dilma para tentar voltar

7.jun.2016 - Dilma é concede entrevista para o jornal americano "The New York Times" no Palácio da Alvorada, em Brasília - Tomas Munita - 1.jun.2016/The New York Times
7.jun.2016 - Dilma é concede entrevista para o jornal americano "The New York Times" no Palácio da Alvorada, em Brasília Imagem: Tomas Munita - 1.jun.2016/The New York Times

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

11/06/2016 06h00

Afastada da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT) vem utilizando estratégias de comunicação para driblar a perda de espaço na mídia e estabelecer um diálogo mais direto com a sociedade. Uma de suas principais táticas tem sido manter e reforçar o discurso do "golpe", além de participar de conversas virtuais e buscar atenção e apoio da imprensa internacional. A votação que determinou a abertura do processo de impeachment no Senado completa um mês neste sábado (11).

A presidente afastada também vem apostando em alguns deslocamentos pelo país. Desde a notificação do afastamento até este fim de semana, Dilma esteve três vezes em Porto Alegre (RS), sendo duas para descansar com a família e uma para o lançamento do livro "A resistência ao golpe de 2016". Também esteve uma vez em Belo Horizonte (MG), onde se reuniu com blogueiros de esquerda, uma vez no Rio de Janeiro (RJ), para participar do ato "Mulheres pela democracia", e uma vez em Campinas, para um encontro com intelectuais.

A Casa Civil do presidente interino, Michel Temer (PMDB), produziu um parecer técnico limitando o deslocamento aéreo da petista por meio de aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira). Na quinta (9), na ida a Campinas (SP), Dilma viajou pela primeira vez em um avião fretado. Apenas o trajeto entre Brasília e Porto Alegre, onde mora a família da presidente afastada, está fora da restrição.

As três estratégias de Dilma

não vai ter golpe - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Manter e reforçar a ideia do golpe

O argumento de que o seu afastamento da Presidência da República representa um golpe, algo que já havia ditado o tom da defesa da petista durante todo o andamento do processo de impeachment na Câmara e no Senado, foi reforçado no período em que ela está fora do cargo. A tese foi objeto de insatisfação por parte de parlamentares, que foram ao Supremo Tribunal Federal para apontar uma suposta ofensa ao Congresso. Mas a presidente afastada manteve o discurso em manifestação enviada à Corte.

A ideia do golpe também guiou a identidade visual dos canais de comunicação. Seu site pessoal, por exemplo, possui seções como "É golpe" e "Notícias da resistência". Já a imagem disposta no topo da página anuncia: "Vai ter luta". Na avaliação do professor de ética e filosofia Roberto Romano, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a estratégia de Dilma tem pontos positivos.

"Mesmo se ela for afastada, de fato, ficará essa marca na opinião pública de que ela houve um golpe, e não um impeachment. Qualquer candidato indicado pelo Temer ou pelo PMDB em 2018 vai ter que responder a essa pecha. Por mais quixotesca que possa parecer, é uma estratégia que pode angariar frutos para o PT. Mas tudo depende de o Partido dos Trabalhadores ter um candidato viável em 2018", disse.

Face to face com ministros - Facebook/Dilma Rousseff - Facebook/Dilma Rousseff
Dilma e a ex-ministra do Desenvolvimento Social Tereza Campello respondem a perguntas dos usuários do Facebook durante bate-papo virtual promovido pela petista
Imagem: Facebook/Dilma Rousseff

"Face to face" e uso das redes sociais

Durante o afastamento, Dilma tem promovido conversas no Facebook, o que ela chama de "face to face", com ex-ministros de seu governo e políticos ligados ao PT. A estratégia é simples: ela faz um post com uma foto na qual aparece ao lado da pessoa convidada, e a dupla responde individualmente a alguns comentários de usuários da rede social. Não há transmissão de vídeo em tempo real.

O assessor mais próximo de Dilma, Olimpio Cruz, afirma que esse modelo de comunicação já havia sido testado durante as eleições, e os resultados foram produtivos, segundo ele. "Fizemos o face to face em 2014, quase todo dia tínhamos um bate-papo como esse, e deu bastante certo na época. A gente gostaria de fazer algo mais elaborado, mas não temos um aparato grande para separar os comentários, responder... Enfim, só nos resta operar nas condições que temos. Adoraria poder fazer uma transmissão ao vivo com perguntas e respostas. Estamos estudando a possibilidade de fazer um hangout [ferramenta do Google que possibilita transmissão ao vivo em vídeo], mas ainda não conseguimos sentar para olhar isso."

Cruz disse que, em um mês de afastamento, o maior desafio para a equipe de comunicação de Dilma (reduzida a dois jornalistas e um fotógrafo) é a limitação de recursos. Com isso, as redes sociais viraram questão de sobrevivência. "Os recursos estão precários. Agora, não temos mais os canais oficiais, como a NBR [emissora de TV], que transmitia os pronunciamentos. Na ausência desses meios, a gente começou a utilizar o Facebook e o Twitter como ferramentas imediatas de comunicação", afirmou. "É praticamente um esquema guerrilheiro."

Para o especialista em gerenciamento de crise de imagem João José Forni, a opção pelas redes sociais como principal ferramenta de comunicação cria um risco: atingir apenas o público que já é favorável ao mandato da presidente afastada. "Quem está seguindo a Dilma? Você pode fazer a seguinte dedução: são pessoas que gostariam de ouvi-la. Mas a quem ela pretende reverter a crítica ou a imagem que ficou do governo? Esse cara não está seguindo ela. É um risco porque as pessoas que seguem você já te apoiam", disse.

Dilma com Glenn Greenwald - The Intercept/Divulgação - The Intercept/Divulgação
Dilma concede entrevista ao jornalista americano Glenn Greenwald
Imagem: The Intercept/Divulgação

Espaço na mídia internacional

Com menor visibilidade na mídia nacional e muito criticada, Dilma tem buscado apoio e espaço na imprensa internacional, segundo avaliação dos especialistas ouvidos pelo UOL. A primeira entrevista exclusiva dela após a votação do impeachment no Senado, por exemplo, foi para o "The Intercept", do repórter americano Glenn Greenwald (famoso por ter divulgado o caso de Edward Snowden, que revelou esquema de espionagem do governo americano). Depois, a presidente afastada conversou com outros veículos renomados, como o "The New York Times" e a "Al-Jazeera". De acordo com o seu assessor, a lista de espera de jornais internacionais que solicitaram entrevista tem mais de "30 nomes de peso".

Roberto Romano afirmou que a estratégia "tem a sua lógica", pois a comunidade internacional sempre cria grande expectativa a respeito dos rumos da economia brasileira, e o governo Temer, segundo ele, prometeu mudanças radicais.

"Se o governo interino não conseguir realizar um programa econômico eficiente e estabelecer um diálogo com a população, pode ocorrer um desgaste a partir dessa pregação internacional", disse. "Não há nada de delirante nisso. Pode até não dar certo, mas tem a sua lógica."

Chefe da equipe

O assessor de Dilma diz que ela faz questão de aprovar todos os textos e conteúdos que são publicados em seus canais digitais. "Ela não olha post por post, mas ela sempre dá o ok. Às vezes, ela mesmo dá as sugestões. Podemos considerar que ela está mais participativa agora porque não há a agenda oficial e os protocolos da Presidência. Digamos que ela tem mais tempo livre", afirmou Cruz.

A equipe, composta por Cruz, uma redatora e um fotógrafo, faz reuniões de pauta todas as manhãs, e todas as sugestões são encaminhadas para a petista. Na visão do jornalista, Dilma tem adotado um tom mais leve e informal ao se comunicar com o público. "Acho que ela está mais à vontade para se comunicar", declarou.

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