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Jucá usa verba de gabinete para contratar empresa de amigo nomeado por ato secreto

O presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR) - Alan Marques/Folhapress
O presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR) Imagem: Alan Marques/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

23/06/2016 06h00

O senador Romero Jucá (RR), presidente em exercício do PMDB e ministro do Planejamento do governo Temer por 12 dias, usou R$ 199 mil de sua cota parlamentar para pagar a empresa de publicidade de um amigo que trabalhou em seu gabinete e que foi nomeado por meio dos chamados atos secretos, atos administrativos que não eram divulgados ao público. Os dados sobre os pagamentos estão disponíveis no Portal da Transparência do Senado e as informações foram confirmadas pela assessoria de imprensa do Senado e pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Jucá.

A legislação que rege a utilização da cota parlamentar proíbe os senadores de usar esses recursos para contratar bens ou serviços oferecidos por empresas que pertençam aos parlamentares ou a parentes até o terceiro grau, mas não veda a contratação de empresas que pertençam a ex-funcionários ou amigos do parlamentar.

"A Norte Produções faz vídeos de prestação de contas para o gabinete de trabalho parlamentar", explicou ao UOL o advogado Kakay. Os dados fornecidos pelo portal da transparência do Senado em relação às despesas do senador Romero Jucá pagas com a cota parlamentar não permitem detalhar quantos vídeos foram produzidos pela Norte Produções LTDA desde 2009, quando a empresa passou a prestar serviços ao senador. No campo “detalhamento” das planilhas fornecidas pelo Senado, apenas nos anos de 2014 e 2015 há a discriminação sobre a quantidade de vídeos contratados, ainda assim, de forma imprecisa.

Entre 2014 e 2015 (anos em que as despesas estão melhor discriminadas), é possível afirmar que Jucá contratou a produção de pelo menos 10 vídeos, sendo seis em 2014 e outros quatro em 2015. Nos demais anos, o campo “detalhamento” é preenchido de forma genérica com descrições como “referente a produção de divulgação de atividade parlamentar no Estado”. Essa prática, porém, é comum a outros senadores.

A reportagem do UOL solicitou à assessoria de imprensa de Jucá informações detalhadas sobre a quantidade de vídeos contratada pelo gabinete de Jucá, mas até o fechamento dessa matéria, as informações não foram repassadas.

Hemetério Pires Costa Júnior é publicitário e, em maio de 2006, fundou a Norte Produções Ltda em Boa Vista, capital de Roraima, da qual é sócio-administrador. Atualmente, o nome da empresa é Direta Agência de Publicidade Ltda. Menos de um ano depois, em março de 2007, ele foi nomeado para o cargo de secretário parlamentar de Jucá.

17.jun.2016 - Reprodução do ato de nomeação de Hemetério Pires Costa Júnior em fevereiro de 2007 para o cargo de secretário parlamentar do senador Romero Jucá (PMDB-RR). A nomeação dele estava no conjunto de medidas administrativas classificadas como "atos secretos", revelados em 2009 - Reprodução/Senado Federal - Reprodução/Senado Federal
Reprodução do ato de nomeação de Hemetério Pires Costa Júnior em fevereiro de 2007 para o cargo de secretário parlamentar de Jucá
Imagem: Reprodução/Senado Federal

A nomeação foi feita por meio de um dos chamados “atos secretos” do Senado. Hemetério ficou no cargo até agosto de 2008, quando foi exonerado.

O escândalo dos atos secretos veio à tona em 2009 e atingiu em cheio o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Os atos secretos eram atos administrativos que criavam cargos e aumentavam as despesas e que não eram divulgados publicamente, por isso o nome "secretos". 

Um relatório feito por técnicos do Senado detectou pelo menos 300 decisões que não haviam sido devidamente publicadas, o que impossibilitava a checagem dessas informações. Algumas decisões tinham sido tomadas havia mais de 10 anos e incluíam a contratação de parentes ou pessoas próximas a senadores, como no caso de familiares do então presidente José Sarney.  Uma comissão criada pelo Senado validou todos os atos secretos

No mesmo ano em que os atos secretos foram descobertos, a Norte Produções começou a receber os primeiros pagamentos referentes a contratos mantidos com o gabinete de Jucá pagos com a cota para exercício de atividades parlamentares.

A cota é um valor recebido por cada senador que pode ser usado para a compra de passagens para a capital do seu Estado e para o pagamento despesas como a manutenção de escritório político e divulgação da atividade parlamentar. Não é necessário fazer licitação para a escolha dos fornecedores. A cota varia de acordo com a distância entre a capital do Estado do senador e Brasília. O valor recebido por Jucá é dos mais altos: R$ 40,7 mil.

O pagamentos feitos por Jucá à Norte Produções tinham como justificativa a execução de serviços para a “divulgação da atividade parlamentar” do senador.

Entre 2009 e 2015, Jucá destinou R$ 192 mil à Norte Produções. Nesse período, em apenas dois anos Jucá não fez pagamentos à empresa: 2010 e 2012. O ano em que os pagamentos foram mais vultosos foi em 2014, quando a Norte Produções recebeu R$ 72 mil.

Empresa Hemetério - Reprodução/Receita Federal - Reprodução/Receita Federal
Cadastro nacional de empresas da Receita Federal mostra que Hemetério Pires Costa Júnior é sócio-diretor de empresa que recebeu recursos do gabinete de Romero Jucá (PMDB-RR)
Imagem: Reprodução/Receita Federal

Outro lado

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o senador Romero Jucá, confirmou, por telefone, os vínculos entre Jucá e a empresa Norte Produções. “A Norte Produções faz vídeos de prestação de contas para o gabinete de trabalho parlamentar”, disse Kakay.

O advogado também confirmou que Jucá e Hemetério são amigos e que não haveria “problemas” em contratar a empresa. “(Hemetério) é amigo do senador e trabalha muito bem. Não há nenhum problema em contratá-lo”, disse Kakay.

Kakay confirmou também que Hemetério foi funcionário de Jucá. “Ele trabalhou com o senador antes. Depois saiu e abriu esta empresa”, disse Kakay.  A informação prestada por Kakay, porém, não confere com a data de abertura da empresa junto à Receita Federal. Segundo a Receita, a Norte Produções Ltda, cuja razão social atual é Direta Agencia de Publicidade Ltda, foi aberta em 19 de maio de 2006.

A reportagem do UOL também entrou em contato, por telefone, com Hemetério Pires da Costa Júnior entre os dias 10 e 15 de junho.

O UOL questionou Hemetério sobre desde quando ele conhecia Jucá e se ambos eram amigos; desde quando a Norte Produções começou a prestar serviços ao gabinete do senador; e se ele via algum constrangimento em ter sua empresa contratada por um ex-chefe.

Às perguntas, Hemetério enviou a seguinte resposta. “Estou no mercado publicitário há alguns anos. A Norte (Produções) é respeitada e com muitos clientes em Boa Vista. Não existe constrangimento algum em trabalhar para qualquer pessoa independente de ser político ou não. Com relação aos meus clientes não tenho nenhuma informação a prestar. Sempre trabalho de forma correta e profissional”, afirmou.

Sobre a nomeação de Hemetério como secretário parlamentar ligado ao gabinete de Jucá, a assessoria de imprensa confirmou as datas de nomeação e exoneração, mas ponderou que os chamados "atos secretos" foram convalidados por uma comissão criada pelo Senado para avaliar o escândalo. 

Polêmica

Romero Jucá foi alvo da primeira grande polêmica do governo do presidente interino Michel Temer (PMDB). Conversas gravadas pelo ex-presidente da Petrobras Sérgio Machado mostraram Jucá falando em fazer um “pacto” para “estancar a sangria” causada pela Operação Lava Jato.

O senador é alvo de dois inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal). Após a divulgação dos áudios, Romero deixou o cargo de ministro do Planejamento.

Em um deles, o senador é suspeito de integrar a organização criminosa que atuou na Petrobras e no outro, um desdobramento da operação, é relacionado à corrupção na Eletronuclear.

Jucá é citado por pelo menos cinco dos principais delatores da Lava Jato: o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o lobista Fernando Soares, o doleiro Alberto Youssef, o ex-senador Delcídio do Amaral e Sérgio Machado.

Em declarações recentes sobre as suspeitas, Jucá tem negado ter participado de irregularidades investigadas pela Operação Lava Jato.