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Garotinho comandava com "mão de ferro" corrupção eleitoral no RJ, diz juiz

Garotinho foi preso e encaminhado à sede da PF na capital fluminense, na Praça Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Garotinho foi preso e encaminhado à sede da PF na capital fluminense, na Praça Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio

16/11/2016 15h11

O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR), detido pela Polícia Federal nesta quarta-feira (16), comandava com "mão de ferro" um "verdadeiro esquema de corrupção eleitoral" em Campos dos Goytacazes, no norte do Estado, cidade onde ele e sua família formaram uma espécie de clã político.

As palavras são do juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral, que assina a ordem de prisão preventiva contra o ex-chefe do Executivo fluminense (ele ocupou o cargo entre 1999 e 2002).

A decisão judicial é resultante de uma investigação da PF que descobriu a existência de um esquema de compra de votos no município. Garotinho foi levado até a sede da Polícia Federal na capital fluminense, mas seguirá ainda hoje a Campos dos Goytacazes, onde deverá prestar depoimento. Em nota, a defesa do ex-governador disse que a prisão é "arbitrária e ilegal".

Na sentença, Glaucenir relata que os crimes foram cometidos por Garotinho e outros denunciados, como os vereadores Miguel Ribeiro Machado (PSL) e Ozéias Martins (PSDB) --estes foram presos há cerca de um mês--, e consistiam no cadastramento ilegal de membros do programa Cheque Cidadão. Em troca, os beneficiários prometiam votar nos candidatos que operavam o esquema.

"O réu associou-se a diversos outros personagens, alguns já denunciados, incluindo vereadores e outros agentes públicos", explica o magistrado, com o objetivo de "praticarem milhares de vezes" o crime de corrupção eleitoral e com "intuito claro de obter expressiva votação para os candidatos a vereança apoiados por ele [Garotinho], garantindo-lhes, evidentemente, a eleição e a consequente manutenção do poder político em Campos".

De acordo com a Justiça, 18 mil novos cadastros foram realizados no programa Cheque Cidadão com fins eleitoreiros --o programa conta, no total, com quase 30 mil beneficiários. A compra de votos ocorria sobretudo com eleitores de baixa renda.

"Estes e vários outros elementos probatórios constantes dos autos do inquérito policial, demonstram com clareza que o réu efetivamente não só está envolvido mas comanda com 'mão de ferro' um verdadeiro esquema de corrupção eleitoral neste município, através de um programa assistencialista eleitoreiro e que tornou-se ilícito diante da desvirtuação de sua finalidade precípua", afirma o magistrado.

"(...) passando a ser implementado e manutenido sem a observância dos procedimentos previstos no próprio programa, principalmente passando por cima dos profissionais de assistência social habilitados para o cadastramento e estudos técnicos sociais a fim de possibilitar a inclusão de milhares de famílias no recebimento dos cartões de Cheque Cidadão, o que em hipótese alguma deveria ter fim político eleitoreiro", complementa Gualcenir.

O juiz relata ainda que, durante as investigações, Garotinho teria atuado com objetivo de eliminar provas e coagir testemunhas. Documentos públicos que indicavam números do programa Cheque Cidadão, o que inclui arquivos digitalizados, foram "suprimidos" por "ordem do réu e de seus comparsas", disse o titular da 100ª Zona Eleitoral. O material reunia provas da "fraude encetada para aumentar demasiadamente o número de famílias beneficiadas pelo programa, justamente em troca de votos (...)".

Testemunhas que depuseram no curso do inquérito, narra a denúncia, foram claramente coagidas e constrangidas pelos investigados. "Os fatos até aqui expostos são extremamente graves e desde logo demonstram o temor de pessoas envolvidas na trama, sob qualquer aspecto, de prestarem suas declarações a fim de elucidar os fatos", escreve Gualcenir. Além das provas testemunhas, parte da apuração também é baseada em interceptações telefônicas, nas quais foi possível, segundo a Justiça, vislumbrar o "protagonismo e comando exercidos pelo réu na cadeia da associação criminosa".

Derrota nas eleições deste ano

Na eleição deste ano, o grupo de Garotinho sofreu uma derrota em Campos, município no norte do Estado governado desde 2009 por sua mulher, Rosinha Garotinho (PR). O próprio ex-governador foi eleito prefeito da cidade duas vezes, em 1989 e 1996. O candidato de Garotinho, Dr. Chicão (PR), foi derrotado por Rafael Diniz (PPS), que venceu no primeiro turno.

Em outubro, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio) aprovou a cassação do mandato de Rosinha à frente da Prefeitura de Campos. Para o relator do processo, o desembargador eleitoral Marco Couto, o portal oficial da prefeitura de Campos na internet foi usado para promover os dois políticos, com o propósito de favorecer a reeleição de Rosinha, em 2012. Com a decisão judicial, ela e o vice ficaram inelegíveis por oito anos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Atualmente, a filha do ex-governador, Clarissa Garotinho, é uma das lideranças do PR no Rio. Ela fez parte da costura política que marcou a aliança com o prefeito eleito da capital, Marcelo Crivella (PRB), e foi responsável por indicar o vice dele na chapa, Fernando Mac Dowell (PR).