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Corrupção em Ribeirão Preto teve negociata no gabinete da prefeita, diz MP

Prefeita de Ribeirão Preto (SP), Dárcy Vera (PSD) chega à sede da Polícia Federal em SP - Newton Menezes/Estadão Conteúdo
Prefeita de Ribeirão Preto (SP), Dárcy Vera (PSD) chega à sede da Polícia Federal em SP Imagem: Newton Menezes/Estadão Conteúdo

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, de Ribeirão Preto (SP)

03/12/2016 11h46Atualizada em 03/12/2016 17h26

O esquema de desvio de recursos da Prefeitura de Ribeirão Preto (SP) funcionava à luz do dia, dentro da prefeitura, com direito a reuniões entre o grupo político de Dárcy Vera (PSD) no gabinete da prefeita e acordo de rateio de propina assinado em papel timbrado.

A revelação consta da denúncia feita pelos promotores do MP (Ministério Público) contra quatro acusados de se beneficiarem do esquema. Três deles foram presos na operação Mamãe Noel, deflagrada nesta sexta-feira (2) pela Polícia Federal e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), instituição que integra o MP.

A prefeita da cidade também foi presa, mas por determinação do TJ (Tribunal de Justiça), por ter foro especial.

Foi a delação premiada de um dos integrantes do esquema, o sindicalista Wagner Rodrigues, que permitiu ao Gaeco apurar como acontecia o achaque aos cofres públicos.

"Eles se reuniam na sala da prefeita e combinavam a divisão da propina de forma contumaz. Havia contato constante entre os envolvidos, inclusive com cobranças por eventuais atrasos nos pagamentos", afirmou o promotor Leonardo Romanelli, que coordena as investigações.

Presos

Foram presos o ex-secretário de Administração, Marco Antonio dos Santos, considerado homem forte do governo de Dárcy Vera; o advogado Sandro Rovani, um dos principais operadores do esquema, e a ex-advogada do Sindicato dos Servidores, Maria Zueli Librandi, responsável por receber os pagamentos e repassá-los aos comparsas.

O MP também pediu a prisão do ex juiz e advogado Andre Hentz, mas o pedido foi negado. Wagner Rodrigues foi indiciado, mas, por causa da delação, o MP não pediu a prisão dele.

Todos responderão por crimes de associação criminosa, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e uso de documento falso, além de peculato (desvio) por 43 vezes. No total, a pena pode chegar a 33 anos. A prefeita Dárcy Vera responde pelos mesmos crimes no TJ e está sujeita às mesmas penas.

O esquema

A reportagem do UOL teve acesso à denúncia feita pelo Ministério Público contra quatro pessoas que integravam o grupo da prefeita. Nela, os promotores mostram detalhadamente a forma de operação da quadrilha.

Maria Zueli era advogada do Sindicato dos Servidores e, em 1997, ingressou com uma ação pedindo que os servidores municipais recebessem reajuste de 28,3% para compensar perdas salariais decorrentes do Plano Collor, além do recebimento dos atrasados retroativos a 1992. A ação foi julgada procedente em 2003 pelo TJ.

Maria Zueli, então, tentou garantir para si 10% do valor da causa a título de honorários advocatícios, mas o contrato dela com o sindicado previa que qualquer verba eventualmente ganha nos processos seria destinada ao próprio sindicato. A posição foi referendada por uma assembleia do Sindicato dos Servidores em 2004.

Inconformada, ela contratou Andre Hentz, ex-juiz na cidade, como advogado e recorreu ao Judiciário, em 2006, mas perdeu a ação tanto na Justiça de Ribeirão quanto no recurso ao TJ, em São Paulo.

Em 2008, foi firmado um acordo em que a prefeitura aceitou conceder o reajuste e pagar a diferença, de R$ 400 milhões, aos servidores. O total seria acrescido de juros de 6% ao ano, perfazendo um montante próximo a R$ 700 milhões.

Foi aí, ao ver o dinheiro que poderia ter recebido, que Maria Zueli, segundo o Gaeco, encontrou um caminho diferente para conseguir os recursos: a propina. "Em 2012, ela procurou a prefeita Dárcy Vera e propôs um acordo. Se a prefeitura se dispusesse a pagar os honorários, ela dividiria o dinheiro. A proposta foi aceita", conta Gabriel Vidal, também promotor do Gaeco.

O acordo

A prefeitura não tinha meios, entretanto, de alterar o acordo judicial que estava em vigor. Para isso, a quadrilha teve que chamar o presidente do Sindicato dos Servidores, Wagner Rodrigues, para negociar. Wagner havia sido um ferrenho crítico a Zueli por querer parte dos recursos que eram dos servidores, mas, por R$ 11,8 milhões, mudou de lado.

Chamou o então advogado do Sindicato dos Servidores Sandro Rovani, com quem dividiu os recursos, e escreveram, a quatro mãos, uma ata fraudulenta de uma assembleia do Sindicado dos Servidores, com uma votação que nunca ocorreu. No documento, constava a autorização para que Maria Zueli recebesse o valor dos honorários, que chegaria a R$ 70 milhões.

Para contentar a todos os envolvidos no esquema, peças fundamentais para que o processo fosse aprovado, ela distribuiu ainda mais recursos. Segundo o MP, a prefeita Dárcy Vera ficou com R$ 7 milhões; Hentz, com R$ 13 milhões e Marco Antonio, com R$ 2 milhões.

Esse esquema todo foi montado em três encontros presenciais entre os envolvidos, dois deles sendo realizados no gabinete da prefeita Dárcy Vera, segundo o MP. "Os denunciados associaram-se, inclusive com a então prefeita municipal --Dárcy Vera, para a prática de diversos crimes contra a administração pública municipal: corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, para desviar dos cofres públicos quantias milionárias em proveito próprio, dinheiro a ser repartido entre os quadrilheiros", disse Romaneli.

Mudança

Com o acerto feito dentro da quadrilha, os envolvidos passaram à ação. A pedido de Wagner Rodrigues, a prefeita Dárcy Vera mandou um técnico fazer um estudo no qual constava a redução dos juros pagos aos servidores de 6% ao ano para 3% ao ano.

O mesmo acordo, entretanto, tirava os outros 3% da correção monetária anual do bolso dos servidores e iriam para o bolso de Maria Zueli. Dessa forma, os servidores passaram a receber apenas o valor básico da ação, sendo que os juros iam todos para o grupo criminoso. Com a medida, os servidores, que iriam receber R$ 764 milhões, passaram a ter direito a R$ 636 milhões, uma perda de R$ 128 milhões.

Com os documentos falsos em mãos e a concordância do sindicato, Maria Zueli e a prefeitura puderam, enfim, levar a ação à Justiça --que, na visão do MP, foi induzida ao erro. "Com os documentos falsos, o juiz aceitou a mudança no acordo e a prefeitura pôde começar a fazer os pagamentos a Maria Zueli", diz Romaneli.

Não satisfeitos em acrescentar, de maneira fraudulenta, o pagamento dos honorários, o grupo criminoso passou também a priorizar os pagamentos das verbas de Maria Zueli, prejudicando, para isso, serviços essenciais, como a coleta de lixo e o transporte coletivo.

"O que ficou comprovado ns investigações é um esquema amplo de corrupção e achaque aos cofres públicos", afirma Romaneli.

Outro lado

A advogada de Dárcy Vera, Claudia Seixas, informou que a prefeita colabora com as investigações e que não poderia dar detalhes sobre o caso, que corre em sigilo de Justiça. Ela disse, ainda, que irá tentar reverter a prisão por meio de um pedido de habeas corpus.

Julio Mossin, advogado de Rovani, afirmou que a prisão de seu cliente é ilegal e que também iria tentar um habeas corpus para retirá-lo da cadeia. Ele informou, ainda, que iria se inteirar sobre a delação premiada de Wagner Rodrigues antes de comentar.

A reportagem procurou Wagner Rodrigues e o advogado dele, Daniel Rondi, mas nenhum dos dois foi encontrado para comentar ou retornou as ligações. Da mesma forma, Luiz Bento, advogado de Maria Zueli, também não se pronunciou. A reportagem não conseguiu contato com o advogado de Marco Antônio dos Santos.

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