Cármen Lúcia: dar as costas a um oficial de justiça é dar as costas ao Judiciário
Em um momento em que atritos entre Legislativo e Judiciário têm marcado a vida política brasileira, o julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal), que terminou com decisão contra o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado também foi uma oportunidade para que ministros comentassem a relações entre as instituições do país.
A presidente da Corte, Cármen Lúcia, foi a última a votar. Foi contra tirar Renan do comando do Senado, mas criticou o senador por ter se recusado a assinar a notificação de seu afastamento do cargo após a decisão liminar (temporária) do ministro Marco Aurélio de Mello. A notificação foi levada na noite de segunda (5) à residência oficial do presidente do Senado por um oficial de justiça, mas Renan só assinou o documento na manhã seguinte, no Congresso.
"Como aqui já foi dito pelo ministro Celso de Mello, nosso decano, ordem judicial há de ser cumprida. E há de ser cumprida para que a gente tenha a ordem jurídica prevalecendo, e não o voluntarismo de quem quer que seja", disse a presidente do Supremo, ponderando que ordem judicial pode ser discutida. "O que fica difícil é verificar que às vezes se vira as costas a um oficial de justiça, que é uma forma de dar as costas ao próprio Poder Judiciário".
Antes, Cármen Lúcia falou que a Corte não pode renunciar ao dever de aplicar a Constituição. "O que não significa, em nenhum momento, desrespeito a qualquer dos Poderes, nem aceitaríamos, evidentemente, nem poderíamos que nosso comportamento fosse assim interpretado, porque o testemunho histórico deste Tribunal é neste sentido", afirmou.
'Meia-sola constitucional'
O relator do processo, ministro Marco Aurélio de Mello, também não se furtou a criticar abertamente a postura de Renan. Ao manter seu voto pelo afastamento do peemedebista da presidência do Senado, disse que todos os brasileiros, "indistintamente", estão submetidos à Constituição e classificou sua recusa a acatar uma ordem judicial como "intolerável, grotesca".
Marco Aurélio ainda pediu que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue se houve crime na decisão do Senado de desobedecer sua ordem liminar pelo afastamento de Renan.
"A interpretação nada mais revela do que o famoso jeitinho brasileiro, a meia-sola constitucional, com desprezo inexcedível [insuperável] ao previsto", afirmou.
“Diante da inexistência de precisão constitucional de afastamento e, tendo em vista uma agenda política nacional que clama por socorro e deliberação imediata, estamos vivendo, quer queira, quer não, uma anomalia institucional”, disse.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso, Renan Calheiros acompanhava o julgamento do gabinete da Presidência do Senado. Após a decisão contrária a seu afastamento do comando da Casa, que ele considerou "patriótica", o senador declarou em nota que "a confiança na Justiça Brasileira e na separação dos poderes continua inabalada."
"O que passou não volta mais", disse Renan no comunicado. "Ultrapassamos, todos nós, Legislativo, Executivo e Judiciário, outra etapa da democracia com equilíbrio, responsabilidade e determinação para conquista de melhores dias para sociedade brasileira."
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