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Congelamento dos gastos: o que pensam dois professores sobre a PEC do Teto?

Para a doutora em educação Neide Noff, da PUC-SP, a PEC 55 "é muito ruim para a educação porque compromete a qualidade do ensino" - Arquivo pessoal
Para a doutora em educação Neide Noff, da PUC-SP, a PEC 55 "é muito ruim para a educação porque compromete a qualidade do ensino" Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

14/12/2016 05h00

“É um sentimento de muita tristeza –e sobretudo pelo fato de a educação não ter chegado até esses políticos. Se tivesse chegado, teriam o compromisso com a transformação da sociedade, só que para todos. Mas não é essa a visão de educação deles, que têm compromissos de outra natureza.” O desabafo é da doutora em educação Neide Noff, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), sobre a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos gastos públicos aprovada na tarde desta terça-feira (13) pelo Senado Federal.

A PEC 55 prevê o congelamento dos investimentos federais em áreas como educação e saúde pelo período de 20 anos. Para a professora, doutora pela Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e há 30 anos no ramo, o argumento defendido pelo governo federal de que a proposta preservará essas áreas –como alegado, por exemplo, pelo ministro Henrique Meirelles (Fazenda) – não corresponde à realidade.

“Na verdade, essa PEC é muito ruim para a educação porque compromete a qualidade do ensino. Há necessidade de se pensar educação pelo aspecto de investimento nas mídias digitais e pelas questões de salários e sobrevivência de um professor –que precisa de atualização profissional e de políticas públicas de formação –, por exemplo, mas também no que se refere às vagas em creches. Congelar investimento por 20 anos é uma aberração, é impedir o crescimento do setor, e o que pode ser pior: é regredir no que já se conquistou”, avaliou.

Para a educadora, um dos efeitos práticos que podem ser sentidos a médio prazo ao se atrelarem os investimentos em áreas federais à inflação, no setor educacional, é o prejuízo à formação dos professores.

“Isso fará com que ser professor seja menos atrativo ainda, com a chance de se apelar a leigos. Esse é um risco muito sério, da mesma forma que é um risco a demanda por vagas em creches aumentar e não haver recursos que a acompanhem”, disse. “Sem contar que educação traz uma oportunidade social. Se não tem verba para investir nela, tem-se mais evasão escolar ou uma procura ainda maior pela educação privada –mas educação é uma obrigação do Estado”, defendeu.

A educadora disse que ainda mantinha uma esperança de que a PEC não passasse no Senado, ou, então, que fosse aprovada preservando áreas como a educação. Ao saber que fora aprovada no Senado, demonstrou surpresa (“Não acredito...”) e resumiu: “Nossos representantes realmente precisam muito ainda do processo de educação neles, mesmo porque o descrédito do cidadão em relação a eles é muito grande. Por outro lado, torço para que a nova geração não os tenha como modelo e que os veja assim: como antimodelo”, concluiu.

Professor de medicina vê prejuízos ao SUS

Na avaliação do professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Mário Scheffer, na prática, a PEC 55 deve tirar poder de investimentos principalmente no SUS (Sistema Único de Saúde).

“Ao contrário do que o governo diz, o piso vai ser o teto para os investimentos em saúde até 2036, que não só sofrerão perdas, como terão um retrocesso”, afirmou. “Ainda que insuficiente, havia um crescimento lento dos recursos da saúde. Com a PEC, mesmo com crescimento do PIB [Produto Interno Bruto], isso não será repassado para a saúde –e a não podemos ignorar que a população e o índice de idosos crescem, bem como cresce a demanda por novas tecnologias e medicamentos nesse setor”, destacou.

De acordo com o especialista, a maior parte hoje da receita dos hospitais privados – exceto os que são apenas privados –advém do SUS. “Pelo menos 70% dos leitos do SUS estão em hospitais privados; além disso, o SUS movimenta todo um complexo econômico que abrange ainda a indústria farmacêutica. Atrelar s investimentos à inflação, com aumento do público atendido, não só vai reduzir o poder de compra do SUS como vai impactar todo esse complexo, que tem produtos e serviços, mas que também emprega muita gente”, enfatizou.

O presidente Michel Temer (PMDB), por sua vez, classificou ontem como uma "vitória" a aprovação da PEC e avaliou que o Congresso teve uma “preocupação absoluta com o Brasil”.

“Quero registrar o meu agradecimento ao Congresso Nacional, que foi de uma preocupação absoluta com o Brasil, que fez essa parceria conosco para que tivéssemos a vitória que estamos tendo na Casa Legislativa", afirmou o peemedebista. Para ele, a medida “visa a tirar o país da recessão".

Entenda a PEC

A PEC propõe limitar o crescimento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos ao percentual da inflação nos 12 meses anteriores. Na prática, a medida congela os gastos do governo, já que a reposição da inflação apenas mantém o mesmo poder de compra do Orçamento, ou seja, o governo continua podendo comprar a mesma quantidade de produtos e serviços.

O principal objetivo da proposta, segundo o governo, é conter o avanço da dívida pública por meio do controle nos gastos públicos. A ideia é que ao arrecadar, com impostos, mais do que gasta, o governo consiga reduzir o total da dívida.

Entre 2006 e 2015, a dívida pública do governo cresceu de 55,5% para 66,2% do PIB. No mesmo período, os gastos do governo foram de 16,7% para 19,5% do PIB.

O PIB (Produto interno Bruto) é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país a cada ano e serve como principal indicador do desempenho da economia.

A equipe econômica do governo também aposta na aprovação da medida como uma forma de reconquistar a credibilidade do mercado, o que atrairia investimentos e favoreceria o crescimento da economia.

Os defensores da medida apontam o desequilíbrio nas contas do governo como o principal argumento em defesa da PEC.

Este será o terceiro ano que o Brasil terá deficit nas contas públicas, ou seja, em que o governo gastou mais do que arrecadou. O Orçamento 2016 prevê um deficit de R$ 170 bilhões. Novos deficits nas contas são previstos pela equipe econômica do governo ao menos até 2018.

Se aprovada, no décimo ano de vigência da medida, o presidente da República poderá enviar projeto de lei complementar ao Congresso pedindo mudanças nas regras.