Topo

Com acirramento da crise política, o que dizem as "vozes das ruas"?

Alex Silva/Estadão Conteúdo e Rafael Arbes/Estadão Conteúdo
Imagem: Alex Silva/Estadão Conteúdo e Rafael Arbes/Estadão Conteúdo

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

19/12/2016 05h00

Os brasileiros têm presenciado o acirramento da crise política e econômica no país nessas últimas semanas de 2016. Novas delações citando o presidente Michel Temer (PMDB), a quase saída do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), aprovação da PEC do Teto, entre outras questões, continuaram levando manifestantes às ruas das principais capitais do país, tanto os vestidos de “verde e amarelo” quando os de “vermelho”.

Esses novos capítulos da política brasileira estão sendo acompanhados de perto pelos líderes dos principais movimentos sociais e de rua do país. Os entrevistados pelo UOL durante esta reportagem foram unânimes em afirmar que não haverá calmaria em 2017.

Reforma da Previdência será o nosso grande tema no início de 2017”, prometeu Raimundo Bonfim, coordenador geral da CMP (Central de Movimentos Populares) e um dos coordenadores da Frente Brasil Popular.

Guilherme Boulos, presidente do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e um dos coordenadores da Frente Povo Sem Medo, concorda: “a retomada mais ampla das mobilizações deve acontecer no início de 2017. Vamos trabalhar para que assim seja.”

Rogério Chequer, coordenador do Vem pra Rua, afirma que a luta vai ser para haja uma renovação política.

Os líderes das Frentes Brasil Popular, Povo Sem Medo e Vem pra Rua contaram ao UOL como os movimentos enxergam os últimos desdobramentos da crise e suas projeções para o próximo ano, quando temas como reforma da Previdência deverão fazer ainda mais parte do debate na sociedade. Por dois dias, o UOL tentou falar com coordenadores do MBL (Movimento Brasil Livre) mas eles não atenderam às ligações da reportagem.

Reforma da Previdência

Rogério Chequer - Fabio Braga/Folhapress - Fabio Braga/Folhapress
Rogério Chequer, do Vem pra Rua, não sabe se a proposta de Temer é a melhor saída para a Previdência
Imagem: Fabio Braga/Folhapress

O primeiro passo para a apreciação da proposta de reforma da Previdência já foi dado. Na semana passada, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do tema, mas a análise do seu teor ficou para o ano que vem, e só vai acontecer depois do recesso parlamentar e da eleição da nova Mesa Diretora da Câmara, marcada para fevereiro.

“A realidade do sistema previdenciário no Brasil é trágica. Se alguma coisa não for feita, a Previdência quebra. Estamos na expectativa de que o governo tome providências”, afirma Chequer. Ele diz não ser “técnico” para saber se a proposta do presidente Michel Temer (PMDB) é a melhor saída. “Se essa é a melhor, ainda vai ser discutido no Congresso”, acrescenta.

Tanto a Frente Povo Sem Medo quanto a Brasil Popular prometem ir às ruas contra a proposta do governo para a Previdência. “É inaceitável essa reforma, seus argumentos são inconsistentes. Vai ter gente se aposentando no caixão [se ela for aprovada]”, critica Boulos.

O líder do MTST afirma que a reforma da Previdência está no foco das mobilizações de 2017, junto com a já aprovada PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Teto e a defesa dos direitos trabalhistas e programas sociais. “A PEC foi aprovada, mas o jogo ainda não está jogado. Vamos construir uma agenda de mobilizações com essa pauta. Defendemos que haja referendo para que o povo possa decidir se quer ou não o congelamento dos investimentos sociais pelos próximos 20 anos”, diz. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, 60% dos brasileiros são contra a PEC do Teto.

Michel Temer fica ou sai?

Raimundo Bonfim - Roberto Parizotti/Secom CUT - Roberto Parizotti/Secom CUT
Para Raimundo Bonfim, da Frente Brasil Popular, só eleições diretas resolveriam a crise política no Brasil
Imagem: Roberto Parizotti/Secom CUT

A maioria dos brasileiros (63%) quer que Temer renuncie ainda este ano para que haja eleições diretas, segundo o Datafolha. Outra pesquisa, do Ibope, mostrou que 46% dos brasileiros avaliam o governo Temer como ruim ou péssimo.

Uma nova eleição direta para presidente é uma das principais bandeiras defendidas pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e deve ser tema constante nas mobilizações de 2017. “Ou Temer renuncia ou precisamos mudar a Constituição para fazer uma eleição direta [em 2017]. Se fizer eleição indireta, a crise de legitimidade política continuará. Só eleições diretas resolveriam a crise política no Brasil”, acredita Bonfim. 

O coordenador da Frente Brasil Popular diz que o movimento está planejando uma grande marcha pedindo a saída de Temer e a eleição direta de um novo presidente. “Será como a marcha dos 100 mil feita em 1997, durante o segundo mandato de FHC (Fernando Henrique Cardoso). Mas ainda estamos definindo se ela será rumo a Brasília ou se será realizada dentro dos municípios”, explica.

Para Chequer, do Vem para Rua, Temer só deve deixar o poder se as denúncias contra ele feitas nas delações da Odebrecht forem confirmadas. “Nós somos a favor da investigação e da apuração todas as denúncias. Depende das apurações, caso haja confirmação de crime de responsabilidade é possível [apoiar a saída de Temer]. Tem que esperar, exigir que tudo seja investigado e tem que esperar o resultado das investigações”, diz.

“Queda de braço” entre Legislativo e Judiciário

Guilherme Boulos - Taba Benedicto/Estadão Conteúdo - Taba Benedicto/Estadão Conteúdo
Para Guilherme Boulos, da Frente Povo Sem Medo, "briga" entre poderes mostra falência do "sistema político brasileiro"
Imagem: Taba Benedicto/Estadão Conteúdo

Sejam “Verde e amarelos” ou “vermelhos”, os movimentos concordam que é preciso haver mudanças estruturais no Legislativo e Judiciário, citando como exemplo a recente queda de braço entre o Senado e o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a saída de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência da Casa.

“Tanto o Legislativo quanto o Judiciário possuem desvios e estruturas que precisam ser revistos. Isso deve ser feito através de uma discussão democrática, transparente, feita aos olhos da sociedade, com a participação de especialistas, e não aprovando medidas com urgência e na calada da noite”, defende Chequer.

Para Boulos, essa “briga” entre os dois poderes demonstra a falência do “sistema político brasileiro”. “Temos um Legislativo desmoralizado, em sua maioria envolvido em esquemas de corrupção, e um Judiciário cheio de privilégios. É preciso uma profunda reforma política no Brasil, que envolva também uma reforma do judiciário e defina mais mecanismos de participação da população nas decisões”, diz.

Eleições 2018

Kim Kataguiri - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Kim Kataguiri, do MBL, disse que as delações tornaram as eleições de 2018 ainda mais imprevisíveis
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Para um dos líderes do MBL, Kim Kataguiri, “a tão esperada delação da Odebrecht deixará espaço aberto nas eleições de 2018”. Em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, Kataguri afirmou que se a eleição de 2018 já seria turbulenta, com as delações, ela se tornou ainda mais imprevisível. “Temer, Lula, Serra, Aécio, Alckmin, Marina, criticamos todos eles. Alguns perguntam, então, se o MBL já tem um candidato à Presidência da República. Não temos”, escreveu.

Pela quarta vez, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Operação Lava Jato, pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro por contratos firmados entre a Petrobras e a Odebrecht. A última aconteceu na quinta-feira (15).

Uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha e divulgada dias antes da denúncia mostrou Lula à frente dos demais possíveis candidatos à Presidência da República nas eleições de 2018 nas simulações de primeiro turno. No segundo turno, ele só perderia para Marina Silva.

“Lula continua sendo uma alternativa para 2018. Mas a situação é tão preocupante que não é hora de abrir esse debate. Nossa tarefa é mobilizar a sociedade para tirar Temer do posto, eleger novo presidente”, acredita Bonfim.

Para ele, o presidente “pode ser de direita”, concordando os movimentos sociais ou não, contanto que ele seja escolhido de maneira direta. “Depois disso pensamos em 2018”, acrescenta.

Segundo Boulos, discutir 2018 “é uma temeridade”. “Se pensarmos no ponto de vista social e político, tem até uma década separando 2017 de 2018. No próximo ano, temos desemprego aumentando, Estados falindo, colapsos dos serviços públicos, o governo adotando medidas que só aprofundam a recessão, certamente teremos o aprofundamento do conflito social no Brasil em 2017”, acredita.