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Ação no TSE pode tirar de Dilma benefício que causou polêmica no impeachment

A então presidente afastada, Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, em Brasília, durante entrevista para o jornal "The New York Times", em junho de 2016 - Tomas Munita - 1.jun.2016/The New York Times
A então presidente afastada, Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, em Brasília, durante entrevista para o jornal "The New York Times", em junho de 2016 Imagem: Tomas Munita - 1.jun.2016/The New York Times

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

07/03/2017 04h00Atualizada em 07/03/2017 09h40

Após aprovarem o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016, os senadores decidiram manter a elegibilidade e os direitos políticos da petista, ou seja, a capacidade de disputar eleições, votar e ocupar postos na administração pública -- diferentemente do que aconteceu em 1992, quando Fernando Collor de Mello sofreu o primeiro impedimento de um presidente na história do país. Na época, a situação causou polêmica, no que foi chamado de "impeachment fatiado".

No entanto, o risco de Dilma não poder mais disputar cargos Executivos e Legislativos não se dissipou naquele episódio. Quatro ações impetradas pelo PSDB em 2014 no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) poderão fazer com que a ex-presidente perca a chamada capacidade eleitoral passiva, isto é, que ela fique inelegível por oito anos. Seu direito de votar continuaria mantido.

“Nessa ação que corre no TSE só existem dois tipos de penalidade: perda do mandato e inelegibilidade”, explica Daniel Falcão, advogado especialista em direito eleitoral e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).

Isso porque as ações que serão julgadas pelo TSE são do tipo civis eleitorais. “Ela não pode vir a ser presa porque essas ações não possuem nenhuma conotação criminal”, afirmou Silvana Batini, professora de direito eleitoral na FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro) e procuradora-regional da República.

O advogado especialista em direito eleitoral, Fernando Neisser, que é membro fundador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), explica, no entanto, que não se deve confundir inelegibilidade com perda de direitos políticos.

"Ela pode ficar inelegível, se condenada. Mas não é o mesmo que perder os direitos políticos" Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral.

Segundo ele, a suspensão de direitos políticos prevista na Constituição Federal em processos de impeachment é diferente da lei de inelegibilidade, ou seja, Dilma poderia votar e ocupar cargos públicos caso seja condenada pelo TSE. "Mas há muitos municípios, por exemplo, que aprovaram leis municipais determinando que aqueles enquadrados na lei de inelegibilidades não podem ocupar cargos públicos. Na União ainda não [há esse tipo de legislação]", acrescentou.

Se Dilma ficar inelegível, Temer fica também?

Dilma e Temer - Alan Marques/Folhapress - Alan Marques/Folhapress
Dilma e Temer participam de convenção nacional do PMDB, em junho de 2014
Imagem: Alan Marques/Folhapress

Existe uma jurisprudência consolidada na Justiça eleitoral de que chapas são indivisíveis, ou seja, se houver alguma irregularidade, a cabeça da chapa e o candidato a vice que saíram vitoriosos na eleição perdem os mandatos. No entanto, segundo Neisser, só fica inelegível aquele que a Justiça entender que teve envolvimento com as irregularidades.

"Nesse único ponto, a tese da separação de responsabilidades faz sentido e está de acordo com a jurisprudência. Ambos perdem os cargos, mas inelegível só fica quem o TSE entender que teve envolvimento, seja pelo conhecimento, à época, ou mera anuência [ou seja ter conhecimento ou ter dado permissão para o ato ilícito]. Se ficar só na condição de beneficiário, a penalidade fica apenas na perda do cargo", explicou.

A defesa de Temer pediu em abril do ano passado que as contas de campanha fossem analisadas separadamente. Um dos advogados da defesa, Paulo Henrique Lucon, afirmou ao UOL que “há peculiaridades importantes” que devem ser levadas em consideração pelo tribunal, apesar da jurisprudência.

Segundo ele, as contas foram prestadas separadamente durante a campanha por Temer e Dilma. “Apesar de ser um processo cível eleitoral, tem uma sanção pesada, a inelegibilidade. Por ser assim, há necessidade de verificar os elementos subjetivos, se houve culpa grave ou dolo. Se as contas foram separadas, não tem sentido impor [a pena] àquele que não praticou ato ilícito”, disse.

Além disso, ele mencionou a diferença constitucional entre o regime jurídico do presidente e do vice-presidente, ou seja, as atribuições de cada um no cargo. “Por isso, é provável que esse julgamento vá terminar no STF [Supremo Tribunal Federal], que é quem dá a palavra final quando a questão é relacionada à Constituição”, disse.

A defesa de Dilma tem afirmado que a chapa não pode ser dissolvida sob tais argumentos. No final do ano passado, o advogado Flávio Caetano, defensor de Dilma, juntou ao processo cópia de um cheque de R$ 1 milhão e documentos indicando que a doação à campanha, feita pela empreiteira Andrade Gutierrez, entrou pela conta de Temer, então presidente do PMDB.

Além disso, notas fiscais de despesas pagas pela campanha de Dilma Rousseff ao então candidato a vice também reforçariam essa tese.

Odebrecht falou em caixa 2; Dilma poderia ser presa por isso?

Marcelo Odebrecht - Giuliano Gomes/Folhapress - Giuliano Gomes/Folhapress
O empreiteiro Marcelo Odebrecht presta depoimento em Curitiba, em dezembro de 2016
Imagem: Giuliano Gomes/Folhapress

Em depoimento ao TSE, o ex-presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht teria afirmado que pagou R$ 120 milhões por meio de caixa dois para a campanha da chapa Dilma-Temer, em 2014, segundo reportagem do jornal "O Estado de São Paulo".

O conteúdo do depoimento está sob sigilo. A versão oficial só será divulgada após o STF (Supremo Tribunal Federal) liberar o conteúdo das 77 delações de ex-executivos da construtora, homologadas pela Justiça.

O repasse de recursos não declarados à Justiça Eleitoral às campanhas é crime, por isso Dilma poderia vir a responder criminalmente. A pena para o crime de falsidade ideológica eleitoral --linguagem jurídica para caixa dois-- pode ser de até três anos de prisão. Já Michel Temer não pode ser responsabilizado criminalmente enquanto exerce o mandato de presidente da República.

“Ela só poderia responder criminalmente se houvesse outra ação [dessa vez criminal eleitoral] contra ela”, afirma Batini.

“Como não tem mais foro privilegiado, o processo contra Dilma tramitaria na Justiça eleitoral de 1º grau. Já Temer não poderia responder criminalmente agora porque existe uma objeção constitucional que proíbe que ele responda por atos que teriam sido realizados antes do exercício do mandato”, acrescentou.

As ações penais poderiam ser propostas pelo Ministério Público Eleitoral.

Daniel Falcão explica que, se houve caixa dois, é difícil que esses recursos sejam recuperados. “Caixa dois é um dinheiro sujo que entra sujo na campanha. É um recurso que está fora da contabilidade da empresa e entra, geralmente, por debaixo dos panos na campanha - a não ser que ele seja ‘lavado’. Se entrou na campanha, certamente foi gasto”, afirma.

As defesas de Dilma Rousseff e Michel Temer têm negado a existência de qualquer prática irregular na campanha de 2014. Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, a ex-presidente Dilma Rousseff afirmou na semana passada que as declarações de Marcelo Odebrecht são "mentirosas". Temer disse, por meio de nota enviada pelo Palácio do Planalto ao "Estado de S.Paulo", que todas as doações da Odebrecht ao PMDB foram declaradas à Justiça Eleitoral, e que o presidente não negociou valores com Marcelo.