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Falta de acordo com o governo complica recuperação financeira da Odebrecht

Odebrecht fechou acordo de leniência com o MPF em dezembro de 2016 - Marivaldo Oliveira/Código 19/Folhapress
Odebrecht fechou acordo de leniência com o MPF em dezembro de 2016 Imagem: Marivaldo Oliveira/Código 19/Folhapress

Flávio Costa e Vinicius Konchinski

Do UOL, em São Paulo e no Rio

26/03/2017 04h00Atualizada em 26/03/2017 12h27

A falta de reconhecimento por parte de órgãos federais do acordo de leniência firmado pela Odebrecht com a força-tarefa da Lava Jato complica ainda mais a já combalida situação financeira do grupo empresarial baiano.

Sem a chancela da CGU (antiga Controladoria-Geral da União, atual Ministério da Transparência) e da AGU (Advocacia-Geral da União), a Odebrecht pode ser considerada empresa inidônea pelo governo federal. Assim, ficará sem autorização para celebrar contratos de obras estatais, nem para receber créditos de bancos públicos.

Analistas com acesso aos dados financeiros do grupo afirmaram ao UOL que a situação da Odebrecht é "complexa e preocupante". Até o final de 2016, a dívida líquida do grupo chegava aos R$ 76,3 bilhões.

Acordo "arrastado" com o Ministério da Transparência

No acordo de leniência firmado em dezembro com o Ministério Público Federalhavia a previsão de que os procuradores da Lava Jato "fariam gestões" para que outros órgãos reconhecessem a abrangência do documento. As gestões capitaneadas pelo coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, tiveram êxito junto ao TCU (Tribunal de Contas da União). 

Na última quarta-feira (22), o TCU deixou de aplicar a sanção de "inidoneidade" às construtoras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez por elas terem contribuído, por meio de acordos de leniência, com a investigação da Operação Lava Jato. 

Porém, a Lei Anticorrupção (n° 12.846/2013) estabelece que a CGU é o órgão responsável por firmar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo. Este também é o entendimento da AGU.

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Assim, a empresa teve de se submeter a negociações para assinatura de um acordo específico com o Ministério da Transparência, que não tem previsão de ser finalizado. Interlocutores ligados à Odebrecht classificaram as conversas como "arrastadas". 

Em entrevista coletiva sobre os três anos da Lava Jato, procuradores da força-tarefa demonstraram "preocupação", já que avaliam que os órgãos do governo federal poderão desestimular que empresas investigadas procurem fazer novos acordos.

"Isso é preocupante para o futuro do combate à corrupção no país, porque passa um recado para as companhias de que é melhor não confessar seus crimes. As empresas que fazem acordos de leniência devem ser punidas, mas não podem sofrer mais do que as companhias que não colaboraram com a Justiça", afirmou o procurador do MPF Paulo Roberto Galvão.

Odebrecht teme represália

O UOL apurou que a Odebrecht avalia, internamente, que a resistência de órgãos do governo federal em reconhecer a validade do acordo de leniência assinado pela empresa com o MPF pode inviabilizar o processo de reconstrução da companhia pós-Lava Jato.

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Hoje, a Odebrecht Óleo e Gás já sofre com restrições impostas pela Petrobras a empresas envolvidas na Lava Jato. 

Na empresa, há quem acredite que a resistência da AGU e CGU seja uma retaliação do governo federal às delações de 78 executivos da companhia feitas à força-tarefa da Lava Jato. Essas delações, que seguem sob sigilo, citam acordos e negociações feitos com atuais ministros e outros membros do governo Temer para, entre outras coisas, o financiamento irregular de campanhas eleitorais.

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A CGU, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou que realiza negociação com a Odebrecht para a assinatura de um termo de um acordo de leniência. Esse acordo seria independente do firmado ao MPF e poderia, então, livrar a empresas de punições administrativas do governo federal.

"Contudo, em razão do sigilo imposto pela Lei Anticorrupção (Lei n° 12.846/2013), não podemos nos manifestar sobre detalhes dos trabalhos em curso", complementou o órgão em nota.

Procurada pelo UOL, a Advocacia-Geral da União informou que ainda avalia o acórdão do TCU que livrou empresas envolvidas na Lava Jato, entre elas a Odebrecht, de punições impostas pelo governo federal. O acórdão tem mais de cem páginas e passa por um estudo detalhado por advogados responsáveis por defender os direitos da União.

Fontes da própria AGU, entretanto, já informaram que a tendência é que o órgão não reconheça os acordos de leniência firmados em negociações feitas entre empresas e MPF. Dessa forma, a AGU deve continuar abrindo ações contra empreiteiras por danos ao poder público pela corrupção apurada na Lava Jato e apoiando punições administrativas a elas.

Essa posição, aliás, já havia sido divulgada pela ministra-chefe da AGU, Grace Mendonça, em entrevista concedida ao jornal "Valor Econômico" em março. Segundo ela, para que um acordo de leniência tenha segurança jurídica, ele deve ser negociado pelo MPF juntamente com a AGU e CGU.

“O fato de o MPF ter celebrado acordo de leniência não quer dizer que a empresa possa novamente celebrar contratos com a administração pública, a menos que ela já tenha dado uma quitação total do que deve para os cofres públicos federais", afirmou a ministra ao "Valor".

O que diz a Odebrecht

Procurada pelo UOL, a Odebrecht não se pronunciou sobre a disputa acerca dos acordos de leniência. Informou apenas que vem tomando as atitudes previstas no termo negociado com o MPF para se adequar a novas práticas de conformidade.

“Já entraram em vigor na Odebrecht as novas regras do seu sistema de conformidade, aprimoradas a partir da assinatura do acordo de colaboração com a Justiça brasileira. Cabe destacar o aumento da participação de conselheiros independentes e a contratação de responsáveis por 'compliance' em cada negócio integrante do grupo empresarial. As diretrizes seguem os mais rigorosos padrões internacionais de governança corporativa e serão a base para uma atuação ética, íntegra e transparente", declarou a companhia.

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