Topo

Primeira ação da Lava Jato contra partidos cobra R$ 2,3 bilhões do PP

O ex-deputado federal do PP Pedro Corrêa  - Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo
O ex-deputado federal do PP Pedro Corrêa Imagem: Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo

Vinicius Boreki

Colaboração para o UOL, em Curitiba

30/03/2017 16h14Atualizada em 31/03/2017 20h17

A força-tarefa da Lava Jato ajuizou ação civil pública com pedido de responsabilização por atos de improbidade administrativa contra o PP (Partido Progressista) e mais dez políticos da sigla, entre os quais o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PE), que é delator na Operação e teve prisão decretada ainda em 2015. Trata-se da primeira vez que um partido é responsabilizado pelos crimes cometidos no âmbito da operação. A ação é do dia 22, mas foi divulgada nesta quinta-feira (30) pela força-tarefa, durante entrevista coletiva na sede do Ministério Público Federal em Curitiba.

Ao todo, a ação pede ao PP o pagamento de R$ 2,3 bilhões. Este valor soma as seguintes multas: ressarcimento aos cofres públicos de R$ 460 milhões equivalentes à propina paga pelo partido dentro da Diretoria de Abastecimento da Petrobras; pagamento de uma multa civil de R$ 1,3 bilhão; e danos morais coletivos de R$ 460 milhões.

Além do PP e de Corrêa, a ação ainda cita por atos de improbidade administrativa os ex-deputados federais Pedro Henry (PP-MT), João Pizzolatti (PP-SC) e Mário Negromonte (PP-BA) e os atuais deputados federais Nelson Meurer (PP-PR), Mário Negromonte Júnior (PP-BA), Arthur Lira (PP-AL), Otávio Germano (PP-RS), Luiz Fernando Faria (PP-MG) e Roberto Britto (PP-BA). Por fim, é citado também o ex-assessor do deputado federal falecido José Janene, João Carlos Genu.

Germano, Britto, Faria, Negromonte Júnior e Lira também devem pagar, entre multas civis, ressarcimento de propina e danos morais, valores entre R$ 683 mil e R$ 8,9 milhões.

O procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que, além dos citados, outros 21 nomes do PP estão sendo investigados, alguns deles com mandato, mas ele não revelou se algum integra atualmente o governo Temer.

O PP tem se notabilizado por fazer parte da base aliada de todos os governos recentes do Brasil. Apoiou os presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) e atualmente também integra a base do governo de Michel Temer (PMDB).

Com Dilma, três políticos da legenda foram ministros: Aguinaldo Ribeiro (Cidades), Gilberto Occhi (Integração Nacional e Cidades) e Mário Negromonte (Cidades). No ministério de Temer, duas pastas são comandadas por integrantes do PP - Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Blairo Maggi) e Saúde (Ricardo Barros). Além disso, o atual líder do governo na Câmara também é do PP: Aguinaldo Ribeiro.

Os crimes

Na ação proposta, foi descrito o funcionamento de dois esquemas de desvios de verbas da Petrobras: um envolvendo contratos vinculados à Diretoria de Abastecimento, e outro referente aos benefícios obtidos decorrentes da atuação da Diretoria de Abastecimento em prol dos interesses da Braskem, empresa do Grupo Odebrecht, especialmente no contrato de comercialização de nafta entre a estatal e a referida empresa petroquímica. Essas atividades ilícitas foram enquadradas nas três modalidades de improbidade, mas se pediu que sejam aplicadas as sanções mais graves, referentes às situações que geram enriquecimento ilícito, e subsidiariamente as demais sanções.

30.mar.2017 - Procurador da República Deltan Dallagnol explica a ação do Ministério Público Federal contra o PP - RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Procurador da República Deltan Dallagnol explica a ação do MPF contra o PP
Imagem: RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Na entrevista coletiva, Deltan Dallagnol afirmou que a ação contra um partido "não é uma opção". "É o que determina a lei, e a lei deve valer para todos. Não só pessoas físicas, mas jurídicas devem estar sujeitas à sanção da lei de improbidade. Nesse caso, há amplas provas de que o partido concorreu para esses atos de improbidade, por meio de suas lideranças, e foi beneficiado por essas práticas", declarou.

Dallagnol também ressaltou que, por enquanto, o fundo partidário do PP não será bloqueado para o pagamento das multas. "Os bens do partido respondem sim pelo valor da dívida. Embora não seja possível o bloqueio cautelar dos valores do fundo partidário, eventualmente, ao final da ação, os valores podem ser cobrados do partido. A cobrança se dá de modo a não prejudicar o exercício pleno da atividade partidária".

Os deputados e ex-parlamentares envolvidos ficam sujeitos a outras consequências cíveis, como perda dos direitos políticos, cassação dos direitos à aposentadoria em regime especial e proibição de contratar com o poder público ou de receber incentivos fiscais.

Primeiro esquema: de 2004 a 2014

De acordo com o MPF, o primeiro esquema criminoso investigado se refere à identificação, dentro da Lava Jato, de um “enorme e complexo estratagema ilícito executado em prejuízo da Petrobras”, pelo menos de 2004 a 2014. Um cartel de empreiteiras - do qual fariam parte Engevix, OAS, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, Camargo Correa, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez - seria o responsável por fraudar procedimentos licitatórios da estatal em grandes obras, “inflando indevidamente os lucros obtidos”.

O montante de propinas originado dessa primeira parte do esquema chega a R$ 410.656.517,60, equivalentes a 1% dos valores dos contratos obtidos e pagos a título de suborno, segundo as investigações. Desse total, a ação aponta que 60% eram direcionados para o PP e seus integrantes, e 40% eram distribuídos entre executivos da estatal e operadores financeiros.

Segundo a investigação, os políticos envolvidos no esquema receberam mesadas mensais, entre 2006 e 2014, que somavam cerca de R$ 30 mil por mês para cada membro. A investigação indica que cada político tenha recebido R$ 2,9 milhões no período entre 2006 e 2014, sendo R$ 2,5 milhões entre 2007 e 2014. Este seria o caso dos parlamentares Otávio Germano (PP-RS), Luiz Fernando Faria (PP-MG) e Roberto Britto (PP-BA).

“O cartel contava com a corrupção de empregados públicos do alto escalão da Petrobras, especialmente de diretores da estatal que favoreciam as fraudes nas licitações. Os recursos ilícitos obtidos passavam, então, por um processo de lavagem por meio de operadores financeiros. As propinas eram entregues pelos operadores para os executivos da estatal, assim como para os políticos e partidos responsáveis pelo apadrinhamento dos funcionários públicos”, diz o MPF.

Ainda conforme os procuradores, o avanço das investigações levou à descoberta de que o esquema se baseava no loteamento político-partidário das diretorias da Petrobras. A investigação menciona, além do PP, o PT e o PMDB. Durante a coletiva, porém, Dallagnol afirmou que não falaria, neste momento, sobre as outras duas legendas.

“As evidências indicam que parlamentares federais e agremiações políticas – Partido Progressista (PP), Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – obtinham, perante o governo federal, a nomeação para altos cargos diretivos da Petrobras a fim de arrecadar recursos escusos. Em troca do apadrinhamento, as provas mostram que os executivos angariavam propinas que eram destinadas ao enriquecimento ilícito dos participantes e ao financiamento ilegal de campanhas eleitorais”.

Sobre esse esquema, o MPF destaca a atuação do grupo de liderança do PP, composto por Janene, Corrêa, Henry, Pizzolatti, Negromonte e Meurer, com o auxílio do ex-assessor Genu. Segundo a ação, eles foram responsáveis por alçar e manter Paulo Roberto Costa no cargo de diretor de abastecimento da Petrobras, “montando e mantendo o esquema de corrupção político-partidário instaurado no âmbito da estatal.”

Segundo esquema: de 2006 a 2012

A ação aponta terem sido reunidas provas de que a Braskem, empresa do Grupo Odebrecht, também teria pagado propina ao PP e seus integrantes. Em troca, Paulo Roberto Costa cuidava dos interesses da empresa junto à Petrobras. 

“Embora o esquema tenha perdurado de 2006 a 2012, ele teve especial expressão na renegociação do contrato de fornecimento de nafta, em 2009. Nesse esquema paralelo ao cartel de empresas, o montante de propinas pagas para a agremiação partidária e seus integrantes, segundo a apuração, chega ao menos a R$ 49.980.000, equivalentes à conversão para moeda nacional de US$ 24,5 milhões. Esse montante equivale a 70% do montante das propinas, que a ação indica que foi destinado ao Partido Progressista – o restante seria destinado a Paulo Roberto Costa”, diz a ação.

As vantagens ilícitas seriam distribuídas ao PP e a seus integrantes por meio da entrega de valores em espécie, transferências eletrônicas para empresas ou pessoas indicadas pelos destinatários, entrega de bens, pagamento de contas pessoais em nome dos beneficiários e, ainda, transferências e depósitos em contas no exterior, em nome de empresas offshores. 

“Além disso, em época de campanhas eleitorais, o pagamento de propina também foi feito diretamente pelas empresas do cartel para o PP e vários de seus integrantes que eram candidatos, de maneira disfarçada como doações eleitorais ‘oficiais’. Está sendo pedida a responsabilização do grupo de liderança do PP pelas condutas ilícitas referentes a esse segundo esquema criminoso”, concluem os procuradores.

Outro lado

Em nota, o Partido Progressista informou que "todas as doações recebidas foram legais e devidamente declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral". O PP disse ainda que "não compactua com condutas ilícitas e confia na justiça para que os fatos sejam esclarecidos".

Também em nota, o deputado federal Luiz Fernando Faria (PP-MG) afirmou que irá se posicionar “após conhecimento de seu advogado do inteiro teor da ação”. O advogado do deputado federal Roberto Britto, Evânio José Moura Santos, afirmou que o seu cliente não ainda foi citado na ação e que não poderia se posicionar sem ter acesso aos documentos da ação. A defesa de João Carlos Genu também informou que seu cliente ainda não foi citado e que vai aguardar a citação para se manifestar.

O UOL ligou para o escritório do advogado do deputado federal Otávio Germano (PP-RS), Marcelo Luiz Ávila De Bessa, no início da noite, mas não conseguiu contato. No gabinete de Germano na Câmara, foi informado que o parlamentar se recupera de procedimento cirúrgico e que não poderia falar sobre o assunto. Otávio Germano estava internado desde o dia 28 de fevereiro com um quadro de vasculite, tendo recebido alta no dia 17 de março.

A reportagem ainda procurou as defesas de Pedro Henry, Pedro Corrêa, Mário Negromonte, Mário Negromonte Júnior e Nelson Meurer, mas nenhum dos advogados deu retorno até a última atualização. A defesa de João Pizzolatti não foi localizada.

A assessoria de Arthur Lira informou que ele não vai pronunciar-se por enquanto.

A Braskem, também em nota, salientou que assinou acordo global de leniência em 2016 incluindo todos os temas relativos às investigações da Lava Jato e que está pagando mais de R$ 3 bilhões em multas e indenizações. "A empresa, que continua cooperando com as autoridades, vem reforçando seu sistema de Conformidade para que tais práticas não voltem a ocorrer", conclui.